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BRASIL

A guerra contra a UERJ

Por: Felipe Demier e Lia Rocha*, do Rio de Janeiro, RJ
*diretores da Associação dos Docentes da UERJ

Observada em perspectiva histórica, a ofensiva de Thatcher contra os mineiros britânicos evidencia sua dimensão estratégica. Mais do que derrotar economicamente os mineiros, fechando e privatizando minas, Thatcher anelava derrotá-los subjetivamente, atingir lancinantemente seu imo, privando-os, moralmente, de qualquer capacidade de resistência por décadas.

Não se tratava, por suposto, de mera perversidade, e sim de uma espécie de pedagogia da derrota. Ao quebrar a espinha dorsal do movimento sindical britânico, o anúncio dos novos tempos estava dado. A era das concessões e direitos sociais havia de ser superada. Colocando de joelhos um grupo em particular, Thatcher transmitia universalmente o recado aos demais revéis, ainda que o recado fosse justamente o de que o universalismo tinha seus dias contados – “Não existe sociedade, existem indivíduos”.

Guardadas as devidas particularidades, a guerra travada hoje pelo governo estadual fluminense contra a Universidade do Estado do Rio de Janeiro parece encerrar um sentido histórico similar ao do épico conflito britânico. Por conta das vultosas isenções fiscais e da corrupção sem rebuços, o governo estadual encontra-se debilitado financeiramente, e com isso justifica o não pagamento dos salários e bolsas da UERJ, assim como o não repasse para a mesma das verbas de custeio.

No entanto, o anúncio de novas isenções fiscais nos revela que há algo a mais nisso tudo, algo ainda de mais podre no reino das laranjeiras. Em sintonia com o governo federal, os mandatários fluminenses sabem que caberão aos governos estaduais serem sujeitos importantes na aplicação da austeridade. Enquanto Temer e seus asseclas não muito austeros direcionam suas armas de longo alcance contra a previdência social e os direitos trabalhistas, Pezão e seu lumpem-secretariado executam uma asfixia aos servidores do estado, fazendo esboroar os últimos simulacros de saúde, educação e segurança públicas.

Todos eles sabem que a derrota da UERJ deve ser pedagógica, que a universidade não deve ser apenas derrotada, mas deve humilhadamente morrer, transmitindo, assim, a chegada dos novos tempos, quando salários em dia, aulas regulares, pesquisa, extensão e pensamento crítico só terão lugar no museu da humanidade.

Assim, um governo decrépito tenta impor ao Rio de Janeiro uma nova normalidade, cujo conteúdo, paradoxalmente, se efetiva a partir do descumprimento das próprias normas. Secretários de Ciência e Tecnologia, virgens de letras porém nada vestais, se sucedem na tarefa de dar cabo da ciência e tecnologia.

Se, mesmo sucateada por décadas, a UERJ insistia em sobreviver, formando gerações de profissionais, ela agora deve ser finalmente extinta para que, morta, esteja finalmente adequada a uma era de desemprego e escassez de direitos. Tudo o que já não era sólido deve se desmanchar no ar. A derrota da universidade deve servir de exemplo universal, avisando a todos que o tempo dos direitos universais tem seus dias contados. Mas a UERJ resiste.