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EDITORIAL

Macron venceu. E agora?

Por: Renato Fernandes, de Campinas, SP 

Depois de meses de campanha, as eleições presidenciais francesas chegaram ao fim. Os primeiros resultados deste segundo turno são os esperados pelos mercados financeiros e a grande burguesia: a vitória do candidato de centro Emmanuel Macron, do En Marche, sobre a candidata da Frente Nacional da extrema-direita Marine Le Pen por, aproximadamente, 66% a 34%.

Apesar de esperado, é um resultado que abalou o sistema político francês, após a derrota no primeiro turno dos dois principais partidos políticos, Republicanos (LR) e o Partido Socialista (PS). Isso implicou uma verdadeira reorganização do sistema eleitoral francês. Primeiro, porque emerge o fenômeno do crescimento do centro através da candidatura Macron; segundo, que a candidatura de Mélenchon, da França Insubmissa, obteve uma votação muito superior ao PS; terceiro, a vitória de Le Pen sobre o LR.

Trata-se de uma reorganização, de um rearranjo do sistema político que continuará nas eleições legislativas de junho. Tal como declarou em entrevista na última sexta-feira, Macron tentará obter uma maioria parlamentar para governar através de uma unidade de setores da LR, do PS e do partido centrista Movimento Democrático (MoDem) de François Bayrou.

O pano de fundo desse abalo é a decadência imperialista francesa: fraco crescimento econômico dos últimos anos, taxa de desemprego de aproximadamente 10%, queda da rentabilidade e da presença do capital francês no sistema econômico mundial. Além disso, há também uma perda do protagonismo político francês tanto no cenário mundial, quanto no cenário europeu, com a ascensão do imperialismo alemão.

 A votação
Diferentemente de 2012, quando a eleição de François Hollande representou um alívio e foi considerada uma vitória para os movimentos sociais, dessa vez, há um certo ceticismo em relação a vitória de Macron.

Com a exceção de seu movimento, En Marche, não deve haver grandes comemorações públicas de sua vitória, nem mesmo grandes reuniões “em defesa da República” contra Le Pen. O movimento liderado por Macron tem pouca base social (mesmo no patronato) e, inclusive, parlamentar.

Além disso, esse segundo turno registrou três recordes. O primeiro foi a votação da FN. Lembremos que em 2002, quando então Jean-Marie Le Pen foi ao segundo turno contra Jacques Chirac, ele perdeu a eleição por 82% a 18%. Agora, sua filha, Marine Le Pen, praticamente conseguiu dobrar essa votação ao obter aproximadamente 11 milhões de votos. Trata-se de um claro avanço da extrema-direita: milhões de eleitores votaram por um programa nacionalista, xenófobo e anti-União Europeia.

O segundo recorde está na abstenção eleitoral. É a mais forte desde 1969, com aproximadamente 25,4%. Por fim, o terceiro recorde são os votos em branco ou nulo: 8,6% do total de inscritos a votar. 

O programa de Macron
Macron se reivindica um liberal no campo econômico e no campo político. Suas propostas são uma continuidade da austeridade aplicada pelos presidentes desde a crise de 2008: corte de investimentos, redução de impostos, redução de direitos, entre outras, todas voltadas para aumentar a taxa de exploração do proletariado francês e retomar a tão falada “competitividade” da economia.

Macron já anunciou que vai manter e aprofundar a contrarreforma trabalhista de Hollande – tanto Le Pen, quanto Mélenchon falaram em revogá-la. Essa contrarreforma permitiu que os acordos por empresa modificassem a duração do trabalho ao substituir os acordos coletivos por ramo de trabalho. Atualmente, a jornada semanal na França é de 35 horas, porém a média trabalhada é de 39h semanais (contando as horas extras). Com a nova lei é possível ampliar essa duração em acordos por empresas.

Agora, Macron quer estender esse tipo de acordo por empresa para outros campos dos direitos trabalhistas como salários, condições de trabalho, formação, etc. Isso enfraqueceria o contrato coletivo, afetando os direitos dos trabalhadores e também sua resistência, já que fragmentaria ainda mais as lutas.

Além disso, Macron quer reduzir as representações dos trabalhadores nas empresas, generalizando a fusão dos comitês de higiene, segurança e condições do trabalho (uma espécie de CIPA), com as representações dos trabalhadores nos comitês de empresa. Isso já pode acontecer, de maneira facultativa, desde 2015, em empresas com menos de 300 trabalhadores.

Em relação a política fiscal, Macron tem uma velha receita neoliberal: redução de 120 mil funcionários públicos através de demissões voluntárias, aposentadorias, etc.; manutenção da aposentadoria as 62 anos (reforma de Sarkozy); modificação das condições do seguro desemprego, supressão do regime especial para trabalhadores artesãos e independentes; redução dos impostos sobre os lucros das empresas, passando de 33% para 25%; redução do imposto sobre fortunas para “aqueles que investirem na economia”, entre outras medidas.

O objetivo de todas essas medidas não é outro senão o de continuar a política de austeridade dos últimos anos. Política defendida pela União Europeia para todo o continente.

Em relação à Europa, a tendência é que Macron continue a aliança França-Alemanha na condução das políticas de austeridade. Entre todos os candidatos que disputaram a eleição, possivelmente Macron seja o mais pró-UE. Nesse sentido, muito das suas medidas econômicas tem como objetivo adequar a economia francesa à própria UE, tais como priorizar as compras públicas para as empresas europeias e não somente francesas. Com essa política econômica e a continuidade da aliança com a Alemanha, a tendência é que a trajetória de decadência da França enquanto país imperialista deve continuar.

Por outro lado, com sua política de favorecimento das grandes empresas, Macron deverá enfrentar uma forte oposição social. Não é à toa que até o jornal Le Monde destaca que a continuidade da contrarreforma trabalhista pode enfrentar protestos ainda maiores dos que foram realizados em 2016.

 Eleições legislativas em plena reorganização do sistema político
Como dissemos, no próximo mês haverá eleições legislativas. Com poucas exceções, a tendência das eleições legislativas foi sempre a de dar a maioria de deputados para o partido vencedor das eleições presidenciais. O grande problema de Macron é justamente que ele não tem esse partido. Por isso, será obrigado a se apoiar em um acordo com os grandes partidos para conseguir uma maioria.

Nesse caminho, ele terá uma grande dificuldade que é enfrentar a extrema-direita de Marine Le Pen que já se declarou como a principal força de oposição. Em menor medida, terá que enfrentar também a força da esquerda radical de Mélenchon. A tendência é que ambos disputem a formação de governos de coabitação, quando o poder executivo é governado por um partido e o legislativo por outro. Foi isso que aconteceu entre 1997-2002, no qual o presidente era Jacques Chirac, da direita, e o primeiro-ministro era Lionel Jospin, do PS. A diferença é que agora a disputa é por fora dos partidos tradicionais, o que torna as coisas mais difíceis.

No entanto, após a pulverização dos votos no primeiro turno e com um sistema distrital de eleição que favorece bastante os partidos majoritários, é difícil prever se Le Pen ou Mélenchon conseguirão superar os partidos tradicionais. Será necessário esperar as legislativas para saber as possibilidades que Macron terá para governar e aplicar seu programa neoliberal. Parece que a principal tendência é que, mesmo que consiga formar um governo que o apoie, sua maioria será frágil e enfrentará uma forte oposição parlamentar tanto à direita, quanto à esquerda.

Ao mesmo tempo, a oposição social das ruas contra a continuidade do projeto neoliberal também tende a ser forte e poderá ser o local onde a sorte do governo Macron será decidida.

Foto: AFP