Por: Rejane Hoeveler*, do Rio de Janeiro, RJ
*Da NOS
Uma questão que vem sendo posta desde a delação de Joesley Batista e o posicionamento da Rede Globo naquele episódio aberto em 17 de maio de 2017 é sobre o apoio das classes dominantes a Temer. Elas estariam divididas? A maior parte estaria de que lado? Muitos têm respondido a essa questão de forma extremamente precipitada.
De fato, em algum momento ali pareceu que o barco ia virar. Entretanto, também ficou bastante claro que não havia uma proposta de alternativa política com o mínimo de consenso mesmo entre as classes dominantes, e Temer conseguiu mostrar que ainda tinha base suficiente no Congresso – ou ao menos que podia continuar a comprá-la sem grandes problemas.
No dia seguinte ao escândalo Joesley, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) lança uma nota pública clamando por “estabilidade política e econômica”, reconheceu a “turbulência” do momento mas declarou confiança nos “poderes da República” de forma a solucionar a crise com “serenidade, equilíbrio e espírito público, em estreita observância da Constituição Federal”. A carta não mencionava explicitamente Michel Temer, mas ficava cristalino que a senha ali contida era de apoio à continuidade de seu governo.
“O Brasil, mais uma vez, encontra-se mergulhado num cenário de temores e incertezas. Neste momento preocupante da história brasileira, seria compreensível entregar-se ao desalento, mas não podemos desanimar nem sucumbir ao derrotismo. Parar de lutar por um Brasil melhor significaria aceitar passivamente o fracasso e desistir do nosso futuro. Não podemos deixar o país retroceder. Precisamos continuar trabalhando para reverter esse panorama negativo e buscar as soluções para superar essa gravíssima crise. A turbulência política não pode anular os avanços conquistados nos últimos meses nem frear o andamento das reformas estruturais. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e as Federações das Indústrias dos estados entendem que, somente com a continuidade das reformas, o Brasil sairá da recessão e voltará a crescer. As reformas trabalhista, previdenciária e tributária são essenciais para recolocar a nação no rumo certo e gerar postos de trabalho e renda para os 14 milhões de brasileiros que sofrem o flagelo do desemprego. A indústria confia que as instituições e a sociedade encontrarão as soluções para superar essas novas adversidades. O país precisa enfrentar a atual crise política com serenidade e espírito público. Mais do que nunca, devemos manter a confiança e o otimismo para construir, juntos, o país que sonhamos para nossos filhos. O Brasil já venceu outras crises sérias. Vamos superar mais esse momento desafiador. Temos de continuar avançando. A hora é de perseverar.”1
Em outras palavras, a nota da CNI era um sonoro “Deixa o homem trabalhar!”
Alguns dias depois, em 26 de junho de 2017, a CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária) havia afirmado, em nota à imprensa, que as denúncias contra Temer eram “acontecimentos inesperados, que não nos cabe julgar”, e declarou-se contra “qualquer resultado” que prejudicasse as reformas.2
“Em tempo breve e produtivo, o Governo e o Congresso Nacional estão debatendo e aprovando mudanças importantes para o funcionamento do Estado e da economia. Em conseqüência disto, a maioria dos indicadores econômicos e sociais já apontam para uma consistente recuperação, capaz de devolver confiança aos investidores e esperança à população brasileira. A consolidação do ciclo reformista está ao alcance de nossas vistas, o que ocorrerá com a aprovação das reformas trabalhista e previdenciária pelo Congresso Nacional. Acontecimentos inesperados, que não nos cabe julgar, podem colocar em risco a conclusão virtuosa destas reformas. A interrupção da volta à normalidade representa um grave risco à retomada do crescimento. Este é um destino que não podemos e não vamos aceitar. Com a responsabilidade de quem lutou pela transição política, apoiamos a manutenção da agenda de reformas, na certeza de que este é o único caminho para o equilíbrio fiscal, a estabilidade das instituições e a recondução ao crescimento sustentável e duradouro. Confiantes nas instituições para a manutenção do Estado de Direito, queremos deixar claro que, em nossa visão, qualquer resultado que retarde ou venha a inviabilizar a conclusão das reformas é contrário ao interesse dos produtores rurais e, principalmente, ao interesse coletivo de toda a Nação brasileira. Brasília, 26 de maio de 2017.”
Um mês depois, o presidente da CNI, Robson Andrade, dizia em entrevista à Folha de S. Paulo que “hoje todo o empresariado” defende a permanência do governo Temer.3 Posição similar seria adotada pela FIESP e pela FIRJAN, as maiores federações do país, com a FIESP dando início à sua campanha pela “Reforma Política já!”(o problema não é desse ou daquele governo, é do sistema…) “Não cabe à FIESP falar sobre renúncia de presidente”, afirmou Paulo Skaf.4 Perguntado sobre porque agora era diferente do que no caso de Dilma, Skaf respondeu: “As reformas estruturais estão sendo aprovadas”; “A Fiesp se refere a economia. Cabe à Fiesp discutir economia, não política.”
Aparentemente, esse consenso se espraiou no empresariado. Rapidamente a Rede Globo recuou, e, em todas as outras oportunidades institucionais de tirar Temer legalmente, o empresariado não lançou mão de seus afiados expedientes mobilizatórios, utilizados para derrubar Dilma. Talvez nada fale mais alto do que o silêncio da FIESP e de todas as principais entidades empresariais diante da votação no Congresso da denúncia da Procuradoria-Geral da Republica (PGR) contra Temer por obstrução de justiça e corrupção passiva. Nenhuma das “vozes da sociedade civil” tão escutadas no impeachment de Dilma falou contra Temer, nem os “movimentos”, como MBL e Vem pra Rua, que prometeram ir às ruas e lutar contra “qualquer presidente corrupto”.
O deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT), atual presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, uma das maiores bancadas formais do Congresso, com 200 deputados e 24 senadores, explicou o porquê: “O setor produtivo tem colocado abertamente o pedido para manter o Temer, exatamente pelo histórico, pelo que vem vindo no último ano”, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico.5
Um dia antes da votação, Temer tinha organizado um almoço com a bancada, juntamente com seu ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP) e seu ministro da Secretaria de governo, Antonio Imbassahy (PSDB). Esses 200 votos certamente fizeram a diferença no placar de 263 por 227 que isentou Temer da abertura do processo de investigação. Leitão afirmou que a votação não era uma troca de favores, já que a troca de favores vem acontecendo há muito tempo: “São temas que estavam na gaveta havia 30, 20 anos. Fizemos uma cronologia disso no início do mandato do Temer. E vem acontecendo normalmente. Não é algo que aconteceu nesta semana ou a partir da denúncia. É o que vinha acontecendo havia muito tempo, com várias reuniões [com o governo]. Algumas dessas ações entraram e saíram, e outras estão aí no forno para poder entrar. Mas nenhuma se iniciou com a denúncia, é muito claro isso”.6
Isso é fato. A liberalização para o capital no campo avança em velocidade assustadora. O desmonte da FUNAI, a suspensão de dezenas de processos de demarcação de terras indígenas pela Casa Civil (que já tinham sido aprovados e estavam apenas esperando a homologação presidencial); o relaxamento no pagamento de dívidas de previdência rural (concedido por Temer 24h antes da votação); o relaxamento na aprovação de agrotóxicos pela ANVISA; a Medida Provisória 759, sobre a regularização fundiária, que dará o título de propriedade formal a latifundiários e grileiros; a perspectiva de aprovação iminente de um novo marco regulatório para licenciamento ambiental, e, como se não bastasse, a permissão de exploração mineral em uma enorme área de preservação na Amazônia, são apenas algumas surpresas de um menu completo ofertado ao capital. O deputado Mauro Pereira (PMDB-RS), outro representante da bancada, notou algo que aparentemente nenhum cientista político percebeu: “Eu falo com o presidente Temer todos os dias. Tenho autorização para isso. É um governo parlamentarista. Então isso é muito bom.”7
Entre as justificativas mais frequentes entre os deputados que votaram para não investigar Temer era a tão almejada “estabilidade”, a aprovação das contrarreformas, o fato de o Congresso ter “voltado a funcionar”, além das anacrônicas porém clássicas, “Fora PT”, “Fora comunismo”, “Fora o bolivarianismo”; “Contra a ideologia de gênero”.
Até o momento, apesar de enormes disputas e divergências políticas, o que tem predominado é o apoio da maioria do empresariado ao governo Temer. Esse apoio ainda pode desmoronar, se o governo não seguir com as contrarreformas e as medidas de liberalização para o capital, mas isso hoje parece improvável. A condição de unidade entre as diferentes frações empresariais brasileiras é a continuidade desse programa.
As disputas internas dentro da burguesia são amainadas na exata medida em que a classe trabalhadora passa “pagar o pato”. Seguindo uma longa tradição brasileira, a conciliação pelo alto entre as classes dominantes se dá às custas da exclusão das classes populares da política.
NOTAS:
1 “País precisa enfrentar a atua crise política com serenidade e espírito público”. Agência CNI de notícias, 18 de maio de 2017. Disponível em: http://www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2017/05/pais-precisa-enfrentar-a-atual-crise-politica-com-serenidade-e-espirito-publico-afirma-cni/.
2“CNA – Nota oficial à Nação brasileira”. Negócios da Terra, 26 de maio de 2017. Disponível em: http://negociosdaterra.com.br/cna-nota-oficial-nacao-brasileira/.
3 FRIAS, Maria Cristina. “Empresariado prefere continuar com Temer e evitar turbulência, diz CNI”. Folha de S. Paulo, 26 de junho de 2017. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/mercadoaberto/2017/06/1895716-empresariado-prefere-continuar-com-temer-e-evitar-turbulencia-diz-cni.shtml.
4 VENCESLAU, Pedro; WETERMAN, Daniel & ÍTALO, André. “’Não cabe à FIESP falar sobre renúncia de presidente’, diz Skaf”. Estado de S. Paulo, 26 de junho de 2017. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nao-cabe-a-fiesp-falar-sobre-renuncia-de-presidente-diz-skaf,70001864407.
5 DELGADO, Malu. “Os ruralistas ganham força”. Valor Econômico, 11 de agosto de 2017. Disponível em: http://www.valor.com.br/cultura/5075760/os-ruralistas-ganham-forca.
6 Idem.
7 Idem.
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