Pular para o conteúdo
EDITORIAL

Holanda: crise diplomática com a Turquia às vésperas das eleições alimenta a xenofobia anti-turca e esquenta clima político

Por: Victor Wolfgang Kemel Amal, de Florianópolis, SC

As eleições da Holanda, uma das mais decisivas do ano na Europa, estão próximas. No dia 15 de março a população irá escolher seus representantes no parlamento e, por consequência, seu primeiro ministro. Pela primeira vez na história, é possível que a extrema direita nacionalista e islamofóbica obtenha maioria relativa na Câmara, através do Partido da Liberdade (PVV) dirigido por Geert Wilders.

Para esquentar ainda mais o clima político no país, há apenas uma semana da votação, um incidente diplomático de grandes proporções ocorre entre o governo holandês e a Turquia: neste sábado, o chanceler turco Mevlut Cavusoglu e a ministra de Família e Assuntos Sociais,  Fatma Betul Sayan Kaya, foram impedidos de embarcar em um voo para Roterdã sob o pretexto de “risco à ordem e segurança pública”.

O chanceler estava visitando o país para falar sobre o referendo constitucional bonapartista que Erdogan marcou para o dia 16 de abril e que contará com a participação dos turcos de toda Europa, inclusive daqueles na Holanda. A ministra tentou chegar de carro até a representação diplomática em Rotterdam, mas foi barrado a metros desta e escoltada para fora do país.

O presidente turco Recep Tayyip Erdogan, que desde a repressão aos protestos de 2013 na praça Taksim vem se mostrando um verdadeiro ditador, quer ampliar ainda mais seus próprios poderes no referendo constitucional de abril. Desde a tentativa de golpe contra seu governo em 2016, o atual presidente vem endurecendo o regime de forma avassaladora, prendendo políticos, jornalistas, intelectuais, acadêmicos e atacando especialmente a minoria curda de 18 milhões de pessoas.

O referendo faz parte do movimento de cerceamento às liberdades democráticas que ocorre atualmente no país. A União Europeia (UE), que na retórica se coloca contra o autoritarismo de Erdogan, na prática pouco fez para detê-lo. A verdade é que a UE está de mãos atadas nesta questão, pois existe um acordo sangrento entre o bloco e a Turquia para que este país proíba os seus 2 milhões de refugiados sírios que habitam em verdadeiros campos de concentração de adentrarem no continente europeu, em troca de 6 bilhões de euros até o final de 2018.

Esta crise diplomática entre Holanda e Turquia se soma às outras ocorridas também com a Alemanha, Suíça e Áustria quando estes proibiram comícios organizados pelos consulados turcos em defesa das reformas constitucionais. Isto é relevante pois houve uma grande diáspora turca após a Segunda Guerra Mundial quando milhões migraram para a Europa ocidental (apenas na Holanda são 400 mil e na Alemanha 1,4 milhões), e Erdogan quer garantir estes votos no referendo. Em um pronunciamento na capital Istambul, o presidente falou que esta proibição imposta pela UE não difere das “práticas nazistas”, e que Roterdã é hoje a “capital do fascismo”.

Agora com a proibição da entrada do chanceler Cavusoglu e de ministros do governo na Holanda, que vai além da proibição dos comícios, Erdogan pediu que as organizações ocidentais imponham sanções contra o país. Já o premiê holandês, Mark Rutte, afirmou que deseja distensionar as relações com a Turquia, embora não se desculpe pelo ocorrido, e que não irá permitir a entrada do chanceler turco sob a ameaça de sanções.

O primeiro ministro dinamarquês, Lars Rasmussen, que teria uma reunião bilateral com o representante turco, decidiu adiar o encontro devido à crise diplomática com a Holanda. Protestos contra a restrição à entrada do chanceler e da ministra turcos marcaram o final de semana em ambos os países envolvidos na crise. Manifestantes cercaram a embaixada holandesa em Ankara, capital turca, e no consulado turco em Roterdã, onde ocorreria o comício de Cavusoglu.

Ainda que, de fato, a Turquia esteja passando por um processo evidente e perigosíssimo de bonapartização, uma onda xenofóbica anti-turca ganha força na Europa e está sendo aproveitada pelos partidos nacionalistas e islamofóbicos de todo o continente. Na Holanda, o candidato de extrema direita a primeiro ministro, Geert Wilders, afirmou que todos os turcos que apoiam Erdogan deveriam “ir embora e nunca mais voltar”, e que a Turquia jamais será europeia. Frente aos protestos da população turca em Roterdã, Wilders disse que se tratava da “quinta coluna” holandesa e que a dupla-nacionalidade deveria acabar.

Eleições holandesas: atenção redobrada na Europa
Em meio à delicada crise diplomática, os holandeses irão às urnas nesta quarta-feira (15) para eleger a nova composição do parlamento, que em 3 meses terá de formar uma coalizão com a maioria necessário para governar. Envolvido no contexto europeu de ascensão do populismo nacionalista e islamofóbico, existe o perigo de o partido de extrema direita PVV obter o maior número de parlamentares na câmara. Este fenômeno não é diferente do que acontece na França, com a liderança de Marine LePen nas presidenciais (mesmo que apenas no primeiro turno); na Alemanha com o fortalecimento do Alternativa para a Alemanha (AfD); dos governo de ultra direita islamofóbica na Polônia (Andrej Duda) e na Hungria (Viktor Orbán); entre outros.         

O Partido pela Liberdade (PVV), de Wilders, tem um programa islamofóbico de extrema direita, que consiste na interdição do recebimento de imigrantes muçulmanos; fechamento das mesquitas; proibição do uso da burka e prisão preventiva de “suspeitos” de terrorismo. Além disso, o partido defende um plebiscito para decidir a permanência ou não da Holanda na UE, como foi a campanha pelo Brexit. Na área econômica o programa do partido não difere significativamente do programa liberal e de austeridade do atual governo.

Já o atual governo, que é formado por uma coalizão da centro direita VVD (Partido Popular pela Liberdade e a Democracia) com a centro esquerda (Partido Trabalhista), chefiada pelo direitista Mark Rutt, tem a maioria na Câmara hà dois mandatos e agora busca o terceiro. Seu programa é mais liberal que o do PVV no que toca à questão dos refugiados, direitos das mulheres e dos LGBTs, mas ainda é defensor do imperialismo da OTAN e da União Europeia que permite a permanência de milhões de refugiados sírios em campos de concentração na Turquia, Grécia e Itália.

Na recente crise diplomática com a Turquia, Wilders afirmou que o premiê Rutte apenas decidiu por não permitir a entrada de Cavusoglu por pressão parlamentar de seu partido, o PVV. E de certa forma ele está certo. Essa restrição imposta pelo governo foi uma tática do premiê para dialogar às vésperas das eleições com a base de extrema direita que orbita em torno de Wilders. O fato é que a mera ascensão de Wilders, mesmo não ganhando, empurrou a própria coalisão de centro direita-esquerda para o lado mais direitista.

Desde o aumento dos atentados terroristas na Europa, na contramão das necessidades mais elementares para solucionar a crise dos refugiados, o governo holandês ampliou as restrições aos que refugiados que pedem asilo e diminui o tempo de abrigo daqueles que tiveram seu pedido negado. Recentemente, o próprio Rutte afirmou que se os muçulmanos que vivem na Holanda não se adaptarem ao estilo de vida europeu eles devem retornar à seus países de origem.

Esta “direitização do centro” ocasionada pelas ascensão da extrema direita também atinge a Alemanha, onde a Angela Merkel passou a defender a proibição do uso da burka, assim como em outros países.

Apesar de Wilders ter liderado as intenções de votos nos últimos meses, as últimas pesquisas feitas em março vêm apontando que Rutte ultrapassou o PVV. Segundo pesquisa da Ipsos, Rutte conta agora com 26% das intenções de voto, enquanto Wilders conta com 23%. Importante notar que, mesmo se a extrema direita obtiver o maior número de cadeiras, isso não significa que ela irá liderar o novo governo.

Nenhum partido, até agora, afirmou que iria compor uma possível coalisão com o PVV, nem o VDD de Rutte. Existem cerca de 15 partidos disputando as 150 cadeiras do parlamento holandês e a necessidade de coalizão é inevitável para haver uma maioria, pois do contrário seria necessário haver maioria de 50% + 1 dos parlamentares no mesmo partido, realidade distante para qualquer um dos competidores destas eleições. Ou seja, a maior probabilidade é que Rutte obtenha um terceiro mandato a partir de uma coalisão de unidade contra Wilders.

As eleições serão nesta quarta-feira, e é necessário que os trabalhadores e a juventude holandesa se coloquem contra o avanço do racismo e da xenofobia islamofóbica. Ainda que um possível governo Wilders significasse um retrocesso das liberdades democráticas até agora não visto no continente europeu, mesmo um terceiro governo Rutte implicaria a manutenção e avanço da direitização e do cerceamento dos direitos dos imigrantes e das minorias políticas na Holanda. Urge um polo de classe continental para combater tanto a xenofobia quanto a austeridade.