Por Bruno Figueiredo – Coluna Jurídica
Vai passar…
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
(Chico Buarque)
Na última semana, a Câmara dos Deputados barrou o processo contra Temer. Nesta semana voltou com toda força a “Reforma Política”. Surgem agora propostas de “parlamentarismo” e do chamado “Distritão”.
No dia 8 de agosto foi cancelada uma reunião da comissão parlamentar que discute a reforma política, por ter havido um acordo, e a noite os Senadores jantaram com Eunício Oliveira. O projeto que conflui a burguesia é o voto distrital misto. Mas em 2018 pretendem implantar o chamado Distritão.
Basicamente a eleição parlamentar deixaria de ser proporcional, passando a ser uma eleição majoritária. No primeiro momento, os eleitos seriam os mais votados nominalmente em cada estado. No segundo momento de implementação haveria a divisão do estado em distritos, passando a ser uma eleição majoritária nestes distritos.
É importante entender que esse formato de eleição é extremamente antidemocrático. Nos EUA Trump foi eleito, mesmo tendo 2 milhões de votos a menos que Hilary. Ocorre que o sistema eleitoral norte americano é de eleição indireta. Desta forma surgem deformações como esta. Pois o eleitor vota em um colégio eleitoral. Elegendo em cada distrito o mais votado. Entretanto, existe uma figura no voto distrital que se chama Gerrymandering. Ou seja, seria a chamada “Salamandra de Gerry”, isto por que o governador norte-americano Elbridge Gerry desenhava distritos em formato de salamandras para sempre obter os melhores resultados para si.
No Brasil quem desenharia os distritos seria o TSE. Que é presidido atualmente por Gilmar Mendes, aquele mesmo que se reúne com Temer a noite fora da agenda. O mesmo Gilmar Mendes que garantiu o financiamento da eleição de 2014 pela JBS e pela Oderbrecht. Este mesmo, seria o responsável por garantir uma divisão dos distritos sem distorções e sem favorecer qualquer dos lados. Em política neutro só sabão em pó. Existem aqueles que são coerentes, mas não é por essa fama que o nobre Ministro é conhecido.
O voto proporcional garante que diversos setores da sociedade possam estar expressos no parlamento. Por exemplo, uma candidatura que busque expressar a opinião dos policiais militares, ou uma candidatura que busque expressar a opinião dos setores LGBT, são candidaturas que aparentam perfis distintos. Entretanto, ambas teriam em comum o fato de que seu eleitorado é difuso. Não é um eleitoral concentrado em um único bairro. A ideia de voto distrital está vinculada exatamente a ideia de tentar impedir que setores minoritários da sociedade possam ter expressam parlamentar. Nos EUA, o voto distrital foi uma forma de impedir nos anos de 1960, que os Panteras Negras tivessem parlamentares. O voto distrital garante as oligarquias locais muito mais poder. Em um Brasil controlado em suas comunidades periféricas pelo Crime Organizado, isso é um risco potencializado. Ou seja, não existiria de fato democracia. Quem for fazer campanha em uma comunidade sem a anuência dos grupos criminosos locais passa a colocar em risco a vida.
A Democracia no Brasil é um fenômeno efêmero. De fato, não se trata de algo realmente estrutural, mas sim fenômeno. Do ponto de vista histórico, ao longo do século XX sequer houve duas décadas seguidas com eleições regulares. Observa-se os períodos de legalidade do PCB, e logo se nota que a Democracia passou a ter alguma continuidade apenas após a Constituição de 1988.
Existe um calendário eleitoral rígido, no qual a capacidade da população, supostamente, escolher seus governantes apenas ocorre a cada quatro anos. Pior ainda, o período de campanha eleitoral foi ainda mais limitado, no governo Dilma, passando a ser apenas de 45 dias. Passado este lapso temporal, o poder de fato volta a ficar concentrado em estruturas que não são democráticas.
Após o golpe parlamentar de 2016 ficou evidente o limite desta democracia. O governo Temer não recebeu o voto do povo para aplicar o programa que está aplicando. Os únicos votos que garantiram Temer no governo foram os votos dos Ministros do TSE e agora os votos na Câmara dos deputados. Apesar de toda a crise que o País vive, não se coloca de forma séria em debate a convocatória de novas eleições. Nos países europeus de modo geral já teria ocorrido novas eleições gerais. Entretanto, a classe dominante no Brasil tem muito medo da vontade popular.
Em 2013, sob a pressão das ruas, o STF indicou uma maioria dos votos no sentido de proibir financiamento de campanhas eleitorais por empresas. Entretanto, Gilmar Mendes suspendeu esse julgamento, com o subterfúgio do “pedido de vistas”, que a época foi chamado pelo colega Marco Aurélio de “perdido de vistas”. Isto impediu a medida de ser aplicada na eleição de 2014. De modo que naquela eleição as maiores “doadoras” foram a JBS e a Odebrecht, além de todas as demais construtoras. O resultado é evidente que o congresso que se tem é um reflexo do poder financeiro destas empresas, e não um reflexo real da vontade do povo.
Existem várias distorções neste processo. Pois junho de 2013 foi o primeiro descolamento de massas com o PT, mas a classe trabalhadora não conseguiu ainda construir uma alternativa. Sendo como expressão disso o sentimento crescente a direita. Bem como os sentimentos anarquistas que surgem destas lutas.
Por outro lado, o “andar de cima” busca construir suas alternativas. O PT quando no governo aprovou uma reforma política antidemocrática. Agora avança a passos largos no congresso um conjunto de medidas como a cláusula de barreira. Avançam propostas que visam limitar cada vez mais a democracia no Brasil. A esquerda precisa entrar em campo na defesa da Democracia. Para isso é necessário defender a proporcionalidade. Na verdade, no Brasil é necessário garantir a proporcionalidade direta, sem que haja a necessidade do quociente eleitoral. Por outro lado, é necessário garantir a proibição do financiamento de campanha por empresas. Além disso cada eleição é uma nova eleição. É necessário garantir condições de igualdade nas eleições. De modo que a distribuição do tempo de televisão e das verbas de financiamento público de campanha não pode ser proporcional ao congresso que lá está.
Existe uma grande distorção institucional no Brasil que é a manutenção do Status Quo. Ou seja, o tempo de TV e o fundo partidário é distribuído proporcionalmente ao número de votos para parlamentares eleitos nas eleições anteriores. O que se pretende agora é garantir um fundo público milionário que seria distribuído apenas entres os grandes partidos. Portanto, a democracia seria mais ainda debilitada. Pois de fato criaria um impedimento ao acesso dos novos partidos.
Este novo “Acordo Nacional”, como disse o profeta Jucá, é a única forma do PMDB, PSDB, DEM e até mesmo PT, se manterem como principais partidos do Brasil. Agora querem criar um sistema em que ao invés de o eleitor escolher o político, o político passa a escolher o eleitor. É necessário um amplo movimento de massas em defesa da Democracia.
Foto: Lula Marques / AGPT
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