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BRASIL

Está vindo a contrarreforma política

Brasília- DF 09-08-2017 Reunião da comissão de reforma política na câmara. Relator Vicente Cândido. Foto Lula Marques/AGPT

EDITORIAL 10 DE AGOSTO |

Depois da PEC do Fim do Mundo, a reforma do Ensino Médio, a reforma trabalhista, a recém-aprovada Reforma Trabalhista e de terem impedido a investigação do caso de repasses de propinas envolvendo o ilegítimo Michel Temer, agora o Congresso Nacional dá mais um passo.

Na madrugada desta quinta-feira (10) Deputados da Comissão da Reforma Política instituída na Câmara dos Deputados aprovaram a inclusão de um novo modelo para as eleições de 2018 e 2020 no relatório que irá posteriormente ser remetido ao plenário da casa, a principal mudança é a instituição do chamado “Distritão”, além de determinarem o fundo público para campanha atingindo o valor de 3,6 Bilhões de reais, o dobro do que estava sendo proposto pelo relator.

Nas regras válidas hoje deputados federais, estaduais e vereadores são eleitos no modelo proporcional com lista aberta. A eleição passa por um cálculo onde são considerados os votos válidos no candidato e no partido, o quociente eleitoral. Isso permite as coligações, e a partir do quociente é extraída a quantidade de vagas que cada coligação ou partido terá direito, elegendo-se os mais votados até preencher o total de vagas.

O que muda com o “Distritão”?

Cada estado ou prefeitura passa a ser considerado um distrito eleitoral. São eleitos os candidatos mais votados. Não são levados em conta os votos para o partido ou a coligação. Na prática, vira uma eleição majoritária, como já acontece na escolha de presidente da República, governador, prefeito e senador.

Não nos representa!

Não só no Brasil, mas em todo o mundo, é cada vez mais crescente o sentimento na população de que o sistema político não os representa.

Hoje vivemos a crise da globalização neoliberal. Já são quase 10 anos de crise econômica mundial. Com isso, está mais evidente que esse modelo de acumulação e apropriação das riquezas produzidas pela humanidade é incapaz de responder os anseios do povo trabalhador.

Mas além da crise do ponto de vista econômico, há também uma crescente crise de representatividade política. Infelizmente, ainda não está maduro e difundido entre os trabalhadores a necessidade de instituir outro regime, uma democracia real aliada a um modelo econômico planificado, socialista. Assim, essa crise tem aberto uma grande arena de disputa.

Por um lado, crescem as alternativas da nova direita, esbanjando o perfil de “novidade”, os já conhecidos como “outsiders”. João Dória em São Paulo é expressão brasileira dessa tática de alguns setores da elite, assim como Trump nos EUA, ou Macron na França.

Contudo, também à esquerda podemos afirmar que há peças se movendo na perspectiva de disputar uma saída de combate à democracia das elites e o sistema de injustiças. Muitas dessas alternativas são tímidas do ponto de vista político, ou insuficientes para romper de vez com a lógica atual do sistema capitalista, se limitando muitas vezes a reformas. Mas conseguem dialogar com o que há de mais progressista entre os trabalhadores e, assim, abrir caminho para o desenvolvimento da esquerda, tão fundamental nesse momento em que vivemos. Alternativas como o Podemos no Estado Espanhol, ou Bloco de Esquerda em Portugal são exemplos disso.

Em Junho de 2013 milhões de brasileiros saíram às ruas para exigir, dentre muitas coisas, maior representação na política. De lá para cá as instituições só deram provas de seu fracasso enquanto representantes do povo. O Congresso Nacional, o STF e demais aplicaram um golpe jurídico-parlamentar e desde então têm realizado uma série de medidas para remodelar o estado brasileiro e rebaixar ainda mais as condições de vida do povo trabalhador, aumentando a exploração do trabalho.

Por isso é muito popular a necessidade de uma reforma profunda em nosso sistema político para acabar com o poder das grandes oligarquias e empresas sobre a democracia. Basta acompanhar os dados de investimento nas campanhas ou os casos de propinas envolvendo multinacionais. Nossa democracia serve aos interesses da elite e é diretamente controlada por ela.

Entretanto, exercendo toda a sua capacidade de cinismo flagrante, mais uma vez o Congresso Nacional decide brincar com a nossa cara, ao invés de aplicar uma reforma que aumente a capacidade de representação, eles querem se distanciar ainda mais do povo.

A reforma é uma farsa e só serve às elites!

Apenas quatro (4) países adotam esse modelo eleitoral do “distritão”: Ilhas Pitcaim, Vanuatu, Jordânia e Afeganistão. O que a cúpula política das elites ganha com isso aqui no Brasil?

De tudo que venha desse Congresso já devemos desconfiar. Nesse caso não é diferente. O objetivo com essa reforma é tornar o Congresso uma casa mais controlável, submetida às figuras já tradicionais, famosos e com bastantes recursos.

O primeiro problema é alienar os candidatos de seus partidos. Hoje no país, na maioria dos partidos, a relação de seus filiados já é bastante frágil com pouca ou nenhuma identificação. Apesar da rara fidelidade programática e ideológica, os deputados, em geral, seguem a orientação de seus partidos nas votações. O esperado eram medidas que fortalecessem os partidos, do ponto de vista programático, ideológico e político. Assim os deputados deveriam estar mais submetidos aos programas defendidos por esses. Com esse modelo de “distritão” o caminho é o contrário, a tendência é dos partidos se tornarem ainda mais meras legendas sem qualquer requisito de identificação de seus candidatos.

Em segundo lugar, essa medida impede a renovação na política. Sendo que apenas os candidatos mais votados serão eleitos, isso irá privilegiar os caciques da política, aqueles que já são parlamentares, muito conhecidos. Os partidos tenderão a concentrar os recursos de campanha, bem como o tempo de TV.

Muitos podem ser enganados por “venderem” a proposta do “distritão” como uma medida para acabar com os “puxadores de voto” ou reduzir a representação de partidos nanicos, conhecidos por serem legendas de aluguel. Primeiro que os “puxadores de voto” seguirão sendo os primeiros a serem eleitos, como o caso do Tiririca. Em segundo lugar, essa medida não atinge apenas os partidos de aluguel, mas também os partidos ideológicos de esquerda, independentes como o PSOL, PCB e PSTU. Na prática o “distritão” impede a renovação na política não só de novos nomes, mas, sobretudo de novas alternativas impedindo que esses partidos ou outros de orientação semelhante possam crescer e ganhar influência entre o povo trabalhador, o que representaria uma ameaça real aos seus planos de ataques.

Distritão diminuirá espaço para mulheres, negr@s eLGBTs e juventude.

Quando falamos em concentração nas mesmas figuras, logo vem em nossas mentes a visão de homens cis, brancos, héteros, ricos e mais velhos. Esse é o perfil majoritário na política brasileira, uma demonstração escancarada de como esse sistema não nos representa.

Hoje, na maioria dos partidos, a candidatura de setores oprimidos é marginal. A cota para mulheres obriga que tenham candidatas, mas que muitas vezes são lançadas como “laranjas” sem ter sequer campanha, apenas para fingir representatividade. No caso d@s negr@s e LGBTs nem isso ocorre. Quando os partidos tiverem de escolher seus candidatos, distribuição de recursos e tempo de TV entre eles sabendo que apenas os mais votados entrarão, alguém duvida em qual perfil irão escolher majoritariamente? Acertou! Homem cis, branco, hétero, rico e mais velho.

Essa reforma vai na contramão totalmente das ruas. Hoje os principais agentes políticos das lutas são os setores oprimidos. Essa medida também serve para impedir que o Congresso Nacional reflita esses novos atores sociais.

Portanto, digamos não à contrarreforma política do Congresso e de Temer! Não ao “Distritão”!

Foto: Lula Marques / AGPT