Pular para o conteúdo
OPRESSÕES

Santos campeão brasileiro: avança o futebol feminino

Por: Isabel Fuchs, de Campinas, SP

Para quem já jogou futebol, como é o meu caso, ou mesmo para aqueles que se identificam com a modalidade, é difícil não se emocionar com a final que acaba de se encerrar, entre Santos e Corinthians, que garantiu o título de campeão brasileiro ao time santista.

Sereias-Sole-Final-600x261
Foto: Santos-FC

A emoção é por conseguir assistir ao jogo pela televisão, é por ver as arquibancadas cheias e conseguir escutar o grito da torcida, por saber que essas guerreiras, que enfrentam incontáveis dificuldades para conseguirem jogar, estão cavando espaço para o desenvolvimento do futebol feminino.

Para quem conhece o universo do futebol feminino brasileiro, os rostos das atletas são conhecidos. Carol Arruda, Ketlen, Mimi, Fabi, Grazi, Maurine, Dani’s, Erikinha, todas essas têm uma história no futebol feminino, já rodaram diversos times no Brasil, algumas inclusive com experiência internacional e parte delas já vestiu a camisa da seleção. Algumas dessas guerreiras fizeram parte da construção do time das Sereias da Vila, viram o clube fechar as portas para o futebol feminino e agora estão de volta. Algumas já dividiram as quatro linhas com a Marta, grande estrela do futebol feminino nacional, e com outras atletas de renome internacional.

O ponto que conecta todas essas trajetórias é, infelizmente, um ponto de negatividade. Absolutamente todas as jogadoras que estavam na Arena Barueri hoje, em campo, no banco ou nas arquibancadas, já teve que ouvir que futebol não é coisa de mulher. Podem ter escutado isso enquanto crianças, adolescentes ou depois de adultas, mas não pensem que nunca tenham escutado isso. Qualquer mulher que se aventura a chutar uma bola vai se enfrentar com essa situação, sorte será se só passar por isso uma vez, porque para centenas de mulheres no Brasil essa é uma realidade quase diária.

Mas deixemos as histórias dos campos de terra batida, dos xingamentos, das dificuldades e dos problemas um pouco de lado, pelo menos por algumas linhas, porque é preciso falar também de algumas vitórias que esse campeonato pôde proporcionar. É preciso falar do Hulk amazonense, o time do Iranduba que, nos rincões mais afastados do eixo mais badalado do futebol feminino, quebrou absolutamente todos os recordes de público.

Iranduba é o atual pentacampeão amazonense de futebol feminino. Foto: Reprodução/Amazon Sat
Iranduba é o atual pentacampeão amazonense de futebol feminino. Foto: Reprodução/Amazon Sat

O recorde de público numa partida de futebol feminino era de 12.300 pessoas, no jogo entre o Saad-MT e o Cresspom-DF, em 2007. Já no ano passado, o time do Iranduba havia quebrado esse recorde, mas esse ano, no jogo da semifinal contra o Santos, deixou essa marca muito para trás, levando 25.371 pessoas para o estádio. O fato é curioso, principalmente porque não há no estado um campeonato feminino regular, o time do Iranduba é bastante jovem e já bateu o estado de São Paulo, onde há campeonatos regularmente há anos. O Paulista era a principal competição de futebol feminino, antes da consolidação da Copa do Brasil e do Brasileirão atual, mas jamais conseguiu uma estabilidade de público ou números sequer parecidos com os da torcida do Hulk da Amazônia.

Diversas hipóteses estão sendo levantadas, tentando desvendar o mistério da casa cheia que ronda o Iranduba, obviamente há uma combinação de fatores que levam a tal façanha, mas o fato de a cultura do futebol masculino não ser tão hegemônica na região pode ser um fator que tenha contribuído para que houvesse espaço para o time feminino. Agora uma coisa é certa: se é possível popularizar o futebol feminino na Amazônia, é possível popularizar o futebol feminino nos outros estados do país.

Quem acompanhou somente a final do Brasileirão pode ter uma impressão equivocada da modalidade, acreditando que os times tradicionais do futebol masculino são os que mais têm expressão no futebol feminino também. Agora a realidade é bastante distinta. Apesar de carregar o nome do Corinthians, a equipe quase não tem apoio do clube e sequer pôde mandar o jogo da final no Itaquerão, o estádio do time. Com a estrutura emprestada da cidade de Barueri, o time do Corinthians tem o direito de fazer com que as atletas em campo vistam sua camisa, mesmo que esse ato não passe disso, de vestir a camisa.

Equipe do Corinthians. Foto: Bruno Teixeira
Equipe do Corinthians. Foto: Bruno Teixeira

É preciso criticar a postura do clube, que de fato não investe na modalidade e não garante uma infraestrutura para suas atletas, o que é lamentável. O time do Santos, por outro lado, tem mais tradição no futebol feminino, há anos com um projeto mais consolidado, apesar de ter passado por alguns anos sem a existência do time, voltam mais fortes ainda, com o clube investindo verdadeiramente e garantindo a mesma estrutura do masculino para as meninas do time. Embora essa seja a realidade hoje, o futuro do time feminino é incerto. A maior parte das atletas têm contrato que se encerra este ano, isso porque ano que vem é ano de eleição da diretoria e a mudança que pode ocorrer pode significar o fim do time do Santos, o futuro é imprevisível.

A imprevisibilidade, aliás, é o único elemento de constância na realidade do futebol feminino brasileiro. As jogadoras não tem contratos regulares, nunca tem a certeza de que irão receber seus salários e o final da temporada é o momento de maior aflição da vidas das atletas, os times podem acabar, as competições também podem se extinguir, não há certezas no calendário do futebol feminino.

A presença das torcidas nos dois jogos da final são como uma luz no fim do túnel, mostra para alguns patrocinadores que pode vale à pena investir na modalidade, infelizmente, somente a lógica do patrocínio é capaz de fazer desenvolver a modalidade, já que não existe um projeto estatal para a modalidade, nem mesmo para o desenvolvimento olímpico.

Seja como for, atrair mais de 20 mil torcedores, como fez o Hulk da Amazônia, é um fato que enterra os argumentos de que a modalidade é incapaz de atrair público. Os fãs do futebol feminino tem se multiplicado e é preciso romper cada vez mais barreiras para que o esporte se desenvolva e consolide esta marca de público.

As guerreiras do futebol feminino são um exemplo de resistência e de luta das mulheres na conquista de um espaço no mercado de trabalho. Buscar um lugar no esporte conhecido como um dos mais “viris” não é tarefa fácil, mas as dificuldades não impedem as mulheres de irem atrás de seus sonhos.

O Dia Nacional do Futebol foi comemorado ontem, hoje devemos celebrar as mulheres do futebol feminino!