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OPRESSÕES

Violência de gênero e antipunitivismo: é preciso lutar por investimento em políticas públicas

Por: Raquel Reis, de São Paulo, SP

Na última semana, houve uma grande discussão sobre a decisão judicial de Diego Novais, ajudante de serviços gerais, de 27 anos, que ejaculou no pescoço de uma mulher dentro de um ônibus em São Paulo e foi solto pela Justiça, apesar de ser reincidente com 17 passagens pela polícia. Poucos dias depois de ser solto, cometeu mais um ataque ao esfregar sua genitália em outra mulher também dentro de um ônibus na mesma região.

O juiz José Eugênio do Amaral Souza compreendeu o caso como importunação, pois, segundo ele, “não houve violência ou grave ameaça”. No código penal, por sua vez, o estupro é considerado “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal, ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” e prevê reclusão de 6 a 10 anos. Na avaliação do juiz, o caso não se enquadra na definição de estupro. Outros magistrados e juristas apontam que a pena era muito exagerada para o caso. Alguns defendem que em casos de abuso sexual como o de Diego, o agressor deve pagar uma multa.

A decisão, por sua vez, acendeu o debate sobre a penalidade para casos de violência sexual e a necessidade da esquerda defender um programa antipunitivista. Sabemos que a prisão de um homem não resolverá o problema do assédio sexual e estupros nos transportes coletivos e em todos os espaços. No entanto, é muito significativo, ao passo que traz um sentimento de alívio e justiça para as vítimas. Diz respeito à dignidade das mulheres vítimas da violência e à sensação de segurança das mulheres no geral quando algum caso não fica impune. No entanto, sabemos que o sistema prisional é falho, seletivo e racista, além disso, não cumpre a função de reeducar os agressores. Apenas exigir a prisão do agressor somente reafirma o sistema penal e carcerário como solução.

Em 2006, após muita luta dos movimentos de mulheres, foi promulgada no Brasil a Lei Maria da Penha. No entanto, devido a inúmeras falhas em sua implementação, a lei tem se mostrado limitada para combater a violência contra as mulheres. Um dos grandes problemas é a falta de estrutura. Segundo dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres de 2014 reunidos pelo ILAESE, apesar do Brasil ter mais de 5.500 municípios, menos de 10% possuem delegacias especializadas e pouco mais de 1% possuem casas abrigo.

Em todo o território nacional, existem 226 centros de referência/núcleos integrados de atendimento à mulher (com atendimento social, psicológico e orientação jurídica); 249 casas de serviços de saúde especializado para o atendimento a casos de violência contra a mulher; 77 casas abrigo e outros serviços de abrigamento, 497 delegacias especializadas/postos/núcleos/seções de atendimento à mulher em delegacias comuns e apenas 15 serviços de responsabilização e educação do agressor.

Portanto, em primeiro lugar, é urgente que se amplie essa rede de atendimento às mulheres e vítimas de violência sexual e de gênero. As vítimas de violência sexual, seja em transportes públicos, seja em casa ou em outros ambientes, precisam de acolhimento psicológico, social e jurídico, para além de encaminhar o agressor à Justiça. Em segundo, é escandaloso que existam apenas 15 serviço de responsabilização e educação do agressor. Nas diretrizes para implementação, a principal função desse serviço é a condução e facilitação de atividades educativas e pedagógicas em grupo que favoreçam uma conscientização por parte dos agressores quanto à violência cometida, a partir de uma perspectiva de gênero feminista e uma abordagem responsabilizante, para a desconstrução de estereótipos de gênero, a transformação da masculinidade hegemônica e a construção de novas masculinidades.

Além disso, uma das atribuições desses serviços de responsabilização é o encaminhamento para programas de recuperação, para atendimento psicológico e para serviços de saúde mental, quando necessário. É preciso destacar que há indícios de que Diego Novais sofra de problemas psiquiátricos e o mesmo pediu por ajuda médica quando foi levado para a delegacia.

No entanto, o governo Temer anda na contramão de um efetivo combate à violência sexual e de gênero. Em maio, Temer cortou 61% (de R$ 42,9 milhões para R$ 16,7 milhões) das verbas destinadas ao atendimento de mulheres vítimas  de violência e reduziu em 54% (de R$ 11,5 milhões para R$ 5,3 milhões) o orçamento para políticas de incentivo à autonomia das mulheres.

O debate sobre a violência de gênero, mais do que o pedido de prisão ao agressor, deve se pautar pelo avanço de investimento em políticas públicas para as mulheres e pelo combate à violência de gênero. Solidarizo-me com todas as vítimas de abuso sexual, mas compreendo que o sistema penal não vai nos ajudar a superar o machismo nessa sociedade forjada sobre a exploração das mulheres.

Foto: Reprodução