Uma nota sobre a burguesia brasileira

Por: Glória Trogo

No Brasil, assim como em todos os países da periferia do sistema capitalista, a estrutura de classes se desenvolveu numa articulação entre atraso e modernização. A economia brasileira e sua localização subalterna na divisão internacional do trabalho sempre foi a outra face do moderno capitalismo avançado dos países centrais.

Para as burguesias da periferia do sistema, apenas uma posição foi possível ao longo de toda a fase avançada do capitalismo, ou se preferirmos, do século XX. O Brasil não conheceu uma burguesia revolucionária e contestadora da velha ordem. Como afirma o documento de 1931 dos trotskistas que nos antecederam: “Nos países novos, diretamente subordinados ao imperialismo, a burguesia nacional, ao aparecer na arena histórica, já era velha e reacionária, com ideais democráticos corruptos.”1 Não houve choque entre a burguesia agroexportadora e o nascimento da indústria. O capitalismo se desenvolveu apoiado no latifúndio, a burguesia brasileira nasceu no campo, não na cidade.2 Formou-se como classe nacional a partir de frações oligárquicas regionais, ao longo do século XIX foi se articulando em torno do eixo São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais. Mas pelo menos desde os anos 30 a fração paulista assumiu a liderança sabendo fazer concessões e negociações.

Essa combinação entre o atraso e o moderno deu-se a nível mundial (entre o centro e a periferia) e, também, a nível nacional, entre o campo e a indústria. No caso brasileiro esta combinação produziu um país complexo, um híbrido. O Brasil tem um poderoso parque industrial de propriedade das grandes transnacionais, e ao mesmo tempo grandes grupos privados nacionais controlam os bancos, o agronegócio, a indústria de alimentos, as construtoras e a mineração, todos em associação subordinada ao imperialismo.

A burguesia brasileira soube ocupar bem o seu lugar de sócia menor. A subordinação perante o capital internacional, a covardia diante das inúmeras tarefas nacionais inconclusas e, ao mesmo tempo, a força perante o proletariado e as classes populares são as suas marcas fundamentais. Não se pode confundir essa covardia com fraqueza. Nos seus quatro séculos de história3 a burguesia brasileira demonstrou enorme habilidade perante os conflitos. Aprendeu que algumas vezes é preciso: “mudar tudo, para que tudo fique como está.” Adaptou-se quando necessário, combinou a habilidade política com as velhas relações de “compadrio”. A indicação pessoal e o favorecimento deste ou aquele contrato, desta ou aquela pessoa por interesses estritamente pessoais, por vezes familiares segue tendo muito peso nas relações dos empresários entre si, dos proprietários com os seus gerentes e gestores e, de todos eles, com o Estado. É inegável, no entanto, que no período recente, especialmente depois da obrigatoriedade do concurso público, formou-se um corpo técnico qualificado, em sua imensa maioria, defensores da meritocracia.

Este texto tem objetivos modestos, pretendemos reunir aqui os principais dados sobre a estrutura de classes do Brasil que permitam um pontapé inicial para a elaboração do programa para a revolução brasileira. Apresentamos a seguir os resultados de um estudo inicial feito na Comissão de Programa do MAIS.

Os grandes proprietários brasileiros: poucos, muito ricos e intensamente articulados

O marxismo não define as classes sociais pelo critério de renda (quanto ganham), mas pelo papel que cada classe ocupa no modo de produção capitalista. O conceito de classe é, portanto, social. Depreende-se da forma como determinado grupo de pessoas relaciona-se com o processo de produção. Neste sentido Engels definiu a burguesia como: “a classe dos grandes capitalistas que, em todos os países civilizados, estão quase exclusivamente na posse de todos os meios de existência, das matérias-primas e dos instrumentos (máquinas, fábricas) necessários para a produção dos meios de existência.”4.

Nosso objetivo aqui não é fazer um debate teórico sobre o conceito de burguesia, mas nos aproximarmos, em termos concretos, dados e análises, objetivas e subjetivas do que é a burguesia no Brasil hoje. Neste texto vamos considerar como burgueses toda a classe dos proprietários, incluindo, também, os executivos, pela função de controle e gestão que cumprem em toda empresa capitalista moderna. Os supervisores e gerentes serão considerados parte dos estratos mais altos da moderna classe média, que pelo seu modo de vida e sua relação com a produção são aliados naturais burguesia.

Duas dificuldades importantes atravessaram toda esta análise. Em primeiro lugar, a grande maioria dos dados disponíveis fala somente em renda. Temos, portanto, que inferir a partir daí as relações de propriedade. O que é sempre uma aproximação, e não permite quantificar, precisamente, os burgueses residentes no Brasil. A outra dificuldade é que, mesmo os critérios de renda divulgados, estão em geral distorcidos, já que as parcelas mais abastadas da população, os mais ricos, tendem a ser subestimados em pesquisas com a PNAD ou a POF. No Brasil, a primeira divulgação dados da Receita Federal sobre distribuição pessoal da renda, onde poderíamos mapear com mais nitidez os super-ricos foi feita em 2016, e ainda é muito incompleta. Feitas essas considerações tentaremos neste tópico sistematizar um pouco do perfil, modo de vida e peso social da burguesia brasileira.

As aproximações que podemos fazer pelos dados divulgados indicam que os grandes capitalistas brasileiros são muito poucos. Em 2015, segundo a Receita Federal, os brasileiros que declararam estar na faixa de rendimento acima de 20 salários mínimos mensais foram pouco mais dois milhões de brasileiros.5 Se adotarmos um critério mais restrito somando apenas os que tiveram rendimentos acima de 40 salários mínimos teremos 726.725 pessoas. A concentração de renda é brutal, 8,4% dos declarantes possuem 59,4 % do total de bens e direitos líquidos. Considerando que os declarantes são 26,5 milhões de pessoas, os dados mostram que pouco mais de 2 milhões de brasileiros possuem 59,4 % do total de bens declarados.6

Um estudo feito por Marc Morgan Milá sob orientação de Tomas Piketty na Universidade de Paris analisou a concentração de riqueza no Brasil de 1933 até 2013, como conclusão este trabalho publicou os seguintes dados:

  • 10 % mais ricos: renda mensal superior a R$ 4.191,88,

  • 5% mais ricos: renda mensal superior a R$ 7.536,61,

  • 1% mais ricos: renda mensal superior a R$ 23.128,71,

  • 0,1% mais ricos: renda mensal superior a R$ 89.971,47,

  • 0,05% mais ricos: renda mensal superior a R$ 428.849,47 e, por fim

  • 0,01% mais ricos têm renda mensal superior a R$ 690.829,25.

Nos três estudos, tanto da Receita Federal, quanto do Credit Suisse quanto de Milá, ressalta-se a extrema desigualdade social brasileira e, também a desigualdade entre os mais ricos. Entre os burgueses a renda está muito concentrada, vejamos os números do Credit Suisse:

  • o Brasil tem 47 bilionários (em dólares),

  • 60 pessoas cuja riqueza acumulada está entre 500 milhões e 1 bilhão,

  • 619 que estão entre 100 milhões e 500 milhões,

  • 928 entre 50 e 100 milhões,

  • 9.506 entre 10 e 50 milhões,

  • 14.350 entre 5 e 10 milhões e,

  • 146.985 mil pessoas entre 1 e 5 milhões de reais.

No total, apenas 172.000 brasileiros possuem mais de 1 milhão de dólares acumulados. Interessante notar que o número de super-ricos aumentou em plena crise econômica, no Relatório de 2015 os milionários eram 162.000. O capital está muito concentrado e a concentração de renda é ainda maior no último milésimo dos mais ricos (0,1%).

Esta tendência à concentração não é atípica no capitalismo, muito pelo contrário. Os dados da extrema concentração de riqueza por um lado, e da concentração de pobreza por outro, apenas confirmam uma tendência que Marx já apontava como parte estrutural do sistema. Em nota recente sobre o mesmo tema, publicada no Blog Junho, Badaró afirma que este processo:

“Não é algo que deva surpreender uma análise marxista do capitalismo. Marx explicou como a lógica da acumulação capitalista, dada a tendência à modificação da “composição orgânica do capital”, com crescimento do peso relativo do capital constante (máquinas, equipamentos, matérias primas) em relação ao capital variável (força de trabalho), levava a um processo de concentração de capitais (com a tendência de “sobrevivência” dos maiores sobre os menores). Numa escala mais avançada, os detentores desses capitais concentrados, capazes de incrementar a produtividade do trabalho e obter maiores taxas de mais-valor, seguiam incorporando fatias de mercado ou propriedade de outras empresas, em um viés de centralização do capital.”

O fato relevante para esta nota é que a burguesia brasileira acumula acima da média da América Latina, como afirma o relatório: “a porcentagem de participação na renda total do país do 1% mais rico foi maior no Brasil do que em qualquer outro país da América Latina, durante os anos 2000, período no qual existem dados disponíveis para fazer a comparação.”7 O mesmo pode-se dizer na comparação com outros países periféricos fora da América Latina.

Ao comparar a concentração de renda entre os 0,01% mais ricos do Brasil com este mesmo índice em outros países, constata-se que o Brasil é o líder mundial em concentração de riqueza, superando, sutilmente, até os Estados Unidos.8

Como conclusão este estudo afirma que: “os principais beneficiários de alta renda possuem níveis de renda média comparáveis ​​aos das sociedades mais ricas.” A histórica relação de subserviência e subordinação ao imperialismo parece ter rendido frutos e importantes privilégios. Aí está uma das hipóteses de explicação do atraso brasileiro, que é a outra face desta extrema riqueza concentrada.

Outra característica marcante da burguesia brasileira é seu poderoso grau de articulação. Grande parte dos proprietários se organiza por meio de complexos grupos e pirâmides societárias (empresa C, cujo dono é a empresa B, cujo dono por sua vez é a empresa A). O grupo econômico define-se formalmente quando uma ou mais empresas estão sob o controle ou administração de outra. Há um intenso entrelaçamento, formal e informal, entre os proprietários no Brasil. Em 2009, o grau de aglomeração, e a presença de atores de conexão entre os proprietários brasileiros era ⅓ maior ao calculado em 1996.9 Este cálculo foi feito a partir de um estudo que analisou 804 empresas brasileiras e seus donos, observados em 3 anos 1996, 2003 e 2009.

O processo de privatização da era FHC e de abertura econômica ao capital estrangeiro, na década de 90, aprofundou a tendências às aglomerações. De 1990 a 2002, 165 empresas foram privatizadas. Os grupos privados nacionais lideraram as aquisições apoiando-se no dinheiro do BNDES.

As ilustrações a seguir demonstram esta articulação:

tabela 2

tabela 3

tabela 4

Nessas cinco figuras fica nítido como os proprietários de capital industrial e bancário, dos setores primários ou secundários, nacionais ou estrangeiros, se articulam em redes de poderosos laços econômicos. Este é um dos motivos que explica as poucas divisões políticas entre eles e, também, a movimentação em bloco, ora para o apoio de um determinado partido político, ora para o rechaço, como ocorreu no golpe parlamentar de 2016. Voltaremos a este tema mais adiante.

Outra forma de entrelaçamento é através da presença dos mesmos atores nos Conselhos de Administração:

tabela 5

A partir de 2004, uma nova onda de entrada do capital estrangeiro marcou a economia brasileira, diversas empresas (incluindo as estatais que restaram) abriram seu capital na Bolsa. De 2004 a 2009 foram lançadas, na Bolsa de Valores (Bovespa), 115 empresas movimentando 99 bilhões de reais. Como resultado desses dois processos mais proprietários passaram a participar conjuntamente de mais firmas, fusões e aquisições se intensificaram e, como resultado, os proprietários brasileiros formaram poucos grupos comuns e muito conectados. A rede de proprietários em 2009 mostrou-se 40 vezes mais conectada que em 1996:

tabela 6

Para termos uma ideia: considerando uma comparação internacional, a mesma forma de cálculo foi aplicada em outros países, e a conclusão foi que os proprietários no Brasil estão relacionados 12,2 vezes acima do observado nos Estados Unidos. E 7,8 vezes acima que no Chile, por exemplo. Não há dados disponíveis para comparação com outros países. Como se trata de economias muito diferentes é difícil uma avaliação conclusiva.

Neste processo de abertura de capital pode-se observar de forma contundente a forte presença do capital financeiro internacional em associação com as empresas brasileiras:

tabela 7

Merece também destaque a forte presença do BNDES, tanto no momento das privatizações da década de 90, em que o banco teve papel chave no financiamento dos grupos privados nacionais que lideraram o processo, quanto durante os governos Lula, em que o BNDES ampliou, enormemente, sua presença na economia brasileira, cumprindo um papel decisivo na crise de 2008/2009, financiando o programa econômico anticíclico aplicado pelo governo petista na gestão Mantega.

Constata-se, a partir desses dados, que a classe dos grandes proprietários brasileiros é muito poderosa, pouco numerosa, concentra uma riqueza acima da média, e é extremamente entrelaçada e conectada, tanto entre si, como com o Estado.

No entanto, uma ponderação importante é que não se pode concluir daí que a estrutura de classes brasileira se resume num pequeno grupo de famílias bilionárias, Em oposição há um proletariado, extremamente, numeroso. A metáfora dos 99 contra 1% é útil para a denúncia política da extrema concentração de riqueza, mas como análise é simplista e superficial. É perigoso induzir uma visão que menospreza o peso social e, especialmente o peso político da camada intermediária. Existem classes médias. Os profissionais liberais bem remunerados, os médicos e advogados donos do seu próprio escritório, a camada de altos funcionários do governo e das empresas, os intelectuais e pesquisadores, compõe um bloco intermediário que tem peso nos centros urbanos, e têm força política na sociedade brasileira.

A pequena burguesia e a classe média10

Em 2014, existiam 4,6 milhões de empresas ativas no Brasil. Mais de 80% delas são muito pequenas, e a cada ano cerca de 20% delas deixa de existir. Os empresários ou donos de negócios no Brasil são 23,5 milhões de pessoas, sendo 99% deles de micro ou pequeno porte.11 Milhares dessas pessoas, na verdade, a grande maioria é parte do povo pobre das cidades, aspiram um emprego formal e o seu “pequeno negócio” não é uma escolha, mas a forma encontrada de sobrevivência. 85% deles não tem nenhum empregado. Apenas 15 % são, portanto, empregadores. Isso equivale a 3,5 milhões de pessoas.12

No critério de renda fica evidente que a grande maioria de todos os donos de empresas no Brasil tem uma renda muito baixa:

  • 13,6 milhões (58%) recebem até 2 salários mínimos;

  • 5,7 milhões (25%) recebem entre 2 e cinco salários e,

  • 3,8 milhões (16%) recebem mais de cinco salários mínimos.

Os dados são insuficientes para mostrar o real tamanho das médias empresas, mas oferece um bom detalhamento dos pequenos.

Os donos de pequenos negócios são, fundamentalmente, homens13, tem baixa escolaridade14, começaram a trabalhar muito cedo15, estão nesta atividade há mais de cinco anos, e trabalham numa jornada próxima à do proletariado16. Possuem uma relação muito desigual com a previdência social: os de maior renda estão inseridos, e os de menor renda não contribuem17.

O Brasil tem cerca de 4 milhões de pequeno burgueses no campo, sendo a grande maioria deles pobre, tendo como principal atividade a pecuária. No ramo da indústria e construção são 6 milhões e 500 mil donos de pequenos negócios, que, na sua grande maioria, tem baixa renda e estão concentrados na atividade de construção: são pedreiros, telhadistas, etc. No comércio são 5,7 milhões de pessoas, entre os de baixa renda: a grande maioria é de ambulantes (796.809) e, entre os de renda média e alta, são donos de empresas fornecedores de alimentos. Por fim, nos serviços são 7,1 milhões de pequenos comerciantes, metade deles recebe muito pouco, e a atividade mais frequente é a de cabeleireiro e donos bares e restaurantes.

A desigualdade regional é muito grande: o Nordeste concentra 38% dos donos de negócio de baixa renda e o Sudeste concentra 51% dos de alta renda. Entre 2003 e 2013, o aumento dos rendimentos foi grande nas três faixas de renda, e, maior para os que ganham até 2 salários mínimos18.

Esses dados nos permitem concluir que uma parte expressiva dos pequenos proprietários no Brasil faz parte de um setor popular que, pela sua renda, nível de escolaridade e local de moradia, se aproxima muito da classe trabalhadora. Esses setores podem ser aliados do proletariado. Muitas de suas reivindicações podem e devem ser absorvidas como parte da luta contra o capitalismo.

Assim como existem aqueles que se aproximam mais do proletariado, existem, também, na pequena burguesia e nas classes médias os setores que se aproximam mais da burguesia. A heterogeneidade é uma característica própria desta classe, justamente, porque trata-se de uma camada intermediária entre as duas classes fundamentais.

No Brasil existem milhares de pessoas que compõem o que podemos chamar de “classe média abastada” ou “alta classe média”. Este setor tem alto grau de escolaridade, tem um renda bem acima da média, o que lhes permite distanciar-se do proletariado, e da pobreza em geral. Transitam nos círculos da burguesia, tem acesso à saúde, à educação, à cultura, ao lazer em um Brasil muito diferente do que a grande maioria da população conhece.

Na gestão das empresas, na organização do Estado, na produção do conhecimento e das ideologias, na própria organização da produção, a burguesia se apoia num corpo numeroso de técnicos, engenheiros, advogados, médicos, pesquisadores, jornalistas, entre inúmeras outras funções e profissões que precisam ser remuneradas acima da média. É impossível dominar sem formar uma camada intermediária. Esta classe média enriquecida e concentrada nos centros urbanos é um ponto de apoio fundamental para a dominação burguesa e para o regime.

No dia 15 de março de 2015 os protestos que levaram para as ruas 1 milhão de pessoas19 expressaram de forma taxativa o estrato social a que estamos nos referindo: 27% tinham renda mensal de 5 a 10 salários mínimos, 22% de 10 à 20 salários mínimos, 19% mais de 20 salários mínimos; 69% eram brancos; tinham em média 40 anos; e quanto a ocupação profissional, 37% eram assalariados registrados, 14% empresários, 11% autônomos regulares, 7% profissionais liberais.20 Em agosto do mesmo ano, portanto, quatro meses depois, Dilma Rousseff ainda buscava apoio nos grandes grupos privados nacionais que, até aquele momento, ainda eram considerados próximos ao governo.21

Este não foi o único momento que a classe média cumpriu um papel relevante na história política do país. Foi, também, assim em junho de 2013, no Fora Collor, nas Diretas Já e no Golpe de 1964. Já foi demonstrado pela história sua heterogeneidade social, sua capacidade de intervir no cenário político nacional e, também, a volatilidade política deste setor social, que ora girou à direita aproximando-se da burguesia, ora girou à esquerda acercando-se da classe trabalhadora.

A burguesia e seus representantes políticos

Os interesses de uma classe e de um partido que a representa tem uma relação indireta. Em última instância, toda a superestrutura do Estado, o regime, os três poderes, a mídia, a igreja e o sistema político refletem os interesses da classe burguesa. Entretanto, nem todo movimento da superestrutura, seja ele uma decisão do STF, uma investigação da polícia federal, uma votação no congresso nacional, ou o posicionamento de um determinado governante é um reflexo direto do interesse econômico de uma determinada fração burguesa. Há uma relativa independência da superestrutura que deve ser considerada na análise política. Engels numa carta à Bloch alerta para essa relação dialética:

“De acordo com a concepção materialista da história, o elemento determinante final na história é a produção e reprodução da vida real. Mais do que isso, nem eu e nem Marx jamais afirmamos. Assim, se alguém distorce isto afirmando que o fator econômico é o único determinante, ele transforma esta proposição em algo abstrato, sem sentido e em uma frase vazia. As condições econômicas são a infra-estrutura, a base, mas vários outros vetores da superestrutura (formas políticas da luta de classes e seus resultados, a saber, constituições estabelecidas pela classe vitoriosa após a batalha, etc., formas jurídicas e mesmo os reflexos destas lutas nas cabeças dos participantes, como teorias políticas, jurídicas ou filosóficas, concepções religiosas e seus posteriores desenvolvimentos em sistemas de dogmas) também exercitam sua influência no curso das lutas históricas e, em muitos casos, preponderam na determinação de sua forma. Há uma interação entre todos estes vetores entre os quais há um sem número de acidentes (isto é, coisas e eventos de conexão tão remota, ou mesmo impossível, de provar que podemos tomá-los como não-existentes ou negligenciá-los em nossa análise), mas que o movimento econômico se assenta finalmente como necessário. Do contrário, a aplicação da teoria a qualquer período da história que seja selecionado seria mais fácil do que uma simples equação de primeiro grau.”22

Esta consideração é importante para não cairmos numa visão mecânica da relação entre a burguesia e seus representantes políticos. A luta política não é apenas um reflexo da disputa entre distintas frações do capital pelo controle do Estado. Engels cita até mesmo os mais subjetivos elementos: os reflexos dessas lutas nas cabeças dos participantes, teorias políticas, jurídicas ou filosóficas, concepções religiosas, sistemas de dogmas. Na política brasileira vimos como a burguesia, especialmente, a grande mídia, deu importância à campanha ideológica para derrotar o partido que, no imaginário das amplas camadas dos trabalhadores, representava os movimentos sociais, os sindicatos e a esquerda. Ainda que na vida prática, do ponto de vista econômico, este partido tenha sido o mais fiel dos representantes burgueses como veremos mais adiante.

Os últimos 30 anos foram de luta aberta entre os partidos políticos, nos jornais, no parlamento e, ainda mais recentemente, nas redes sociais: os proprietários e seus representantes políticos debatem e disputam entre si os rumos do país. Os financiamentos de campanha são explícitos, as bancadas de cada fração burguesa se organizam, formalmente, no Congresso Nacional, as Agências de Classificação de Risco de Crédito estadunidenses classificam, regularmente, o país, explicitando para os desavisados a dependência e o controle.

Evidentemente, a luta aberta é uma parte da disputa entre as frações burguesas, outra certamente ocorre nos bastidores. Os estudos de René Dreifuss, que analisou em detalhes as articulações, os comitês e as inúmeras reuniões secretas entre os capitalistas no mundo não deixam dúvidas da existência de poderosas articulações secretas. É uma tarefa pendente da esquerda socialista no sec XXI dedicar-se à desvendar essas relações. Nesta nota tomaremos como referência a luta pública, que é o que podemos conhecer hoje.

No Congresso Nacional, os ruralistas se destacam como bancada mais organizada. Todas as sextas feiras, numa mansão no Lago Sul, em Brasília, os parlamentares da Frente Parlamentar Agropecuária – FPA- se reúnem para cuidar dos interesses do setor. No total são 207 signatários, liderados pelo Deputado Nilson Leitão do PSDB do Mato Grosso. O bloco tem site, assessoria de imprensa, e a pauta das reuniões semanais nas sextas feiras é enviada com uma semana de antecedência. A família Maggi, principal produtora de soja do país, e uma das financiadoras da FPA, esteve com Lula desde 2002: doou milhões para as campanhas petistas, rompeu em 2015, apoiou o golpe parlamentar, e hoje Blairo Maggi é Ministro da Agricultura de Temer.

A segunda maior Frente Parlamentar organizada é a Bancada Evangélica, oficialmente: Frente Parlamentar Evangélica. Formada por 197 parlamentares, sua atividade concentra-se na defesa de uma agenda conservadora e retrógrada: defendem projetos como o orgulho hétero, o aumento da criminalização do aborto, articulam-se contra as cotas, a Lei Maria da Penha, etc. Tiveram grande projeção, especialmente, com o crescimento do apoio a Jair Bolsonaro, que se batizou em maio do ano passado convertendo-se oficialmente à Assembleia de Deus.

Outros nove agrupamentos podem ser identificados, considerando as doações de campanha e a atuação dos parlamentares, apesar de não construírem blocos organizados, institucionalmente, como os dois anteriores. São eles, a bancada empresarial com 208 deputados liderados pelo PMDB; a bancada das empreiteiras e construtores, com 226 deputados liderada pelo PT; a Frente dos Parlamentares que lutam pelo Direito à Autodefesa Individual, ou, em outros termos, bancada da bala, liderada por Jair Bolsonaro, e integrada por 35 deputados; a bancada da mineração 23 deputados23.

As multinacionais não podem, pela legislação eleitoral24, financiar candidatos, por isso, não aparecem em destaque, mas, obviamente, tem seus representantes garantidos, e o fazem por meio de subsidiárias estabelecidas, juridicamente, no país. Outro ator que aparece nas sombras da política brasileira é o capital financeiro internacional. Durante os mandatos do PT seu fiel representante foi Henrique Meireles25. Ele foi o fiador das gestões petistas, já que é um homem de confiança do imperialismo americano e, hoje, o Ministro da Fazenda de Temer, e membro do Conselho de Administração da Azul e da JeF Investimentos que, por sua vez, é dona da JBS, da Vigor e do Banco Original.

Se usarmos as doações de campanha como um termômetro para analisar também o executivo chegaremos ao seguinte resultado: o PSDB recebeu 56 milhões em 2002, e o PT recebeu 24 milhões no mesmo ano, portanto, metade do valor recebido pelos tucanos. Os principais doadores de Lula, naquele ano, eram as empreiteiras. Já os doadores do PSDB eram, nesta ordem, o Banco Itaú, uma empresa de investimentos financeiros, integrante do Grupo Safra, e o Banco Real. Este quadro não se repetiu nas três eleições seguintes. Depois do primeiro mandato, todas as campanhas presidenciais do PT arrecadaram mais dinheiro do que as do PSDB, inclusive, nas eleições de 2014.

A relação com os financiadores de campanha se inverteu completamente. As construtoras, os bancos privados nacionais26, a Vale, as Empresas do Grupo X (Eike), a JBS, o agronegócio e as empresas de telefonia passaram a financiar, majoritariamente, o PT. Nunca deixaram de financiar o PSDB, mas a preferência foi para quem estava no poder. O capital não se preocupou com o passado, os símbolos, ou as afinidades subjetivas. O país estava crescendo, em média, o dobro da década anterior, tinha dinheiro para todos, a fidelidade e subordinação petistas estavam asseguradas.

Os principais representantes dos grupos privados nacionais (ver raio x abaixo), aqueles que ganharam com as privatizações da década de 90, e que passaram a uma posição crítica à FHC em 1998 e 1999, cuja principal expressão é a FIESP27, fizeram-se representar, politicamente, no partido criado pelos trabalhadores no calor das lutas da década de 80.28 É o que nos explica Armando Boito:

“Interessante observar que essa fração burguesa não criou o seu partido político. O que ela fez foi assediar e envolver um partido político que fora criado pelos movimentos populares para que este, o PT, passasse a representar, prioritariamente, os seus interesses.”29

Eis o paradoxo: o partido dos trabalhadores representando os interesses da burguesia não é uma novidade na história. É o que Trotski chama de Governo de Frente Popular: um governo de colaboração de classes no qual participam os representantes da classe trabalhadora coligados com a burguesia.

Nos treze anos petistas, a hegemonia do capital financeiro nunca esteve ameaçada. Aplicou-se um projeto diferente de FHC, igualmente, burguês e, também, subordinado ao capital internacional. Em 2014, o Banco Itaú foi o único setor burguês que já tinha mudado para o apoio preferencial ao PSDB. Um ano depois o mesmo grupo que sustentou os governos petistas por mais de uma década apoiou o golpe parlamentar. O giro ocorreu em bloco. Alguns foram mais decididos, como a FIESP, outros mantiveram-se discretos, mas a sustentação do golpe foi feita conjuntamente. Kátia Abreu ficou até o final da defesa de Dilma, mas a grande maioria do agronegócio já estava com Temer. Não houve qualquer resistência entre as frações burguesas.

A análise dos governos petistas e, também do golpe parlamentar será objeto da próxima nota que irá se debruçar sobre o tema do Estado, do Regime e do Governo no Brasil.

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Anexo 1: Raio x da burguesia brasileira30

Os bancos

O setor bancário tem grande peso na economia brasileira. Ao observar as 10 maiores empresas31 do Brasil, em 2016, segundo a Revista Forbes, o Banco Itaú aparece em primeiro lugar no ranking, o Bradesco em segundo, o Banco do Brasil em terceiro e o Itaú SA em sétimo.

Em linhas gerais pode-se resumir as mudanças no período recente no setor bancário em três movimentos: centralização, concentração e desnacionalização. O número de bancos caiu, vertiginosamente: em 1998 eram 203, em 2005 caíram para menos de 161. O número de fusões e aquisições se multiplicou a tal ponto com a crise econômica de 2008 e 2009 que hoje apenas cinco gigantes controlam o sistema bancário brasileiro (Itaú, Banco do Brasil, Santander, Bradesco e Caixa)32.

O movimento de privatização e desnacionalização não seguiu um caminho linear. Em 1997, foi liberada a entrada do capital internacional e a implantação do PROER – Programa de Incentivo à Redução da Presença do Estado na Atividade Bancária, foi o período da venda do Banerj, do Bemge, do Banestado e do Banespa para bancos privados nacionais (Itaú) e estrangeiros (Santander) e, também, da aquisição de bancos privados nacionais (Real e Bamerindus) por Bancos estrangeiros (HSBC e ABN – Amro). Os bancos privados lideraram a onda de fusões e aquisições bancárias. O Banco do Brasil e a CEF, apesar de liderarem o setor bancário, eram proibidos de participar do processo33. O período FHC foi marcado pela desnacionalização parcial, mas inédita, e privatização do sistema bancário.

Entretanto, o peso dos bancos públicos voltou a subir nos governos petistas. Entre janeiro de 2003 e fevereiro de 2010, as operações totais de crédito do sistema financeiro público subiram 415,5 % contra um aumento de 348,1% do sistema financeiro privado. Os desembolsos do BNDES aumentaram, significativamente, entre 2005-2009, passando de R$ 56,5 bilhões em 2005 para 136,4 bilhões em 200926.

Mas os bancos estrangeiros e os bancos privados nacionais foram, também, parte do mini boom econômico brasileiro da década passada, com destaque para esses últimos. Entre 2003 e 2008, a relação crédito/PIB dos bancos públicos passou de 8,5% para 12,8%, nos bancos estrangeiros foi de 5,2% para 8%, e nos bancos privados nacionais a relação crédito/PIB dobrou: foi de 8,3% para 16,6%. O segmento mais dinâmico no período petista foram os bancos privados nacionais: sua participação relativa no total de crédito do sistema financeiro aumentou muito mais que os outros segmentos, atingindo 44% em junho de 2008.

Após a crise de 2009, os bancos públicos tiveram papel ainda mais decisivo, sendo a ponto de lança das políticas anticíclicas implementadas. A crise ampliou o processo que já vinha ocorrendo de fusões e aquisições, entretanto, ele ocorreu, essencialmente, dentro de cada segmento: bancos estrangeiros adquiriram bancos estrangeiros (Santander comprou, em 2007, o ABN-Amro Real); bancos públicos compraram bancos públicos: Banco do Brasil adquiriu a Nossa Caixa (SP), o Banco do Estado de Santa Catarina e o Banco do Piauí; e, por fim, bancos privados nacionais se fundiram também no mesmo seguimento (o Unibanco, em 2008, juntou-se ao Itaú).

Uma das peculiaridades brasileiras, sem dúvida, é o grande peso dos Bancos públicos no sistema bancário e, também, a presença de grandes grupos privados nacionais. Como vimos, das 10 maiores empresas do Brasil, quatro são bancos, sendo um público e três privados nacionais. As outras seis são distintos tipos de commodities, as responsáveis pelo mini boom da economia brasileira.

As commodities

As commodities são produtos primários como petróleo, gás, minério, grãos, etc, cujo preço é definido no mercado mundial e independe da “marca” ou local de produção. Uma tonelada de minério custa, hoje, 87 dólares e um barril de petróleo custa 56 dólares, independente do local ou de quem os produziu.

O Brasil é um dos maiores produtores de commodities do mundo. O que é uma expressão do local subordinado que o país ocupa na divisão internacional do trabalho. São produtos primários, de baixo valor agregado, feitos em larga escala, provenientes de atividades extrativas e agrícolas, relacionadas à exploração das riquezas naturais do país e, por fim, centralmente voltadas ao mercado externo.

A semelhança com o passado colonial não é mera coincidência. O Brasil exporta a maior parte delas sem agregar valor: vende soja em grão, açúcar bruto, minério e petróleo bruto34. A China, atualmente, a maior compradora, é quem fica com a segunda parte do processo produtivo. A burguesia brasileira aceita seu papel de exportadora de matérias primas.

O maior produtor de soja do Brasil é um grupo familiar fechado. Em 2015, a família Maggi comercializou 4,3 milhões de toneladas de soja. São donos de mais de 20 fazendas e 5 hidrelétricas. Têm uma verdadeira indústria no campo, mas compram tratores dos americanos e dos alemães. Em apenas um ano, entre 2003 e 2004, enquanto Blario Maggi era governador do Mato Grosso, 26.130 quilômetros quadrados da Amazônia brasileira foram devastados. Hoje, ele é Ministro da Agricultura do Governo Temer, apoiou as três reeleições do PT, e migrou junto com a grande maioria da burguesia para o apoio ao golpe em 2015.

A Vale, gigante do minério de ferro, e sexta maior empresa nacional, tem como donos últimos (detentores de ações com direito a voto), nesta ordem: os fundos de pensão das empresas estatais (com destaque para o Banco do Brasil), o Bradesco, a Mitsui, o Grupo Opportunity e o BNDES.35 Dois grupos estrangeiros norte americanos detêm ações preferenciais da empresa, ou seja, não tem poder de voto, mas têm preferência na remuneração dos dividendos, esses dois grupos somos juntos cerca de 20% das ações preferenciais.

Por fim, a Petrobras merece especial destaque. A estatal brasileira ocupa a quarta posição entre as maiores empresas do Brasil36. Atualmente, as empresas privadas, em virtude da quebra do monopólio feita por FHC e das concessões dos governos Lula e Dilma, respondem por 17,1% do petróleo produzido no Brasil. O objetivo, no entanto, é que este número chegue a 30%. Este setor está sofrendo fortes mudanças recentes. Em novembro de 2016, como desdobramento do golpe parlamentar, e na esteira das denúncias da Lava Jato, a Câmara dos Deputados aprovou o fim da exclusividade da Petrobrás na extração do pré sal37. No dia seguinte, a Shell reuniu-se com Michel Temer e anunciou o investimento de 10 bilhões no Brasil38. Este fato serve para ilustrar que estamos perante mudanças importantes na configuração da presença do capital estrangeiro no Brasil, no próximo período. É provável que venhamos a assistir a entrada com peso das multinacionais do petróleo.

Não se pode falar de concentração do capital apenas a nível nacional, porque este processo é tão avançado que apenas 16 grupos controlam todo o comércio mundial de grãos, petróleo, minério e gás39. A compra e venda das commodities funciona através de tradings, grandes conglomerados que intermedeiam as operações formando grandes blocos econômicos40.

A indústria nacional

Até a primeira metade do século passado a produção brasileira era essencialmente agrícola. O campo brasileiro, no entanto, nunca foi dominado por pequenas propriedades, nem por uma produção para subsistência. A produção agrícola era em larga escala, marcada pela monocultura e voltada ao mercado externo. No séc XVII, o Brasil era principal produtor de açúcar do mundo.

O capitalismo e a burguesia nasceram antes da industria. Impulsionada pelas mãos do estado brasileiro, a industrialização só aconteceu na década de 1930. Também foi pelas mãos do Estado, através de empréstimos do BNDES, que os grupos privados nacionais, em grande parte familiares, se tornaram os acionistas majoritários das principais empresas da indústria nacional no processo de privatizações da década de 1990.

Há uma longa discussão sobre a desindustrialização relativa da econômica brasileira, mas este tema será aprofundado na nota econômica. O que nos interessa neste texto é traçar o perfil dos industriais brasileiros.

Entre os industriais brasileiros a presença dos grupos familiares é marcante. Em muitos casos a riqueza dessas famílias está ligada ao passado colonial, e o traço mais marcante é que todas elas, sem exceção, contaram com o impulso do Estado para enriquecerem. Vamos avaliar algumas delas que exemplificam bem este perfil.

A família Ermínio de Moraes tem um patrimônio líquido de U$ 15,4 bilhões. É proprietária do Grupo Votorantim, uma multinacional brasileira que atua em 23 países no setor de metal, siderurgia, cimento, celulose, energia, suco de laranja e, também, financeiro. José Erminio de Moraes era filho de uma família tradicional do engenho de açúcar de Pernambuco. O Engenho Santo Antônio foi construído numa região conquistada pelos portugueses em 1560, após a escravização dos Índios Caetés.

O empresário Benjamin Steinbruch, filho de industriais do ramo têxtil (Grupo Vicunha), foi líder dos consórcios que compraram a CSN e a Vale do Rio Doce, entretanto vendeu a participação na Vale para tornar-se acionista majoritário da CSN. A família Steinbruch controla a CSN, as mineradoras Namisa e Casa de Pedra, a têxtil Vicunha (maior do Brasil) e o Banco Fibra.

O grupo Gerdau, também familiar, possui operações industriais em 14 países, tem enorme peso na siderurgia. Sua principal usina, responsável por 70% da produção, é uma antiga estatal: a Açominas. Foi privatizada em 1993 e o Grupo Gerdau assume o controle acionário em 1999.

As construtoras: controle familiar, relações com estado e ampliação internacional

A indústria da construção abrange três setores: construção de edifícios, obras de infraestrutura e serviços especializados para construção, que são empresas subcontratadas para fazer serviços específicos, como instalação de andaimes, revestimentos, etc.

O mercado brasileiro é dominado pelos grupos privados nacionais, nas grandes obras de infra estrutura os gigantes foram Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. As quatro revezaram nos contratos da Copa e das Olimpíadas. Também foram elas que junto com a Queiroz Galvão ganharam as principais licitações da Petrobrás.

O crescimento das grandes construtoras durante o período do governo Lula foi enorme, as construtoras expandiram seus negócios em outros países (mais de 20 na América Latina, Ásia e África) e também para outros ramos da economia brasileira (ver gráficos acima). Alguns exemplos: a Camargo Corrêa participa como controladora do Grupo Itau-SA. Também participa junto com a Votorantim, Nippon e MRS Logística na Usiminas. A MRS Logística por sua vez é controlada pela Vale, Vicunha e Gerdal. A Andrade Gutierrez por sua vez participa da do controle acionário da Oi, junto com o Grupo Jereissati.

As construtoras expandiram seus negócios para diversos segmentos. Mantendo sempre o controle final dos grupos familiares, como afirma João Roberto, professor da Unirio no mercado da construção observa-se o mesmo fenômeno que descrevemos como típico da organização da propriedade no Brasil: O controle de base familiar é uma característica da formação do capital monopolista dos grupos econômicos constituídos no Brasil. Embora isso não impeça a abertura de capital, esta é feita de modo a preservar sempre o controle acionário dos ativos mais rentáveis pelas famílias controladoras. Isso confere à estrutura societária desses grupos um formato piramidal, em que um controlador último controla toda uma cadeia de empresas”.

Por fim, a relação e dependência do Estado é enorme: os desembolsos do BNDES atingiram 69 bilhões em 2014. As construtoras são também as maiores doadoras de campanha.

Certamente, o golpe e a Lava Jato terão impacto direto nesses grupos privados nacionais, que, tudo indica, vão perder uma parte de seus negócios para empresas estrangeiras. A recente decisão da Petrobrás de convidar (modalidade de licitação em que a estatal lista determinadas empresas para concorrer) 30 empresas, todas estrangeiras para seguir as milionárias obras do COMPERJ no Rio indica essa dinâmica.41 Entre elas a grande maioria é americana, e uma é chinesa.

A mídia

A grande mídia brasileira é controlada por pouquíssimas famílias, novamente aqui aparece os grupos privados familiares. A família Marinho é a mais rica do país no ranking da Forbes de 2014 com uma fortuna de Patrimônio líquido combinado : US$ 28,9 bilhões. Eles estão entre os 0,01% mais ricos do país, certamente na lista dos 47 bilionários brasileiros.

A família Civita, donos do Grupo Abril tem um patrimônio de US$ 3,3 bilhões, quase nove vezes menor que a família Marinho. O Grupo Abril controla dezenas de editoras e revistas impressas, sendo a mais influente delas a Revista Veja.

A Igreja Universal controla a TV Record, que é de propriedade do Bispo Edir Macedo. Ela foi comprada em 1990, não encontramos dados sobre o seu patrimônio atual.

Outras duas famílias proprietárias merecem destaque, a família Frias, dona da Folha e a família Saad dona da Band.

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Notas

1 Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil. M. CAMBOA, M. e L. LYON.

2 Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil. M. CAMBOA, M. e L. LYON.

3A burguesia brasileira não se formou com a industrialização, nem sequer com a produção do café, no século XIX, mas no século XVI, construindo as fazendas e os engenhos do açúcar. A colonização do Brasil foi motivada por interesses capitalistas.” http://blog.esquerdaonline.com/?p=7800

4 Princípios do Comunismo. 1847. Engels. Desenvolveu-se um intenso debate sobre as mudanças que o desenvolvimento em grande escala da forma jurídica “sociedade por ações” e “sociedade anônima” trouxe para o conceito de burguesia. Poulantzas defende que os gestores do capital, independente de terem ou não propriedade legal, pertencem à burguesia. Osvaldo Garmendia, num texto sobre a definição de classe operária discorda frontalmente do conceito de Poulantzas sobre a centralidade do trabalho produtivo e improdutivo para o conceito de proletariado, mas no que se refere à burguesia defendeu uma posição no mesmo sentido. Para Garmendia os gerentes, supervisores e funcionários hierárquicos, ao exercerem funções de exploração da classe operária se opõem à ela, recebem como pagamento não só o valor de uma mão de obra qualificada, mas especialmente recebem uma parte da mais valia extraída. A depender de sua localização, podemos considerar que pertencem à classe dos capitalistas ou ainda que pertencem às modernas classes médias abastadas.

5 No total: 2.234.069. Relatório da Distribuição Pessoal da Renda 2015/2016. Dados do IRPF 2015/2014.

6 Relatório da Distribuição Pessoal da Renda 2015/2016. Dados do IRPF 2015/2014.

9 Capitalismo de Laços. Sergio Lazzarini. Pag. XIII.

10 Há intenso debate teórico no marxismo sobre o conceito de pequena burguesia e classe média. Não pretendemos desenvolvê-lo nesta nota. Neste texto para fazer a análise da estrutura social brasileira consideramos como pequenos burgueses todos os pequenos proprietários, independente da sua renda. Excluem-se os que vendem sua força de trabalho através de um Cnpj como forma de contrato precário de trabalho. Consideramos nesta nota classe média como um setor intermediário entre a burguesia e o proletariado, incluindo assalariados em situações contraditórias de classe, como citado no ponto anterior. São profissões liberais (médicos, advogados, etc.), gerentes e supervisores, altos funcionários do estado, etc. O termo “moderna” ou “nova” é utilizado porque esta classe média foi criada pelo desenvolvimento do capitalismo, e não é um resquício do modo de produção anterior.

11Os donos de negócio no Brasil. Sebrae. Publicado em Agosto 2015. Análise 2003 – 2013. http://www.bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/5233f8a3bfff4044344918255d387502/$File/5772.pdf

12 A PNAD 2015 considera que 3,8% da população ocupada brasileira são “empregadores”. Isso equivale a 3 milhões e 700 mil pessoas. Conceito da PNAD de empregador é: “pessoa que trabalha em seu próprio empreendimento, explorando uma atividade econômica, com pelo menos um empregado”.

13 69% homens e 31% mulheres.

14 O número médio de anos de estudo é de 6,3 anos entre os donos de negócio de baixa renda, 9,0 anos na média renda, e 10,9 anos (a média mais alta) entre os donos de negócio de alta renda.

15 Entre os donos de negócio de baixa renda, 84% começaram a trabalhar com até 17 anos de idade; 14% entre 18 e 24 anos; e 2% a partir dos 25 anos de idade. No conjunto dos donos de negócio de média renda, 80% começaram a trabalhar com até 17 anos de idade; 18% entre 18 e 24 anos; e 1% acima dos 25 anos de idade. No grupo de alta renda, 70% começaram a trabalhar com até 17 anos de idade; 27% entre 18 e 24 anos; e 3% após os 25 anos de idade.

16 Em média, os donos de negócio de baixa renda trabalham 37 horas semanais; os de média renda trabalham 45 horas; e os de alta renda 44 horas.

17 Os donos de negócio de alta renda são os que mais contribuem para previdência no trabalho principal (61% deles) e para a previdência privada (12%). Assim, 73% desta categoria está coberta por algum sistema de previdência. No grupo de média renda, 47% contribuem para a previdência no trabalho principal e 4% para alguma entidade de previdência privada. Logo, 51% participam de algum tipo de previdência. Entre os de baixa renda, 17% contribuem para a previdência no trabalho principal e 1% para alguma entidade de previdência privada (grá co 16). Portanto, apenas 18% possuem algum tipo de previdência.

18 78% para os de baixa renda, 66% para os de média renda e 51% de aumento para os de alta renda.

22 Engels. 1890. Carta para Joseph Bloch. https://www.marxists.org/portugues/marx/1890/09/22.htm

23 Sobre a bancada da mineração ver Clarissa Reis de Olivera. Quem é quem nas discussões do novo código da mineração. https://issuu.com/ibase/docs/quem_e_quem_na_mineracao4

24 Lei 9.504/97. Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: I – entidade ou governo estrangeiro;

25 Presidente do Banco Central entre 2003 e 2011. Inciou sua carreria no Banco de Boston onde trabalhou por 28 anos.

26 Entre 2001 e 2004 – com a saída do poder os bancos reduziram as doações para o PSDB, elas caíram de 6,45 milhões (em 2001) para 1,7 milhão em (2004). Doaram paro o PT o dobro do que doaram para o PSDB, no total 7,9 milhões nas eleições de 2004, contra 4,1 milhões para o PSDB. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2702200602.htm

28 Para aprofundar sobre este tema ver: Os governos Lula e a Nova Burguesia Nacional. Armando Boito.

29 A natureza da crise política brasileira. Armando Boito.

30 Não incluímos neste estudo as multinacionais instaladas no país.

31 Leva-se em conta o lucro líquido, as vendas, os ativos e o valor de mercado.

32 Juntos, eles detêm 64,9% dos ativos, 65,9% do lucro líquido, 81,9% dos funcionários e 86,3% das agências bancárias. Dados do Banco Central 2010.

34 No caso do açúcar, cujas exportações totalizaram US$ 12,1 bilhões em 2010, apenas 29% foram do produto refinado. No complexo soja, dos US$ 17,1 bilhões destinados ao exterior, 64,5% foram em grão.

36http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/EXTOGMC/0,,contentMDK:21991336~pagePK:148956~piPK:216618~theSitePK:336930,00.html

Não é uma exceção mundial que o Petróleo seja controlado por uma empresa estatal, as estatais controlam 75% da produção global e 90% das reservas. Até a década de 70 um cartel formado por 6 empresas americanas e uma britânica tinha o controle de 85% das reservas mundiais de petróleo. O nacionalismo árabe, impulsionado pelo poderoso ascenso do pós guerra, impulsionou a nacionalização de todo o petróleo no oriente médio, começando na Argélia em 1967, até a Arábia Saudita, o Kuwait e o Iraque em 1972. Isso mudou completamente o mercado mundial de petróleo.

39 Dados do Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica, divulgados no estudo The Network of Global Corporate Control.

40 As maiores 10 trading das commodities (todas controladas por países imperialistas, exceto uma controlada pela China). VITOL – Faturou em 2012 US$303 bilhões, movimentou 400 milhões de toneladas de petróleo. Fundada por um holandês, tem sede em Genebra mas é controlada por capital americano, Grupo Blackstone, de Nova York. GLENCORE – Faturou US$150 bilhões em 2012, petróleo e minérios, fundada por um americano, Marc Rich que era empregado da Phibro, a célebre Philip Brothers, bem conhecida no Brasil nos mes tempos de Cacex. A Glencore, antiga Marc Rich & Co. tem uma história tumultuada e complicada com problemas com a Justiça americana, já resolvidos, muito usada por petroleiras de países populistas para intermediar venda de petróleo até dentro do grupo. TRAFIGURA – Faturou em 2012 US$124 bilhões, basicamente em petróleo, com sede em Amsterdã, fundada por ex-empregados da Glencore. CARGILL – Faturou US$100 bilhões em 2012, gigante americana de grãos, fortíssima no Brasil, fundada em 1865, ano do fim da Guerra Civil, firma de capital fechado na mão da família fundadora. GUNVOR – Faturou em 2012 US$74 bilhões, trading sueca, especializada em petróleo e metais da Rússia. ADM – Faturou em 2012 US$70 bilhões, é a antiga Archer Daniels Midland, trading e processadora americana de grãos, grande no Brasil, fundada em 1902. NOBLE – Com sede em Hong Kong mas de origem escocesa, tem participação da China Investment Corp., o BNDES da China, de 14%, faturou em 2012 US$60 bilhões MERCURIA – Faturou em 2012 US$50 bilhões, com sede em Genebra, especializada em trabalhar com petróleo russo, movimentou em 2012 cerca de 117 milhões de toneladas de petróleo. BUNGE – A antiga nossa conhecida Bunge & Born, de origem holandesa mas com um século de raízes na Argentina, fundada em 1818, faturou em 2012 US$50 bilhões, há mais de cem anos no Brasil. PHIBRO – A célebre Philip Brothers, a rainha dos metais, US$40 bilhões em 2012, foi do Citigroup, operou muito no Brasil entre 1950 e 1990 exportando ferro ligas e importando não ferrosos, baliza a cotação mundial de vários metais, hoje está mais enfraquecida pela concorrência da Glencore, cujo fundador era operador empregado da Phibro.

Foto: Aquarela de Jean-Baptiste Debret, “Viagem pitoresca e histórica ao Brasil”.

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