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CULTURA

Kurt Cobain não era um ‘rebelde sem causa’

Po Ademar Loureno, de Brasília-DF

O líder do Nirvana era um militante anti-homofobia e tinha uma visão de mundo

Se estivesse vivo, Kurt Cobain estaria decepcionado com a geração que o teve como porta voz. Vários adolescentes que escutaram Nirvana nos anos 90 hoje são os senhores de meia idade que gostam de Donald Trump nos Estados Unidos e Bolsonaro no Brasil. O que aconteceu? Hoje Kurt teria 50 anos e quem sabe ajudaria a responder. Mas infelizmente, há exatos 23 anos, ele preferiu dar fim à própria vida.

Foi no dia 05 de abril de 1994, quando Kurt Cobain deu um tiro na própria cabeça, que uma violenta onda musical teve fim. O álbum “Nevermind”, de 1991, teria uma venda considerada boa se chegasse à 400 mil cópias. Mas chegou a 8,5 milhões só nos Estados Unidos. Em janeiro de 1992, vendia mais que “Dangerous”, de Micheal Jackson. Seria o mesmo que uma banda de rock pesado hoje fazer mais sucesso que Juntin Bieber.

Na década de 80, o rock “ostentação” fazia muito sucesso. Eram bandas que abusavam da maquiagem, das guitarras estilizadas e dos efeitos especiais no palco. Isto tudo estava cansando. Veio o Nirvana, com sua simplicidade e fúria honesta dar outro caminho ao rock. E isto virou um fenômeno que tomou o mundo de assalto.

Na virada de 1991 para 1992 acontecia outro fenômeno: a União Soviética foi extinta e uma nova era para a humanidade tinha seu início. A música do Nirvana foi, inconscientemente, a trilha sonora deste processo. E suas músicas foram proféticas em relação à etapa histórica que se abria. Elas falavam sobre falta de perspectivas, ausência de referências, dor existencial, ódio e caos. Os últimos 25 anos parecem uma letra de música escrita por Kurt Cobain.

Muito mais que um “astro do rock”

Mas Nirvana não era apenas niilismo. Em 1992, a banda tocou em um festival no Oregon organizado contra uma lei que proibia a discussão sobre homossexualidade nas escolas. Kurt dizia: “não sou gay, mas gostaria de ser só para irritar os homofóbicos”. Era a década de 90, quando a discussão ainda não era tão aberta e o estigma da Aids fortalecia o conservadorismo. Kurt Cobain também ajudou a divulgar bandas feministas e se envolveu em uma campanha em defesa do direito da mulher de interromper a gravidez.

Claro que isso é pouco divulgado. O Kurt Cobain que “vende” é o jovem drogado e rebelde sem causa, que entrou para o sinistro clube de artistas que morreram aos 27 anos. Kurt Cobain na verdade foi um filho de uma família operária que tinha hiperatividade e foi erroneamente tratado com medicamentos “tarja preta”. Era viciado desde criança. Só chegou na heroína nos últimos quatro anos de sua vida.

Kurt Cobain contestava a sociedade em que vivia. Contestava a hipocrisia, o machismo e a homofobia. Contestava o consumismo. O nome de sua música de maior sucesso, “Smells Like Teen Spirit”, era uma ironia com uma marca de desodorantes. A capa do disco Nevermind fazia graça com a busca irracional pelo dinheiro. Kurt ia a seus shows com camisetas de bandas menos conhecidas e ajudava a divulga-las. Foi o Nirvana que impulsionou o sucesso do movimento grunge, com bandas como Peral Jam e Alice in Chains. Esse lado do líder do Nirvana foi pouco entendido, até mesmo por alguns fãs.

Se estivesse vivo, Kurt com certeza estaria na luta contra Donald Trump e a ideologia de ódio que toma conta do mundo ocidental. Bateria de frente com antigos fãs, aqueles adolescentes cheios de fúria e inquietação que se frustraram com a vida e viraram poços de ódio e ressentimento. Como uma banda como Nirvana faz falta hoje em dia.