Por Vicente Marconi, Londres/Inglaterra
O Reino Unido vive um momento crucial. Em 13 de março de 2017, ambas as câmaras do Parlamento do Reino Unido rejeitaram emendas que poderiam prolongar o processo de retirada do país do bloco, permitindo assim que a primeira-ministra Theresa May a denuncie formalmente o Tratado da União Europeia e inicie as negociações. No dia 29, ela acionou o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, quando o Embaixador britânico, Tim Barrow, entregou uma carta comunicando, formalmente a decisão ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk.
Entretanto, até sua efetivação, há ainda há um longo caminho a percorrer. Até 2019 ocorrerão às negociações que deverão redesenhar o modelo econômico do país. Hoje por hoje, parece ser evidente que o governo não tem qualquer controle sobre esse processo. A começar internamente, desde o ponto de vista dos interesses das diferentes frações das classes dominantes. Tampouco externamente, desde o ponto de vista dos demais governos europeus. Hard ou soft Brexit? Não está nítido.
O cenário externo não ajuda a fazer previsões. Trump se estabiliza, cai ou capitula? A extrema direita xenófoba ganha espaço na Europa, especialmente na França e Alemanha, ou será derrotada como na Holanda? Como ficam Putin e seus aliados na Turquia e região. Enfim, são muitos os eteceteras. Com a indefinição do cenário geopolítico seria um erro desde já caracterizar que caminho pode ser tomado como “naturalmente o mais provável”.
As questões nacionais ganham peso na Escócia e, em menor escala, mas nem por isso menos importante, na Irlanda do Norte. No dia 28 de março, o parlamento escocês ignorou a negativa de Theresa May e aprovou um novo referendo pela independência para daqui em (até) dois anos. Tal referendo ainda precisa ser aprovado pelo governo central, mas todos os analistas consideram muito provável que aconteça, principalmente se o país caminhar para um hard Brexit.
A Irlanda do Norte ainda não conseguiu montar um novo governo local após a recente eleição em que os republicanos do Sinn Fein (SF) obtiveram um resutado bem acima do esperado. O discurso nacionalista irlandês vem ganhando muito espaço e se radicalizando. A morte de McGuiness, líder histórico do IRA e do SF, há poucos dias jogou ainda mais lenha na fogueira.
O recente atentado em frente ao Parlamento britânico não chegou a produzir uma alteração na conjuntura. Embora tenha impactado bastante o país, mas não teve o temido efeito de recrudescer a xenofobia ou mesmo um deslocamento da opinião pública nesse sentido. A identificação do terrorista, um indivíduo nascido e criado no país, sem vínculos reais com a comunidade muçulmana, ajudou para que se produzisse esse resultado. Dias após o ataque, o próprio Nigel Farage, principal dirigente do UKIP (Partido de Independência do Reino Unido), reconheceu que não fazia sentido ligar diretamente o atentado à imigração.
Já a questão dos cortes referentes aos programas de austeridade está começando a alterar cada vez mais na opinião pública. A crise do NHS (sistema de saúde) é assunto de todos os jornais, principalmente depois da grande marcha do início desse mês .
Também está vindo à tona o problema dos cortes na educação. O governo foi obrigado a recuar em alguns pontos, não centrais, mas importantes, que havia proposto no orçamento do trimestre sobre assistência social e alterações tributárias. Hoje é muito comum se ouvir falar em “cortes”. As pessoas já identificam isso como produto de uma política do governo e não mais como um dos problemas relativos à imigração, tal como era antes do referendo do Brexit.
A retomada das lutas
É verdade que ainda não existe um grande ascenso nas lutas sociais britânicas, mas o número de greves e mobilizações vêm aumentando, depois de um período de alguns anos de baixa. Ultimamente, os trabalhadores de transporte têm sido a vanguarda, especificamente os ferroviários e metroviários. Neste momento mais greves estão agendadas para abril.
Em uma das linhas de trem, o sindicato local fechou um acordo com a empresa, mas a categoria votou contra e manteve a greve. Um fato interessante é o apoio da população a essas greves. Foi o que se viu na greve dos médicos e muito mais nas últimas greves de transportes que obviamente impactou muito mais a população. Londres, sem algumas linhas de trem ou metrô, vira um caos. Ou seja, a quantidade de lutas ainda é insuficiente para colocar o governo na defensiva, mas a dinâmica é a de crescimento e moralização mesmo que em um marco defensivo, de resistência.
Nos três primeiros meses de 2017, o país já viu duas grandes manifestações e pelo menos outras três também muito grandes. As principais, com mais de 100 mil, a Marcha das Mulheres na posse de Trump, no fim de janeiro, e a marcha em defesa do NHS no início de março, respectivamente, tiveram um impacto nacional. O interessante, no entanto, é a diversidade na composição social destas manifestações. A primeira, organizada por muitos setores médios e, a segunda, com um caráter mais classista, com sindicatos e categorias inteiras uniformizadas. Ambas tiveram um forte caráter anti-austeridade e contra as políticas xenófobas e de opressão. Obviamente, o alvo foi o governo de Theresa May. A verdade é que há tempos Londres não via manifestações dessa natureza.
Assim, além das divisões dos de cima, os de baixo começam a erguer. Realmente, seria uma aventura predizer o destino do Brexit. Não só a Grã-Bretanha, mas todo Reino Unido entrou em cheio num período de turbulência.
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