Esse ano, a Miss Piauí ganhou o título de Miss Brasil e comentários horripilantes infestaram as redes sociais. O cheiro azedo de racismo espalhou-se pelo ar: “tem cara de empregada”, ou “não devia nem estar aí”, ou ainda “ganhou só porque é negra”. Meus pêsames pela vencedora do concurso, Monalysa, ter de passar por isso. Esse rebuliço todo me lembra o dia em que o mundo branco parou ao descobrir que Beyoncé é negra, após o lançamento do clipe “Formation” (Formação).
De todas as 64 mulheres a ganharem o título de Miss Brasil, apenas três (sim, você leu certo) foram negras: nos anos 1986, 2016 e 2017. No país mais negro fora da África, 95% das mulheres a ganharem este título eram brancas. Ora, 54% da população brasileira é negra. Agora, imagine qual seria a indignação dos racistas se fosse o contrário: se 61 misses Brasil fossem negras e apenas três fossem brancas. Estariam subindo pelas paredes. Mas eis que ocorre justamente o oposto, quem tem muita razão para estar indignada são as pessoas negras. Engraçado essas pessoas dizendo que Monalysa ganhou só por ser negra, mas parece que o que ocorreu de 1954 a 2015 foi justamente o oposto: que as misses só ganharam porque eram brancas e os racistas nunca reclamaram por isso, reclamaram?
Quem acha que as pessoas brancas estão sendo preteridas no concurso, podem ficar tranquilas. Faltam mais 58 misses Brasil que sejam negras só para empatar com o número de misses brancas. Aliás, para que as negras atinjam 54% das ganhadoras, faltam ainda 69 misses. Além disso, falta muito, mas muito mesmo, para que as pessoas negras sejam 54% dos prefeitos, vereadores, governadores, deputados, presidentes, engenheiros, intelectuais, professores universitários, funcionários em cargos de comando. Depois de tudo isso acontecer, quem sabe, talvez, só talvez, a gente possa pensar em falar em preterimento.
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