APRESENTAÇÃO
Partindo do princípio geral de que os marxistas devem incorporar ao seu programa a luta contra todas as formas de opressão, observamos a necessidade de incorporar em nossas elaborações programáticas o debate sobre a opressão regional nordestina, em suas diversas expressões (econômica, social, cultural)1. Um argumento justifica a presente nota: a opressão sobre o Nordeste moldou a formação e o desenvolvimento social e econômico do capitalismo brasileiro.
A compreensão do Brasil contemporâneo, portanto, mostra-se totalmente parcial e limitado sem uma compreensão do processo do deslocamento do centro dinâmico da acumulação de capital do Nordeste para o Sudeste. Houve, nesse percurso histórico, a geração de uma região cuja marca maior, desde o início do Século XX, foi a acumulação por espoliação regional combinada com uma superexploração dos trabalhadores nas metrópoles sudestinas, que recebeu o gigantesco fluxo das migrações em massa do Nordeste desde os anos de 1930.
O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo brasileiro e sua relação com a formação histórica semi–colonial e periférica, vinculados à vassalagem política e cultural das elites políticas e econômicas ao imperialismo, compõem a síntese da explicação analítica do Brasil do Século XX. De forma que o Nordeste representa o elo mais fraco da cadeia da dominação de classes no Brasil – uma expressão da desigualdade regional extremada, inscrita na dinâmica da modernização e industrialização tardias da nação.
Pelas terras nordestinas ocorreram alguns dos principais movimentos políticos libertários, liberais, republicanos e anti-escravistas do território nacional. Apesar da bravura dessas revoltas, pelo fato de terem sido derrotadas, não puderam alavancar a história política, econômica e social da nação para outros rumos. Ou seja, não houve uma revolução burguesa autêntica no Brasil, como ocorreu com as 13 colônias britânicas do Norte da América ou, mesmo parcialmente, com as colônias espanholas na América do Sul, a exemplo do bolivarianismo.
Ocorre que no nosso período histórico – passada a época das revoluções burguesas – a única classe que pode assumir de forma consequente os desafios de dirigir a nação, incorporando social e politicamente um programa contra as diversas formas de opressão, é o proletariado, a classe trabalhadora dos assalariados contemporâneos. A esta classe cabe liderar um bloco histórico que assuma a defesa da unidade nacional no marco da aliança programática e política com os diversos setores sociais e regionais oprimidos.
Para problematizar sobre o tema da opressão regional e cultural sudestina sobre o Nordeste, o presente texto se propõe a debater 3 eixos:
1. A EXISTÊNCIA DA OPRESSÃO REGIONAL NORDESTINA E SUAS CONSEQUÊNCIAS;
2. INTERPRETAÇÕES DESTA OPRESSÃO e
3. O NORDESTE, A DINÂMICA DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E O DESAFIO PROGRAMÁTICO.
1 – A EXISTÊNCIA DA OPRESSÃO REGIONAL NORDESTINA E SUAS CONSEQUÊNCIAS
A opressão regional sudestina sobre o Nordeste possui expressões econômicas, sociais, políticas e culturais. Antes de demonstrar tais manifestações, podemos citar três grandes derrotas históricas pelas quais passou o Nordeste. Estas significaram um bloqueio para uma possível formação social endógena regional, baseada na pequena e média propriedades rurais. As derrotas do Nordeste reforçaram, assim, a dinâmica da monocultura agro-exportadora. Por outro lado, serviram de base para reveses históricos que incidiram sobre o conjunto da nação no Século XIX e XX, quais sejam: o fim e o extermínio dos quilombos (1580-1710); a derrota da Revolução Pernambucana2 de 1817 e da Confederação do Equador (1824), que consolidou a aristocracia monárquica; e, finalmente, o massacre de Canudos (novembro de 1896 a outubro de 1897), que forjou um padrão de intolerância do Estado com os movimentos no campo.
O primeiro centro de acumulação primitiva do capital brasileiro foi a Região Nordeste3. Recife foi o centro econômico e financeiro daquele período e a cidade de Salvador foi a primeira capital do governo geral da colônia. Fundada para centralizar a administração colonial, Salvador funcionou com essa atribuição entre 1549 e 1763, ou seja, por 214 anos, quando foi substituída pelo Rio de Janeiro.
A fuga da família real portuguesa para o Brasil e sua instalação no Rio de Janeiro, em 1808, reforçaram a dinâmica de transferência dos centros econômicos e políticos doNordeste, notadamente Recife e Salvador, para o Sudeste4. A partir do final do Século XIX, o novo ciclo de acumulação de capital, chamado de “ciclo do café”, lançou as bases para o desenvolvimento de uma burguesia exportadora de commodities e dependente do centro imperialista.
Do início do Século XX em diante, São Paulo foi se tornando progressivamente o centro econômico da nação, sobretudo em razão do crescimento industrial concentrado. Com isso, as desigualdades regionais se agravaram, visto que o Nordeste se consolidou com uma economia centrada na produção de monoculturas. Por outro lado, o regime da velha república se consolidou com o pacto oligárquico-empresarial de poder partilhado entre São Paulo e Minas Gerais, que perdurou até a instauração do Estado Novo em 1930. Este foi um levante dirigido pelas oligarquias periféricas, tendo Getúlio Vargas como direção principal, apoiado pelas classes médias urbanas vinculadas ao militarismo rebelde, cujo expoente maior foi o Tenentismo.
Na dimensão social, um fator decisivo que agravou a regressão social da região foi a existência de um enorme exército de reserva de mão de obra, que garantiu o fornecimento de força de trabalho não qualificada para as regiões Norte, Sudeste e Brasília. Esta migração em massa ocorreu devido às secas prolongadas, estagnação econômica, concentração fundiária e os resquícios do coronelismo na região do semiárido, conhecida como Sertão.
A estagnação econômica e a concentração de renda e da propriedade fundiária expulsaram levas e levas de nordestinos, cuja saga foi a busca pela sobrevivência em outras regiões. Afinal, nem mesmo um bem tão básico para a vida humana, como o acesso à água, foi possível à grande maioria dessas populações. Vejamos como isso se evidencia, por exemplo, no PIB per capita atual:
Tabela 1 – PIB per capita Grandes Regiões 2012 (R$)
Regiões | PIB | população | PIB per capita |
BRASIL | 4 392 094 886 | 193 946 | 22 645,86 |
Nordeste | 595 382 | 53 907 144 | 11 044,59 |
Norte | 231 383 | 16 318 163 | 14 179,48 |
Sul | 710 860 | 27 731 644 | 25 633,53 |
Sudeste | 2 424 005 | 81 565 983 | 29 718,34 |
Centro Oeste | 430 463 | 14 423 952 | 29 843,65 |
Fonte: Contas Regionais. IBGE. Edição do autor.
A condição geo-climática do semiárido – as secas – não é um fator que explica a regressão social verificada no Nordeste, mas ao não ser enfrentada politicamente por mais de um século com políticas públicas estruturais, foi razão de fortes conflitos sociais organizados pelas classes subalternas. A seu tempo e a seu modo, nas zonas rurais, ocorreram saques populares nos municípios pequenos e médios, e as revoltas camponesas-populares de massas, como a de Canudos5 (BA), Caldeirão6 (CE), bem como as guerrilhas do cangaço7.
A região Nordeste, por conter focos de rebeliões populares, tornou-se motivo de preocupação dos governos federais desde pelo menos a primeira década do século XX, com a criação da Inspetoria Federal de Obras contra as Secas (Ifocs) (1909). Na década de 1950, especialmente em razão do acirramento dos conflitos no campo8, tomou impulso um esforço de pesquisas, planejamento e criação institucional. Ainda no governo Getúlio Vargas houve a criação do Banco do Nordeste do Brasil-BNB, em 1952, e depois, em 1956, no governo Juscelino Kubitschek, organizado pelo economista Celso Furtado, foi formado o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste-GTDN.
O enfoque desenvolvimentista da questão regional resultou na criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em 1959, e posteriormente na criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e da Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO).
O Nordeste contemporâneo, a rigor, deve ser identificado como “vários Nordestes” sobrepostos. Por um lado, temos o Nordeste oligárquico, herdeiro do coronelismo nas sub-regiões do semiárido, e por outro, temos um Nordeste urbano e caótico, industrializado, centrado nas grandes regiões metropolitanas. A Região historicamente é também palco de importantes contestações sociais e políticas, haja visto a história das ligas camponesas, do protagonismo do proletariado rural, bem como do contemporânea, precária e volumosa classe operária vinculada à metalurgia, à indústria química, calçadista e à agroindústria exportadora.
O problema migratório: a saga retirante e o exército industrial de reserva9
A herança da monocultura, o poder do latifúndio e as secas constituem os fatores explicativos para o longo e recorrente processo migratório para o Sudeste e demais regiões, a exemplo dos dois ciclos econômicos da borracha na Região Norte e do ciclo da construção de Brasília.
As migrações internas foram determinantes na história brasileira, contribuindo para as particularidades do seu processo de urbanização. Vale destacar o peso decisivo das migrações nordestinas, principalmente na segunda metade do Século XX, onde as levas migratórias assumiram dimensões estruturais.
A primeira leva migratória de grandes proporções ocorreu no final do Século XIX impulsionada pelo ciclo da borracha em direção à região amazônica, em razão da forte demanda mundial pelo produto primário. Os registros bibliográficos dão conta que aproximadamente 250 mil nordestinos, principalmente cearenses, migraram entre 1878 e o início do Século XX, quando o valor do produto amazônico dos seringais entra em declínio devido à competitividade de outras fontes extrativas estrangeiras10.
A partir de então, as levas massivas de imigrantes nordestinos se dirigiram paulatinamente em direção ao Sudeste. Primeiramente, em correntes de milhares para as produções agrícolas e, a partir dos anos 1930, para as zonas urbanas industriais sudestinas, aos milhões.
Entre 1960 e o final dos anos oitenta, estima-se que saíram do campo em direção às cidades quase 43 milhões de pessoas. Em apenas 50 anos, a população urbana passou de 19 milhões para 138 milhões, multiplicando-se 7,3 vezes.
Esse acelerado processo de urbanização era parte das profundas transformações estruturais pelas quais passavam a sociedade e a economia brasileiras. De fato, era a própria sociedade brasileira que se transformava cada vez mais, tornando irreversível a hegemonia das cidades, não só como o lugar privilegiado das atividades econômicas e da residência da população, mas, também, como centro de difusão dos novos padrões de relações sociais e de estilos de vida.
Foi o Brasil moderno, urbano-industrial, que se sobrepôs ao Brasil agrícola tradicional e arcaico, gerando uma síntese singular, muito além de qualquer dualismo: desenvolvimento econômico e modernização social, com fortes desequilíbrios regionais e agudos desequilíbrios sociais11.
O tema das migrações internas nordestinas é considerado o mais importante quando tratamos da temática das migrações no território brasileiro. Os maiores fluxos migratórios nordestinos se aceleram a partir de 1930, quando a levas migratórias europeias diminuem e há uma forte demanda por força de trabalho não especializada para produção agrícola, nas lavouras de café, algodão e cana de açúcar, como nos indica Sampaio e Rocha (1989)12.
A partir de 1950 o fluxo se intensifica e se dirige para as zonas mais urbanas de Rio de Janeiro, São Paulo e suas Regiões Metropolitanas, estimulados por instituições e órgãos que apoiaram e facilitaram as migrações, a exemplo da criação do ITM – Inspetoria de Trabalhadores Migrantes. Este órgão agenciava a contratação e subsidiava a viagem de famílias às zonas agrícolas. Recordemos que a legislação varguista instituiu a proporção de 2/3 dos contratos obrigatórios para trabalhadores nacionais13. Vejamos os indicadores reais do fluxo migratório em escala histórica:
Tabela 2: emigração nordestina para outras regiões do país, 1940 – 1980 (milhares)
Anos | Norte | CentroOeste | Sudeste | Sul | Total | Incremento decenal | Total de imigrantes BRASIL |
1940 | 115 | 103 | 479 | 13 | 710 | — | 1.211 |
1950 | 116 | 139 | 729 | 40 | 1.021 | 44% | 2.056 |
1960 | 151 | 379 | 1.595 | 276 | 2.401 | 135% | 4.422 |
1970 | 179 | 642 | 2.513 | 395 | 3.730 | 55% | 6.960 |
1980 | 442 | 938 | 4.348 | 287 | 6.016 | 61% | 10.839 |
Fonte: IBGE. Censos demográficos: 1940, 1950, 1960, 1970, 1980. In: SAMPAIO e ROCHA. Edição do autor
Um dado relevante é que, em 1950, 73% da população da Região Nordeste vivia na zona rural, ou seja, 13,2 milhões de habitantes, ao passo que apenas 1,9 milhão vivia na zona urbana. O mais agravante é que 51,3% da população da região, somando-se ainda à população de Minas Gerais (554 mil), vivia na delimitação geográfica do Polígono das Secas, ou seja, aí esteve a base maior geográfica e social dos fornecimentos populacionais em massa para a conversão da população rural em população urbana. Conversão com todas as suas características de força de trabalho não especializada, pouco escolarizada e socialmente degradada e discriminada.
As migrações em massa foram uma política consciente e planejada dos governos centrais e Estaduais. O resultado foi o achatamento do valor da força de trabalho, traduzindo-se ainda na discriminação velada e aberta dos costumes alimentares, musicais e estéticos da cultura nordestina.
Destaque-se que, em 1950, a população alfabetizada no Nordeste atingia apenas 25% da população, enquanto que a de São Paulo, já alcança 60% e a média da nação era de 42%.14 A distorção regional estava em que apenas 4,5% da população nordestina atingia 10 anos ou mais de grau completo e em São Paulo esse patamar subia para 23,5%, puxando a média nacional que também era baixa (12,6%). Sintetizando, conforme a Tabela abaixo, em 1950 temos:
Tabela 3: indicadores de educação, econômicos e populacionais NE e SP – 195015
São Paulo | Nordeste | |
População | 9,1 milhões | 17,9 milhões |
Urbanização | 39,93% | 15,50% |
Alfabetização | 59,35% | 25,90% |
Algum grau completo de estudo | 23,55 | 4,5% |
Estabelecimentos industriais | 22.885 | 15.315 |
Participação industrial no Brasil % | 29,18% | 19,53% |
Média mensal de operários ocupados no Brasil | 40,47% (453.117) | 17,71% (198.241) |
Participação no valor da produção industrial – BR | 48,40% | 9,16% |
Participação no valor total da prod agrícola – BR | 35,25% | 19,20% |
Fonte: IBGE. Anuário Estatístico do Brasil, 1953. Edição do autor.
Os fluxos migratórios nordestinos são um fator chave da análise da problemática urbana no Brasil, que foi tardia, acelerada e desorganizada. O motor desse processo foi principalmente a concentração industrial em São Paulo e no Sudeste. Basta citar que em 1970, 45% da indústria nacional estava instalada na capital paulista e região metropolitana e 80% da produção se localizava no Sudeste.
Nas últimas décadas persistiu o problema da migração no Brasil ainda em razão das desigualdades entre as regiões. No quinquênio 1995/2000, o volume migratório envolveu cerca de 3,3 milhões de pessoas, e 2,8 milhões de pessoas no quinquênio 1999/2004. Registros do IBGE indicam também mais de 2 milhões de migrantes no quinquênio 2004/200916.
Tabela 4: saldo migratório entre as regiões brasileiras17
2004 | 2009 | |||||
Imigrantes | Emigrantes | Saldo | Imig. | Emig. | Saldo | |
Norte | 330 660 | 266 919 | 63 741 | 184 634 | 219 793 | (-) 35 159 |
Nordeste | 848 002 | 934 589 | (-) 86 587 | 541 733 | 729 602 | (-) 187 869 |
Sudeste | 844 605 | 1 059 913 | (-) 215 308 | 656 386 | 668 801 | (-) 12 415 |
Sul | 305 063 | 270 477 | 34 586 | 252 947 | 154 094 | 98 853 |
Centro-Oeste | 534 879 | 331 311 | 203 568 | 418 143 | 281 553 | 136 590 |
PNAD. 2010. IBGE. Edição do autor.
Além disso, a estratégia do capital para a locação das atividades econômicas recebeu vários tipos de incentivos públicos, tais como renúncia fiscal, investimentos em infraestrutura industrial e de serviços, formação profissional, sistemas de informação, dentre outros.
Os movimentos de população no País seguem, porém, se processando como nos últimos dois decênios. Desta forma, quando levamos em consideração distâncias maiores, como na escala inter-regional, observamos que os fluxos migratórios apresentaram uma tendência de redução nos seus volumes, muito embora a direção dos principais fluxos seja mantida, com as maiores correntes ocorrendo no eixo Nordeste-Sudeste.
Tabela 5 – Volumes de Imigração e Emigração Regiões do Brasil – 1970-1980, 1981-1991 e 1990-2000
70/80 | 81/91 | 90/00 | ||||
Imig. | Emig. | Imig. | Emig. | Imig. | Emig. | |
Norte | 812.090 | 294.520 | 1.327.603 | 797.813 | 1.305.242 | 958.921 |
Nordeste | 1.452.763 | 3.229.734 | 2.140.462 | 3.668.244 | 2.574.710 | 4.033.524 |
Sudeste | 4.921.007 | 3.243.050 | 4.322.510 | 3.331.922 | 5.236.890 | 3.407.631 |
Sul | 923.255 | 1.884.734 | 1.151.959 | 1.649.104 | 1.522.397 | 1.353.429 |
Centro-Oeste | 1.478.344 | 935.421 | 1.671.688 | 1.167.140 | 1.839.551 | 1.180.535 |
Brasil | 9.587.459 | 10.614.223 | 12.478.790 |
Fonte: Fundação IBGE, Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000.
(Tabulações Especiais, NEPO/UNICAMP)
Saldo negativo do fluxo migratório no Nordeste entre 1970 ao 2000 = 4.763.567
Nas décadas recentes tal problemática persiste. Em 2004/1999 (5 anos), o fluxo de imigração do Nordeste para o Sudeste foi estimado em 548 mil pessoas e em 2009/2005 (5 anos) o fluxo foi de 443 mil pessoas. Vejamos na Tabela 6 qual o peso dessa progressão em relação à população total nos decênios de maior fluxo migratório.
Tabela 6 – População Residente, por situação do domicílio e por sexo – 1940-1996
Anos | Total | Urbana | Rural | |||
Homens | Mulheres | Homens | Mulheres | Homens | Mulheres | |
1940 | 20.614.088 | 20.622.227 | 6.164.473 | 6.715.709 | 14.449.615 | 13.906.518 |
1950 | 25.885.001 | 26.059.396 | 8.971.163 | 9.811.728 | 16.913.838 | 16.247.668 |
1960 | 35.055.457 | 35.015.000 | 15.120.390 | 16.182.644 | 19.935.067 | 18.832.356 |
1970 | 46.331.343 | 46.807.694 | 25.227.825 | 26.857.159 | 21.103.518 | 19.950.535 |
1980 | 59.123.361 | 59.879.345 | 39.228.040 | 41.208.369 | 19.895.321 | 18.670.976 |
1991 | 72.485.122 | 74.340.353 | 53.854.256 | 57.136.734 | 18.630.866 | 17.203.619 |
Fonte: IBGE. Dados históricos dos censos.
Atualmente, a população da Grande São Paulo com 19 milhões de habitantes, quarta maior aglomeração urbana do mundo, onde reside 10% dos brasileiros, é formada por 45% de migrantes (8,5 milhões) de outros Estados, segundo o IPEA. Do total da população 11% são baianos (901 mil); 11% são mineiros (524 mil); 7% são pernambucanos (597 mil); 3% são cearenses (268 mil); 3% são do Centro Oeste (205 mil); 4% são paraenses (306 mil) e os demais 9% são do MA, RI, RN, PB, AL, SE e do Norte (727 mil) e apenas 1% de estrangeiros (83 mil), ou seja, apenas 54% da RMSP são paulistas (4,5 milhões).18
Na cidade de São Paulo, aproximadamente 12% da população residente (1,5 milhões de pessoas somente na capital) é composta por migrantes nordestinos. Destes cerca de 70% desempenha trabalhos braçais e precários de baixa remuneração, serviços de portaria de condomínio e segurança, comércio informal, trabalhos domésticos ou desempregados.
A média dos rendimentos dos pernambucanos em 2011, na RMSP estava, em R$ 903,20 reais, e dos baianos, em R$ 937,00, ao passo que a dos paulistas era de R$ 2.015,75 (mais que o dobro da média dos nordestinos) e 1/4 da média dos estrangeiros, em R$ 4.058,62. Considerando que 70% da população de rua daquela cidade são migrantes, podemos concluir que a maioria também é nordestina.
1.2 As sequelas socioeconômicas: a herança perversa da histórica opressão sudestina
A economia brasileira ainda é bastante concentrada. A participação no PIB das 8 primeiras unidades da Federação (SP, RJ, RS, PR, SC, DF e BA) representa cerca de 80% de toda a produção de bens e serviços do país. Em 2009, tais estados representavam 78,1% do PIB do Brasil: São Paulo (com participação de 33,5% do PIB), Rio de Janeiro (10,9%), Minas Gerais (8,9%), Rio Grande do Sul (6,7%), Paraná (5,9%), Bahia (4,2%), Distrito Federal (4,1%) e Santa Catarina (4,0%).
O avanço da fronteira agrícola, os incentivos regionais, a maior mobilidade das plantas industriais, além do avanço de novas classes consumidoras urbanas, são alguns dos fatores que influenciaram no insignificante avanço de participação dos demais estados ao longo dos sete anos observados na série das Contas Regionais do IBGE 2002-201219. Em relação ao PIB por Estados, a alta concentração em São Paulo é evidente e persistente:
Tabela 7: Concentração do PIB
2002 | 2007 | 2012 | |
São Paulo | 34,6 | 33,9 | 32,1 |
Rio de Janeiro | 11,6 | 11,2 | 11,5 |
Minas Gerais | 8,6 | 9,1 | 9,2 |
Rio Grande do Sul | 7,1 | 6,6 | 6,3 |
Paraná | 6,0 | 6,1 | 5,8 |
Santa Catarina | 3,8 | 3,9 | 4,0 |
DF | 3,8 | 3,8 | 3,9 |
Bahia | 4,1 | 4,1 | 3,8 |
79,7% | 78,7% | 76,6% | |
GO, PE, ES, PA, CE, MT, AM, MA, MS, RN, PB, AL, RO, SE, PI, TO, AP, AC, RR. | 20,3 | 21,3 | 23,4 |
Os Indicadores sociais são mais devastadores quando traduzem que à desigualdade econômica soma-se as diferenças no acesso ao saneamento, educação, saúde, infraestrutura e equipamentos públicos precariamente fornecidos pelos Estados e Municípios da Região, bem como os indicadores de consumo de bens privados.
Tal realidade também tende a se combinar com o tema da opressão racial, pois a composição da população, segundo a cor ou raça, é bastante diferenciada. Enquanto 76,7% da população da Região Sul declarou-se de cor branca, essa proporção foi de 21,2% na Região Norte, e na Região Nordeste, 26,4%. Por outro lado, nestas regiões, a maioria se declarou parda, com 70,2% e 62,0%, respectivamente.
Vejamos a situação educacional. A taxa de analfabetismo funcional é representada pela proporção de pessoas de 15 anos ou mais de idade com menos de 4 anos de estudo em relação ao total de pessoas do mesmo recorte etário. A Região Nordeste manteve-se com a taxa de analfabetismo funcional mais alta no País (26,6%), enquanto as Regiões Sudeste e Sul apresentaram os indicadores mais baixos (12,4% e 13,4%, respectivamente):
Tabela 8 – Evolução da TAXA DE ANALFABETISMO (2004-2015)20
2004 | 2015 | |
Nordeste | 22,4 | 16,2 |
Norte | 13,0 | 9,1 |
Centro-Oeste | 9,2 | 5,7 |
Sudeste | 6,6 | 4,3 |
Sul | 6,3 | 4,1 |
Tabela 9 – Número médio de anos de estudo das pessoas de 10 anos ou mais de idade, por Grandes Regiões – 2004/201521
2004 | 2015 | |
Nordeste | 5,2 | 6,7 |
Norte | 5,8 | 7,3 |
Centro-Oeste | 6,8 | 8,3 |
Sudeste | 7,2 | 8,5 |
Sul | 7,0 | 8,2 |
BRASIL | 6,5 | 7,8 |
No aspecto de bens de consumo duráveis, observamos que, em termos de acesso a carro particular para uso pessoal, em 201522, havia 31,2 milhões de domicílios onde ao menos um morador possuía carro, representando 45,8% do total de unidades domiciliares. As regiões Norte (24,0%) e Nordeste (24,2%) registraram as menores proporções de posse desse bem.
A quantidade de domicílios com posse de máquina de lavar roupa foi o que apresentou o maior crescimento de 2014 para 2015, alcançando a proporção de 61,1%. As Regiões Norte e Nordeste ficaram abaixo da média do Brasil relativamente à posse desse bem, com 39,5% e 30,7%, respectivamente.
No acesso a microcomputadores: em 201523, 31,4 milhões de domicílios possuíam microcomputador. Do total, 27,5 milhões de unidades domiciliares tinham computador com acesso à Internet. As proporções de domicílios com microcomputador chega 46,2% e com microcomputador com acesso à Internet a 40,5%. As Regiões Norte e Nordeste também apresentaram as menores proporções de domicílios com microcomputador (26,7% e 30,3%, respectivamente) e com microcomputador com acesso à Internet (19,6% e 25,8%, respectivamente).
Nas condições de acesso aos serviços de saúde a região se destaca também nos piores indicadores, junto com a Região Norte, em relação à disponibilidade de médicos por grandes regiões:
Tabela 10: médicos por mil habitantes
1990 | 2000 | 2009 | |
Região Sudeste | 1,58 | 1,97 | 2,37 |
Região Sul | 1,09 | 1,43 | 2,1 |
Região Centro-Oeste | 0,99 | 1,24 | 1,96 |
Região Nordeste | 0,65 | 0,81 | 1,12 |
Região Norte | 0,46 | 0,42 | 1 |
Média Total Brasil | 1,12 | 1,39 | 1,84 |
Fonte: IBGE. Edição do autor.
Sobre a coleta de lixo. O número de domicílios atendidos por coleta de lixo foi de 61,1 milhões, atendendo a 89,8% do total de unidades domiciliares do País. A Região Sudeste registrou a maior proporção de domicílios com lixo coletado (96,4%), e a Região Norte a menor (78,6%), seguida pela Região Nordeste (79,1%).
Em relação à rede coletora de esgoto. A média nacional que dispunha de serviço de rede coletora de esgoto foi de 65,3%, em 2015. As Regiões Norte (22,6%), Nordeste (42,9%), permaneceram com percentuais de domicílios inferiores à média nacional.
Quanto ao rendimento mensal domiciliar, a média do rendimento mensal real dos domicílios particulares permanentes foi de R$ 3.186,00. As menores médias deste indicador foram encontradas nas Regiões Nordeste (R$ 2.114,00) e Norte (R$ 2.433,00).
As maiores médias do rendimento mensal real de todos os trabalhos, em 2015, foram registradas nas seguintes Unidades da Federação: Distrito Federal (R$ 3.553,00), São Paulo (R$ 2.266,00) e Rio de Janeiro (R$ 2.212,00); por outro lado, Maranhão (R$ 1.106,00), Sergipe (R$ 1.112,00) e Piauí (R$ 1.127,00) apresentaram as menores médias
Em relação ao rendimento de trabalho, em 201524, foi estimado em R$ 1.853,00. Na Região Norte (R$ 1.453,00); na Região Nordeste (R$ 1.223,00); na Região Sudeste (R$ 2.117,00); na Região Sul (R$ 2.079,00); e na Região Centro-Oeste (R$ 2.203,00).
Índice de Gini da distribuição do rendimento, o Rendimento médio mensal de todos os trabalhos manteve a trajetória decrescente da série desde 2004, sendo de 0,485 em 201525. A Região Nordeste apresentou o maior nível de desigualdade na distribuição desse rendimento (0,498), enquanto a Sul, o menor (0,441)
Em 201526, a taxa de trabalho com carteira assinada no setor privado não agrícola, nas Regiões Sudeste e Sul, ultrapassou 80,0%, enquanto nas Regiões Norte e Nordeste, as estimativas foram de 67,8% e 67,1%, respectivamente.
Na relação capital versus trabalho também é evidente que o trabalhador nordestino é o mais explorado do país, como podemos notar na tabela abaixo:
Tabela 11: média salarial do Brasil por Regiões – PNAD 2015/2014
REGIÃO | 2014 | 2015 |
Sudeste | R$ 2.239 | R$ 2.117 (-5,5%) |
Centro-Oeste | R$ 2.284 | R$ 2.203 (-3,6%) |
Sul | R$ 2.149 | R$ 2.079 (-3,3%) |
Norte | R$ 1.565 | R$ 1.453 (-7,2%) |
Nordeste | R$ 1.295 | R$ 1.223 (-5,6%): |
Fonte: IBGE. Edição do autor.
Por outro lado, percebe-se, nos dias atuais, uma tendência a uma concentração desigual interna à própria Região. Tradicionalmente, o Nordeste possuía quatro unidades sub-regionais geo-climáticas: Zona da Mata, Agreste, Sertão e Meio-Norte. Porém, nas últimas décadas, a região sofreu impactos de profundas transformações econômicas, surgiu, desse modo, uma nova divisão sub-regional mais complexa e diferenciada. Com base no IBGE e no IPEA , foi elaborado uma nova divisão sub-regional do Nordeste.
Agora são nove regiões geoconômicas27: Litoral-Mata, Pré-Amazônia, Parnaíba, Sertão Setentrional, Sertão Meridional, São Francisco, Agreste Meridional, Agreste Oriental e Cerrado. Em cada uma delas existem polos com as atividades econômicas e fluxos de investimentos que envolvem relações econômicas internacionais. Por isso não seria de todo equivocado falar da existência de vários Nordestes (no plural).
A de maior destaque é a sub-região do Litoral-Mata que abrange todos os Estados nordestinos é a mais importante das sub-regiões, gerando quase 2/3 do PIB da região. Onde se concentra a maior parte da população e abriga os três maiores polos urbano-industriais: Salvador, Recife e Fortaleza. O turismo nesta faixa é uma das atividades responsáveis pela atração de um número cada vez maior de investimentos externos. As três maiores Regiões Metropolitanas também concentraram os maiores investimentos privados industriais e portuários dos últimos vinte anos, totalizando 50 bilhões, em 2015, nos Polos de Pecém (7 bi), na Fiat de Pernambuco (2 bi), em Suape (26 bi) e Camaçari (15 bi).
2 – AS INTERPRETAÇÕES DA OPRESSÃO REGIONAL NORDESTINA
É preciso neste ponto em conta as relações econômico-sociais que determinam o grau e a dimensão de subordinação de distintas regiões do país, considerando a existência de classes ou frações de classes regionais e a constituição econômica específica da região.
Há neste campo a contribuição gramsciana relacionada à interpretação do desenvolvimento da Itália no início do Século XX. Ocorreu na Itália, nesse período, um intenso processo de industrialização da região Norte, puxada por Gênova, Milão e Turim. Este processo se deu em detrimento do Sul do país, ainda predominantemente camponês. Gramsci denominou a relação de opressão regional estabelecida entre o Norte e o Sul como Questão Meridional italiana.
Gramsci28 sustenta que a burguesia e as elites italianas dividiram o país produzindo uma desigualdade ao mesmo tempo reprodutora da opressão regional e ligada ao processo de unificação tardia do Estado nacional italiano. O autor argumenta que somente o proletariado italiano poderia conseguir a unidade efetiva do país, postulando-se, num processo revolucionário, como a direção política do conjunto das massas exploradas e oprimidas. E, para tal, era preciso combater as expressões e as causas da opressão regional do Norte, industrializado, em relação ao Sul, agrário-camponês.
No caso do Brasil, o maior expoente da análise e políticas regionais foi o economista cepalino, Celso Furtado. Furtado desenvolveu um projeto que consistia na tentativa de elevar os níveis de desenvolvimento do Nordeste, aproximando-os dos verificados no Sudeste – a SUDENE seria a ferramenta privilegiada para tal.
As principiais medidas propostas pela linha desenvolvimentista eram: 1. Criar no Nordeste um centro autônomo de expansão manufatureira; 2. Transformar a economia agrícola da faixa úmida, com vistas a proporcionar uma oferta adequada de alimentos nos centros urbanos, cuja industrialização deveria ser intensificada; 3. Transformar de forma progressiva a economia das zonas semiáridas, buscando elevar sua produtividade e tornando-a mais resistente ao impacto das secas e, por fim, garantir o deslocamento da fronteira agrícola do Nordeste, visando incorporar à economia da região das terras úmidas à economia maranhense29.
Furtado, como um nacional-desenvolvimentista consequente, não questionava as relações sociais de produção capitalista. Em contestação às teses estruturalistas, Francisco de Oliveira30 comparece neste debate com uma abordagem vinculada ao marxismo e à Economia Política. Nesta abordagem, buscou-se se afastar do foco exclusivo nas explicações climáticas, bem das concepções assentadas nos “desequilíbrios regionais” cujas origens, na visão liberal capitalista, seriam dadas pela alocação natural pura e simples do mercado. Ou seja, caberia ao Nordeste ser mais competitivo buscando encontrar sua “vocação” econômica para inserção no mercado nacional e global.
Numa abordagem marxista, só é possível entender a existência do Nordeste, enquanto sub-região social e econômica, se compreendermos o processo de extração de mais-valor que se concentrou no Sudeste em razão, entre outras coisas, da opressão exercida sobre o povo nordestino.
Podemos afirmar que o tema da opressão regional e cultural nordestina é especialmente relevante não porque esta Região é a mais pobre e menos desenvolvida, mas sim porque essa realidade foi resultado de uma opressão secular que moldou a formação econômica e social do país.
E também em razão dos aspectos políticos, pois nenhum setor da burguesia ou das oligarquias da Região enfrentou tal dinâmica de forma consequente. Sempre foi uma elite covarde e submissa à poderosa burguesia paulista. As maiores expressões políticas, a exemplo do clã dos Sarney no Maranhão, da família Gomes, no Ceará, ou mesmo das oligarquias Arraes/Campos, em Pernambuco e Magalhães na Bahia, apenas para citar as mais contemporâneas e mais poderosas, sempre se postularam como sócias menores e submissas perante a burguesia paulistana e sudestina.
Oliveira31 havia destacado tais características já no período de emergência do latifúndio algodoeiro-pecuário na constituição do “novo Nordeste” do Século XX, em superação ao “velho Nordeste” açucareiro.
A delimitação teórica e metodológica é necessária visto que já experimentamos o auge do desenvolvimentismo regional cepalino como saída para a “nossa questão meridional”, ou seja, o máximo e o ápice da política reformista foi a criação da Sudene. Este projeto, em que pese seus evidentes limites, foi duramente atingido pelo Golpe de 1964. O regime ditatorial continuou agravando as desigualdades regionais e também aprofundando a própria desigualdade interna à região, que passou a concentrar crescimento urbano em certos nichos de complexos industrializados, centrados principalmente no entorno de três grandes metrópoles (Salvador, Recife e Fortaleza) e no agronegócio para exportação.
3. O NORDESTE, A DINÂMICA DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E O DESAFIO PROGRAMÁTICO
Podemos destacar três aspectos contemporâneos sociais e econômicos do Nordeste: o primeiro é que a dinâmica histórica de acumulação do capital centrada no Sudeste gerou características de decadência econômica e indicadores sociais equiparados aos países mais pobres da África Subsaariana e da América Latina. O segundo é que, combinado ao processo de migração massiva, ocorreu também uma migração das cidades pequenas e médias do interior para a formação das três grandes regiões metropolitanas de Recife, Salvador e Fortaleza, que concentram cerca de 4 milhões de habitantes cada. Esta urbanização foi acelerada, desordenada, excludente e favelada. O terceiro é a dinâmica de superação da monocultura agrícola, antes centrada nos sistemas tradicionais da cana, algodão e cacau. Há uma dinâmica de expansão das fronteiras agrícolas voltadas à produção exportadora, como na região do “MATOPIBA” (MA, TO, PI e BA)32, que concentra cerca de 324 mil estabelecimentos agrícolas, chegando a produzir 9,4% da safra de grãos nacional em 2014/2015, além da fruticultura de exportação da Região do São Francisco.
Uma das consequências chaves do processo migratório foi a diminuição do valor da força de trabalho tanto na região sudeste quanto nas regiões metropolitanas do próprio Nordeste. Uma questão a ser investigada é o grau de impacto no valor médio da força de trabalho brasileira em decorrência dessas migrações massivas.
Tabela 12: as 10 maiores regiões metropolitanas do Brasil – 2012
Posição | Região metropolitana | População |
1 | Região Metropolitana de São Paulo | 21 242 939 |
2 | Região Metropolitana do Rio de Janeiro | 12 330 186 |
3 | Região Metropolitana de Belo Horizonte | 5 873 841 |
4 | Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno | 4 291 577 |
5 | Região Metropolitana de Porto Alegre | 4 276 475 |
6 | Região Metropolitana de Fortaleza | 4 019 213 |
7 | Região Metropolitana de Salvador | 3 984 583 |
8 | Região Metropolitana do Recife | 3 940 456 |
9 | Região Metropolitana de Curitiba | 3 537 894 |
10 | Região Metropolitana de Campinas | 3 131 528 |
3.1 A força do lulismo no Nordeste e o desafio programático da transição
A força política do lulismo na Região assentou-se em políticas sociais de significativo impacto popular.
Os governos Lula e Dilma (2003-2014) não inverteram os altos índices de concentração industrial no Sudeste, nem tampouco aproximaram qualitativamente os indicadores sociais do Nordeste aos observados nas regiões mais desenvolvidas do país. Ocorre que, ainda assim, as políticas sociais tiveram um forte impacto na Região Nordeste. Não é sem razão que o lulismo tem no Nordeste uma de suas principais bases eleitorais, a ponto de atrair-cooptar-coligar como aliados as velhas oligarquias regionais que passaram a ser parceiros do PT na maioria dos Estados da região, a exemplo da família Gomes no Ceará, da família Arraes em Pernambuco ou do clã dos Sarney no Maranhão.
O primeiro impacto veio do Bolsa Família. Em vigor no Brasil desde 2003, o programa retirou 22 milhões de brasileiros da extrema pobreza, sendo que 8,1 milhões são crianças. Apenas no ano de 2015, 14 milhões de famílias foram favorecidas. O custo anual do Programa foi de 27 bilhões de reais nesse período de 12 anos, o que representa 0,5% do Produto Interno Bruto33.
O segundo diz respeito à valorização real do salário mínimo, pois entre abril de 2003 e janeiro de 2015, o salário mínimo teve um aumento real de 76,55%, segundo o DIEESE34. Numa Região onde impera elevados níveis de pobreza e baixos rendimentos salariais, a valorização do salário mínimo gerou forte impacto de renda. Por exemplo, apenas para tomar em conta os servidores públicos municipais das prefeituras da Região: cerca de 28% recebem vencimentos menor que R$ 937,00.
Outro medida de alto impacto foi a transposição do Rio São Francisco. A construção de 700 km de canais, apesar de bastante criticada pelas possibilidades de impactos ambientais negativos e valorização de terras para uma minoria de proprietários, traz de imediato uma multiplicação do acesso à água para irrigação agrícola e para o consumo humano nos Estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. Não foi gratuito a romaria popular organizada pelo PT no dia do ato de celebração de conclusão da obra.
Esses três fatores de impactos sociais, associados à outras políticas, como a expansão das universidades e institutos federais, o FIES, os chamados Territórios da Cidadania (120), o Minha Casa Minha Vida, além dos investimentos do PAC, faz com que Lula ainda hoje tenha grande popularidade no Nordeste.
Em relação ao tema agrário há que se elaborar uma nota específica sobre o tema da reforma agrária. Se no restante do país a não realização da reforma agrária foi decisiva para manter, reproduzir e aprofundar as injustiças no campo, na região Nordeste essa herança histórica tem impactos muito maiores, visto que grande parte da população das zonas rurais e dos pequenos municípios sobrevivem da agricultura familiar. Assim, o tema da concentração fundiária é significativo para a Região Nordeste, além da luta democrática histórica da reforma agrária, temos o desafio de compreender os impactos do desenvolvimento do agronegócio nos dois últimos decênios.
Por outro lado, temos que avançar na elaboração das tarefas programáticas socialistas visando incorporar as demandas sociais mínimas e democráticas que se acumularam historicamente na Região Nordeste. Nos dias atuais, elas se manifestam nos indicadores sociais e econômicos, assim como na interface com uma nova dinâmica de industrialização de nichos localizados que tendem a agravar as desigualdades internas.
O crescimento da extrema direita nos últimos anos não se expressou somente no ódio à esquerda e aos movimentos sociais, mas também no ódio aos nordestinos, como ficou evidente logo após a eleição de Dilma Roussef, em 201035. Recrudesceram, assim, todo tipo de ideologias neofascistas e xenófobas, dentre elas a xenofobia anti-nordestina.
O Nordeste só é valorizado nos momentos das negociatas das candidaturas, tendo em vista o voto de um enorme contingente de eleitores, ou em reuniões dos governadores da Região que portam-se de “pires na mão” para negociar suas dívidas com a União. Ou ainda para conseguirem financiamento para obras nem sempre úteis para maioria da população.
A condição de opressão do Nordeste foi produzida historicamente pela burguesia sudestina, e também pelas oligarquias regionais submissas. Realidade que expressa a decadência dessas elites e de seus políticos burgueses, que são incapazes de afrontarem a condição de subalternidade da Região.
Sendo assim, a superação da opressão regional e cultural sobre o Nordeste também será um obra humana coletiva, resultante da luta política dos setores mais explorados e oprimidos da Região, em unidade com o proletariado sudestino.
Pois bem, se não cremos que as forças do mercado liberal irão solucionar os problemas da desigualdade e da opressão, tampouco podemos acreditar nas saídas neo-desenvolvimentistas, já adotadas no passado nos governos do PT e das esquerdas populistas burguesas, como do PSB da família Campos/Arraes de Pernambuco ou do PDT de Ciro Gomes.
Somente poderemos formular um novo programa para a Região Nordeste incorporando os movimentos sociais, a intelectualidade, pesquisadores de esquerda, a militância socialista e as correntes políticas comprometidas com as mudanças almejadas. Para que de forma possamos coletivamente, tendo objetivo estratégico de assegurar uma unidade nacional liderada pela classe trabalhadora, enfrentar a opressão regional e a sua face mais decadente que é a ideologia da inferioridade assentada na xenofobia contra o “baiano”, epíteto discriminatório que associa o nordestino a uma condição de inferioridade.
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