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OPRESSÕES

O que Sharpeville, na África do Sul, e o Brasil ainda têm em comum depois de quase 60 anos?

DM2001060405:SAED:POLITICS:OCT1960 – Five Months Nightmare – Sharpeville how it began. After the people&aposs protest; after the Sharpville killings; after 20 000 people had been detained; the goverment closed another in our countries history. There was to be no change. Apartheid and baaskap was here to stay. Two grief stricken young women being taken home after the one in the middle had viewed her husband&aposs body twister into a lifeless bulk by police gun-fire, opposite the Sharpeville police station. (Photograph by Peter Magubane, Ian Berry, G.R.Naidoo and W. Calder BAHA)

Por Iris Rodrigues, de Recife, PE

21 de março: Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial

21 de março de 1960, segunda-feira, subúrbio de Sharpeville, província de Gauteng, Africa do Sul. Ocorria, neste dia, um protesto pacífico organizado pelo PAC Congresso Pan-Africano contra a “Lei do Passe”, documento semelhante a um passaporte no qual constavam sua cor, etnia, profissão, situação na receita federal e que limitava o acesso aos bairros brancos da cidade. Não se podia sair de casa sem esse passe, tinha-se de carregá-los sempre e apresentá-los às autoridades sempre que solicitado. Caso não apresentassem o passe, eram sumariamente apreendidos.

Neste período, a África do Sul vivia sob o regime do Apartheid (regime de segregação racial), e a Lei do Passe concedia à polícia o direito de prender quem fosse flagrado na rua sem a caderneta de identificação. A mesma Lei do Passe, antes, controlava os escravos. Com a instauração do regime de apartheid, passou a ser instrumento do governo contra os negros.

No dia indicado para o protesto pacifico, os africanos aderiram em massa. A orientação do PAC era que toda população deveria deixar os passes em casa e comparecer às delegacias voluntariamente para se entregarem para ser presos. A ideia era superlotar as prisões e causar um colapso no país por ausência de mão-de-obra.

Na ocasião compareceram por volta de 20 mil pessoas às portas do Distrito Policial de Sharpeville. Os cerca de 20 soldados presentes, no ímpeto de conter a multidão, abriram fogo sem nenhum aviso prévio. Manifestantes foram recebidos com rajadas de metralhadoras. Corpos caíam a esmo, enquanto a multidão tentava se proteger como podia. Os soldados continuaram atirando covardemente pelas costas dos manifestantes. Ao fim de alguns minutos tinha-se o saldo de 69 mortos e cerca de 180 feridos, incluindo mulheres e crianças.

O massacre antecedeu uma sequência de manifestações pelo país e detonou uma guerra entre população civil e o Estado. Três dias depois, o governo baniu qualquer aglomeração pública em toda a África do Sul. Nenhum dos policiais foi condenado pelos crimes. Muito pouco mudou para os negros no período seguinte ao massacre, a caderneta continuou a existir, e só foi oficialmente extinta em 1986 e definitivamente substituída pela carteira de identidade, pelos idos dos anos 90.

Esta tragédia ficou mundialmente conhecida como o Massacre de Sharpeville, e abriu os olhos do mundo para o regime segregacionista, cruel e racista que vivia a África do Sul. Por este motivo, desde 1976, o 21 de março é Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial em memória das vitimas de Sharpeville.

As mesmas balas de Sharpeville ainda abatem os nossos jovens negros, aqui mesmo em nosso país e nos dias atuais.

Em nosso estado, na cidade de Itambé/PE, na ultima sexta-feira, 17 de março de 2017, o jovem Edvaldo Alves, de 20 anos, foi baleado pela PM durante uma manifestação – pasmem – contra a violência alarmante e crescente em que Pernambuco está mergulhado. Além de ser covardemente alvejado, o jovem ainda foi agredido, arrastado e jogado na carroceria da caminhonete da PM. Caso este que nos remete a outro bem emblemático de violência policial, o de Cláudia Ferreira, também baleada pela policia, jogada na mala da viatura e arrastada pelo asfalto da cidade do Rio de janeiro.

Podemos continuar citando casos infinitamente: Amarildo, Candelária, Diadema, os jovens do Cabula em Salvador/BA, o menino Mário do Ibura/Recife, Matheus do Vasco, Samambaia, Douglas (DG) – a lista é enorme. As mesmas balas racistas que massacraram Sharpeville 57 anos atrás, ainda nos matam e exterminam a vida de nossos jovens negros aqui, em Baltimore, em Ferguson, na África e em vários lugares do mundo.

Além disso, o 21 de março de 2017 no Brasil, é ainda, um dia marcado por outro massacre para a classe trabalhadora, principalmente, o povo negro. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), põe em votação hoje um projeto que libera a terceirização em todos os setores das empresas. Terceirização tem raça e gênero: as mulheres negras são a maioria dos que trabalham sob este regime. Além de ser um ataque aos direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora, a terceirização representa um retrocesso sem precedentes nos nossos direitos.

Os setores oprimidos, principalmente negros e negras, já são os principais afetados pelas precárias condições de trabalho e de vida. Esse projeto só tende a piorar ainda mais essas desigualdades e aumentar a exploração da população negra.

Por essas razões, o massacre ocorrido em Sharpeville ainda nos é muito presente. E, neste sentido, para nós, combater a discriminação racial, ainda muito presente em nossas vidas, é imperioso e urgente. Ainda temos um longo caminho a percorrer – ainda vivemos um apartheid disfarçado de democracia burguesa todos os dias. Temos a impressão de que a luta contra o racismo ainda não superou o 21 de março de 1960. Que esta data nos sirva para reafirmar a esperança na luta do combate a toda forma de racismo. Reiteramos ainda que não tem como combater o racismo sem o combate sistemático do capitalismo, uma vez que, a destruição do capitalismo é fundamental para a superação do racismo. A luta diária contra todas as expressões do racismo precisa estar combinada à estratégia classista de derrubada do sistema capitalista e de seus governos, que nos impõem desigualdades através da exploração e opressão.

Como bem afirmou Malcom X, Não há capitalismo sem racismo.
Vidas negras importam!

Registro da CBS sobre o Massacre de Sharpeville: https://www.youtube.com/watch?v=n2EvZ8cYcC8⁠⁠⁠⁠

Imagem: Peter Magubane / Bailey’s African History Archive