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EDITORIAL

França: todos às ruas neste 12 de setembro

Por: Renato Fernandes,  de Campinas, SP

Imagem: Manifestação de 9 de março de 2016 contra a Reforma Trabalhista de Hollande. Foto de Martin Colombet Hans Lucas para o jornal francês Libération.

O retorno das férias de verão na França prometem ser quentes. Nesse próximo dia 12 de setembro, ocorrerá a primeira greve geral contra o projeto de contrarreforma trabalhista do governo de Emmanuel Macron. A greve geral é convocada pela Confédération Général du Travail (CGT), principal central sindical francesa, e outras centrais sindicais e movimentos sociais, como o sindicato SUD-Solidaires, grandes sindicatos como a SNES, de professores do secundário; a Front Social, que reúne sindicatos e movimentos de base e também por partidos políticos como o Nouveau Parti Anticapitaliste (NPA), Lutte Ouvrière (LO), entre outros. A greve se enfrentará com um governo enfraquecido e pode abrir uma nova conjuntura de lutas neste semestre.

Um governo fragilizado
Macron elegeu-se quase como um “acaso” histórico. O sistema político construído durante o período do pós-guerra, faliu com a derrocada da esquerda tradicional, o Partido Socialista que está em vias de esfacelamento, e da direita tradicional, Les Republicains, envolvida em casos de corrupção. Nesse cenário de crise, fortaleceu-se na disputa presidencial uma saída da extrema-direita, Marine Le Pen, e a saída “republicana” e neoliberal de Macron, o gestor, o anti-político e ex-banqueiro. Essa última saiu vitoriosa das urnas.

O problema é que, mesmo ganhando com determinada folga (66% a 34%), Macron se elegeu num segundo turno marcado por uma alta abstenção: cerca de 25% dos eleitores não votaram e, entre aqueles que votaram, aproximadamente 11,5% votaram em branco ou nulo. Além disso, uma grande parte dos eleitores de Macron foram eleitores que depositaram um voto contra Le Pen e não necessariamente apoiavam o programa do candidato neoliberal.

Apesar de ter conseguido resultados impressionantes nas eleições legislativas e ter uma ampla maioria no parlamento, o peso do “acaso” tende a aparecer na fatura de Macron: ele tem a maioria, mas não uma força orgânica, já que seu partido, La République en Marche (LREM), se formou às pressas, entre as eleições presidenciais e as legislativas (um mês) e é composto por setores da direita e da esquerda tradicional, combinada com indivíduos da “sociedade civil”. Essa inorganicidade ainda pode cobrar seu preço.

O início do governo Macron e de seu primeiro-ministro Édouard Philippe foi marcado por projetos neoliberais, entre eles a redução de gastos sociais, como a redução de 5€ da Ajuda Personalizada para a habitação (APL em francês), anunciada em julho. Essa ajuda beneficia principalmente estudantes e famílias pobres como um auxílio para pagar o aluguel. Na última semana, após ter reduzido essa ajuda social, Macron pediu para que os proprietários reduzissem os aluguéis no mesmo valor, para compensar a redução da ajuda. Além disso, Macron anunciou também uma nova contrarreforma trabalhista – o governo Hollande realizou uma em 2016. É inegável que essa contrarreforma é uma continuação da anterior e tem um mesmo objetivo: reduzir os custos do trabalho para ampliar os lucros dos patrões com a falsa justificativa de “atrair mais investimentos e criar empregos”. Essa nova contrarreforma altera diversos direitos trabalhistas, entre eles busca estabelecer limites para indenizações por demissão, facilitando assim a rotatividade do mercado de trabalho; permitir negociações por local de trabalho para alteração de remuneração e jornada, reduzindo a força dos sindicatos; facilitação das demissões para empresas estrangeiras que passam por dificuldades econômicas na França; possibilidade de negociação em pequenos empresas, com menos de 50 funcionários, sem os sindicatos, entre outras medidas. O objetivo do governo é que o conselho de ministros aprove até o final de setembro todas essas medidas e que o parlamento vote em outubro. Essa é a primeira das grandes reformas que Macron pretende realizar com o objetivo de recuperar a “competitividade” francesa no interior da União Europeia – competitividade que significa retirada de direitos e precarização do trabalho para nossa classe.

Todas essas medidas neoliberais já impactaram a popularidade de Macron. Em julho, ele tinha aprovação de 54% (queda de 10% em relação a junho) contra uma rejeição de 43% (alta de 8%). A tendência é que, com as greves e manifestações, essa popularidade continue a cair.

A necessidade de uma luta de grande duração
Nos últimos 10 anos, a França passou por pelo menos duas grandes ondas de lutas: a luta contra a reforma da previdência de Nicolas Sarkozy em 2010 e a luta contra a reforma trabalhista de Hollande em 2016. Foram dezenas de manifestações, ocupações de refinarias, algumas greves gerais de um dia, etc., que não conseguiram reverter a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores. É preciso tirar lições dessas derrotas. A manifestação deste 12 de setembro deve ser encarada somente como a primeira e deve servir para construir um movimento de longa duração, com manifestações e greves locais.

Será necessário também arrastar as direções sindicais que se dizem contra as medidas do governo, porém que não chamam à greve, como a direção da Confédération Française Démocratique du Travail (CFDT), segunda maior central sindical, que não está convocando a greve e nem apoiando as manifestações. É necessário também unificar a cólera e as manifestações, já que a France Insoumisse, dirigida pelo deputado e ex-candidato a presidente Jean Luc-Mélenchon, convocou uma manifestação para o 23 de setembro contra o projeto de Macron.

Daqui do Brasil, essa primeira greve e manifestação do dia 12 será uma ótima oportunidade para vermos se há uma possibilidade da construção de um grande movimento que possa derrotar a contrarreforma trabalhista e aparecer como um contraponto à ofensiva neoliberal de Macron. É importante nos solidarizar, afinal, aqui como lá, a burguesia está unificada na retirada de direitos dos trabalhadores e somente a nossa resistência poderá inverter essa ofensiva.