por: Paula Nunes, de São Paulo.
Circulou nas redes sociais, nas últimas semanas, o vídeo de um adolescente que teve sua testa tatuada com os dizeres “eu sou ladrão e vacilão”. Após uma série de especulações, ficou constatado que o rapaz, de 17 anos, é pessoa com deficiência intelectual e usuário de drogas. Os responsáveis pela tatuagem estão presos preventivamente e responderão pelo crime de tortura.
Uma série de hipóteses sobre o que realmente teria acontecido surgiu. A versão contada pelo tatuador e seu parceiro foi de que o adolescente teria tentado furtar a bicicleta de uma pessoa com deficiência física e, por esse motivo, eles fizeram a tatuagem na testa do garoto como forma de punição. O jovem, por sua vez, disse que esbarrou na bicicleta porque estava bêbado, mas que não tinha a intenção de furta-la, e que além da tatuagem, os agressores cortaram o seu cabelo e amarraram suas mãos e pés.
De qualquer forma, em entrevista concedida ao G1, o dono da bicicleta disse que ela estava quebrada e condenou a atitude do tatuador, afirmando que se estivesse no local no momento do sucedido, não teria deixado que acontecesse.
O vídeo também dividiu a opinião pública. Parte das pessoas consideraram a ação do tatuador e de seu cúmplice uma barbárie. Como um bom exemplo, conhecidos do garoto criaram uma “vaquinha” on line com a finalidade de arrecadar fundos para remover a tatuagem. O objetivo foi alcançado.
Por outro lado, tão horrorosas quanto as imagens do vídeo foram as mensagens de pessoas que apoiaram a atitude do tatuador e consideraram importante a iniciativa de “dar uma lição” no adolescente, já que o Poder Judiciário não faz a sua parte.
O ocorrido trouxe à tona o importante debate sobre a possibilidade de se fazer “justiça com as próprias mãos”. A legislação brasileira confere exclusividade ao Poder Judiciário para processar e julgar as ações penais, o que significa que não é permitido que um particular determine se alguém é ou não culpado e, dessa forma, lhe aplique uma pena.
Além disso, o texto constitucional garante um importante princípio denominado “presunção de inocência”, segundo o qual todas as pessoas são consideradas inocentes até que se prove o contrário.
Não é novidade que, mesmo com essa previsão legal, o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking de encarceramento mundial. Dentre a população carcerária brasileira, cerca de 40% são presos provisórios, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Estas prisões provisórias duram um tempo médio que varia entre 172 a 974 dias.
Isso significa que é prática no nosso país que as pessoas sejam encarceradas antes mesmo de seus julgamentos em primeira instância, muitas vezes, por um tempo superior ao que ficariam presas em regime fechado se condenados pelo crime que supostamente cometeram. Não é exagero dizer que no Brasil muitas pessoas começam a cumprir pena antes mesmo de serem condenadas.
Essa constatação desmascara a ideia falaciosa de impunidade do Poder Judiciário brasileiro. Uma breve análise do sistema penitenciário demonstra que as prisões do país estão superlotadas, muitos estão presos pelo suposto cometimento do crime de tráfico de drogas e mais da metade são jovens negros e pobres.
De fato, não temos motivos para confiar no Judiciário. Não porque supostamente é responsável por gerar impunidade, mas porque ele tem uma função evidente, a de promover o encarceramento dos jovens negros, especialmente pelos crimes de tráfico de drogas e contra o patrimônio.
Não é legítimo fazer “justiça” com as próprias mãos. O papel daqueles que lutam pelos direitos humanos é analisar as circunstâncias que envolvem os cometimentos dos crimes, lutar para que as pessoas tenham um julgamento realmente justo – no qual não sejam analisadas a classe social e a raça de cada um -, e combater o encarceramento em massa.
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