Em 26 de Abril de 1937 em meio a guerra civil espanhola a pequena cidade de Guernica no País Basco foi alvo de um imenso bombardeio. O bombardeio foi realizado pela Legião Condor – grupo aéreo especial da aviação nazista – em acordo com o governo nacionalista espanhol de Franco e a Legião de Aviação Fascista Italiana (em tradução livre) de Mussolini. O ataque foi uma variante aérea da tática conhecida como Blitzkrieg. A ação conhecida como Blitzkrieg ainda estava sendo pensada e desenvolvida e foi testada pela primeira vez na Guerra Civil Espanhola, mas seria largamente utilizada pelas forças armadas nazistas durante a 2ª Guerra Mundial.
O bombardeio nazista em Guernica despejou entre 40 e 50 toneladas de bombas com alto conteúdo explosivo e incendiário numa ação que recebeu o nome de “Operação Rugen” e levou a destruição da cidade que contava com 5 ou 7 mil habitantes. Até hoje pairam dúvidas sobre quantos mortos. O Governo Basco reportou na época 1654, em sua maioria civis. O massacre ganharia repercussão mundial e hoje é muito lembrado em razão da obra Guernica, homenagem do pintor Pablo Picasso às vítimas.
Por que Hitler, Franco e Mussolini bombardearam Guernica?
Há duas hipóteses. A primeira sustentada por exemplo pelo professor norte americano James Corum da Escola Aérea de Guerra das Forças Armadas dos EUA (1). Ele afirma que “Guernica tinha uma ponte e uma importante rodovia que era vital para a movimentação dos mais de 23 batalhões bascos localizados à leste de Guernica e próximas de Bilbao.” Para ele o ataque de Guernica tinha um cunho essencialmente militar. A outra hipótese é que fosse uma ação de propaganda de guerra já que 50 toneladas de explosivos numa cidade de pouco mais de 5 mil habitantes é algo desproporcional. E Franco queria e precisava de uma solução rápida para tomar o governo da região e desencorajar o povo basco.
O ataque poderia ser também uma combinação das duas hipóteses , difícil saber. De qualquer forma, o episódio foi amplamente utilizado pelo governo nazista alemão como propaganda de sua superioridade militar e da vitória eminente de Franco e do fascismo contra o que chamava de marxismo (incluindo aí todos os opositores ao fascismo espanhol, não só os marxistas). O então chefe da força aérea nazista Hermann Göring anos mais tarde durante os processos de Nuremberg afirmaria (2)
“Eu tentei convencer ele (Adolf Hitler) de apoiar Franco sob quaisquer circunstâncias. Em primeiro lugar para prevenir a propagação do comunismo naquela região. Depois para testar minha jovem Luftwaffe (Força Aérea Nazista) nessa oportunidade”.
Propaganda na guerra
A questão da propaganda é decisiva na luta de classes. E não diminui quando a luta de classes ganha contornos militares. Foi o general prussiano Carl von Clausewitz que formulou a célebre frase apropriada pelo marxismo revolucionário “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Trata-se de combinar ações militares com ações de propaganda, estimulando o medo ou mesmo a coragem dos soldados em romper com seus chefes nas forças inimigas e aumentando a moral das tropas aliadas. Em resumo, mesmo em condições de enfrentamento militar segue necessário investir muita energia em explicar, persuadir, convencer. Essa é uma lição muita válida para os dias atuais aqui no Brasil, em que mesmo sem enfrentamento militar uma parte abundante da esquerda investe pouco ou nada de seu tempo e energia militante buscando explicar e convencer a classe trabalhadora.
O recentes ataques de Trump no Oriente Médio reacendem as discussões sobre a intervenção imperialista na região. Uma parte da discussão é qual o real objetivo de Trump. No dia 6 de abril foram 59 mísseis lançados contra uma base militar na Síria. Este ataque matou 6 ou 7 pessoas, mas deixou a pista de pouso e vários aviões intactos. No dia 13 de abril os EUA lançaram pela primeira vez a MOAB apelidada de Mãe de Todas as Bombas. Com 10 toneladas é o explosivo não nuclear mais poderoso dos EUA. Atingiu o leste do Afeganistão matando segundo o governo norte-americano 36 membros do Estado Islâmico.
Parece existir uma desproporção entre o tamanho dos ataques e os resultados militares. Se afastarmos a possibilidade dos yankees quererem causar um estrago maior mas que tiveram fracasso, podemos talvez pensar que essas duas ações militares tenham cunho essencialmente de propaganda. O governo Trump enviando uma mensagem ao mundo, sobretudo à Coreia do Norte, China e Rússia de que está disposto a ir muito mais longe do que Obama. E que os EUA seguem sendo a maior potência militar do planeta. É também uma forma de erguer sua influência dentro dos EUA encurralando os opositores democratas e até republicanos, que apoiaram suas ações. Trump até então era o governo mais impopular em início de mandato da história dos EUA. E também importante é servir como lobista das empresas norte americanas no mercado mundial bélico. As ações das empresas de equipamentos militares subiram na bolsa de valores após os ataques na Síria e Afeganistão.
Lembrar Guernica
Lembramos Guernica para não esquecer dos massacrados, mortos e mutilados. Lembramos Guernica para lembrar do que a burguesia é capaz de fazer para salvar o capitalismo. Nas horas decisivas não há meias medidas. Não importa a lei. Não importa o que diz a Constituição, o Judiciário, o Parlamento e o Executivo. Se for preciso e a burguesia conseguir, ela passa como um trator pela democracia eleitoral. Lembramos Guernica porque não temos o privilégio de abdicar da violência para derrotar o capitalismo. A burguesia avançará sobre nós com tanques e aviões. E nós teremos de responder.
1 – Corum, James S. «Inflated by Air Common Perceptions of Civilian Casualties from Bombing (.pdf)» (PDF). Thesis. Maxwell Air Force Base, Alabama: Air War College. Air University. p. 10. Consultado em 15 de abril de 2017.
2 – See Testimony of Göring, Trial of the Major War Criminals, International Military Tribunal, Nuremberg, November 14, – October 1, 1946, Volume IX. Available via Avalon Project. NOTE: Frequently misquoted along the lines of: “The Spanish Civil War gave me an opportunity to put my young air force to the test, and a means for my men to gain experience.” or other permutations.
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