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BRASIL

Tzusy Estivalet: nossa categoria é de luta! Não iremos permitir que avancem com esse projeto de desmonte!

Por: Francisco da Silva, de Porto Alegre, RS.

Conversamos com Tzusy Estivalet sobre o decreto 19.685 do prefeito de Porto Alegre Nelson Marchezan (PSDB) e do secretário de educação Adriano Naves de Brito. Na entrevista, Tzusy fala também sobre a reação da categoria frente ao decreto, o que fazer para derrotar esta medida, a ligação deste ataque com os ataques dos governos estadual e federal e os dias de mobilização 8 e 15 de março.

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Tzusy Estivalet é formada em Educação Física e mestre em educação. Professora e membro do conselho escolar da EMEF Lidovino Fanton, e integra o coletivo Alicerce.

Olá Tzusy, obrigado por conversar conosco. O decreto 19.685 do prefeito Nelson Marchezan (PSDB) vai trazer impactos profundos sobre a educação municipal. Quais são o sentido e os efeitos que terão este decreto?

Tzusy Estivalet: Olá Francisco, que bom poder conversar com vocês. O decreto 19.685 de Marchezan e do secretário Adriano Naves, quer, na verdade, enxugar gastos em cima da educação pública. E não é algo simples, muito pelo contrário. Marchezan aprofunda a precarização, desde questões como o RH das escolas, segurança, desvio de função das já precarizadas trabalhadoras terceirizadas, alimentação dos/as estudantes e por aí vai. Não tomamos conhecimento de todo o desmonte que está colocado, visto que as diretoras e diretores, na apresentação da proposta imposta – sim, imposta, visto que em nenhum momento foi debatida com a comunidade escolar – começaram a questionar e se manifestar contrários a mesma e, então, a Secretaria Municipal de Educação (SMED) parou de apresentar a proposta e se retirou, sequer ouvindo os diretores (muito menos a comunidade escolar). O que sabemos do que já foi propagandeado por Marchezan e Adriano Naves é que:

– Querem impor uma reorganização dos Recursos Humanos em que ele vai tirar professores que estão há anos desenvolvendo trabalhos, projetos e vínculo com determinada comunidade e vai colocar em outra que, pra além das questões pedagógicas, em grande parte, não tem nem como o professor chegar, visto que a maioria dos professores trabalha em duas escolas e as escolas municipais são todas periféricas e distantes;

– Os estudantes, de 4 a 17 anos, farão as refeições sozinhos na escola, atividade que hoje é orientada pelo professor e compreendida enquanto uma atividade pedagógica, onde o professor tem uma importância enorme nesse espaço. O professor está lá não apenas para ensinar as crianças a se servir, pegar os talheres, não queimar a mão – no caso dos menores – no prato de metal, mas também para evitar possíveis e frequentes conflitos, auxiliar na organização das turmas e, até mesmo, conversar de algum assunto que não pode ser tratado em sala de aula. Pra, além disso, não há como ter crianças pequenas junto com adolescentes no refeitório, e nossos refeitórios não comportam todos os estudantes ao mesmo tempo. Essa proposta é digna de alguém que não conhece as escolas da rede municipal;

– Nas quintas-feiras, que hoje as crianças saem as 10h para termos nossa reunião pedagógica – espaço essencial à docência onde debatemos questões da escola, problemas e possíveis soluções, pra além de fazer planos de aula e planejamentos – Marchezan quer que as crianças fiquem na escola até 12h, e que cada escola “se vire” pra encontrar uma solução. Você imagina 300 estudantes “soltos” dentro de uma escola? Sozinhos? Isso é impossível! Portanto, o que ele quer é o fim de nossas reuniões pedagógicas. Não quer mais o planejamento, não quer que a gente pense as aulas e as atividades da escola, e daí não é à toa que o Itaú Social estava também na reunião de diretores… é lei da mordaça para os professores e as parcerias público privadas pensando pela gente? Dizendo o que temos que fazer? Só quem vive o chão da escola pode pensar em conjunto com a comunidade o melhor para a escola;

– Os e as estudantes ficarão sozinhos nas entradas (7h30 – 8h; 13h – 13h30) e nas quintas (10h – 12h; 15h50 – 18h) e não há nada escrito a respeito da segurança, pauta que já é antiga, das escolas municipais. Não são poucas as vezes que temos toque de recolher e tiroteios no entorno da escola. Não foram poucas as vezes que já fomos para o “chão” com as crianças. Não são poucos os conflitos que existem fora e no interior das escolas. Há violência de vários tipos nas comunidades e as escolas estão dentro das comunidades! São pouquíssimas as escolas que contam com guarda municipal. Os estudantes ficarão totalmente desassistidos nesses tempos.

– As professoras e professores ficarão sem o dia de compensação de carga horária. Marchezan e Adriano estão “pintando” pra grande mídia que temos folga, querem dizer que professor é “vagabundo”. Não há folga na rede municipal, o que há é um dia em que compensamos a carga horária trabalhada e um professor volante, que planeja aulas com o professor de sala, dá aula para os estudantes. Os estudantes não ficam sem aula nesse dia. Chamar de folga o tempo de planejamento, seja ele individual ou coletivo é um profundo desconhecimento das necessidades do processo pedagógico!

– O recreio será diminuído em 5 minutos. Parece pouco, mas é importante frisar 2 questões: A primeira é que as crianças passam o turno (e as vezes os dois turnos, porque também temos a educação integral) em sala de aula e precisam de um tempo pra ir ao banheiro, tomar água, mexer o corpo, conversar. A segunda é que a escola, principalmente na periferia, também é um espaço de lazer e um espaço de encontro. Não existem praças e quadras esportivas na Restinga, por exemplo, local em que trabalho. O que existem são fronteiras que não podem ser atravessadas devido aos diferentes grupos do tráfico. Pra maioria das crianças é o horário do recreio o mais divertido do dia, onde socializam, aprendem, criam, brincam e se divertem.

– Por fim, se não somos nós, professores, que estaremos com os estudantes nesses horários de entrada, da alimentação, quem estará? E daí o secretário Adriano Naves já apontou em uma entrevista que são as funcionárias de escola. A questão é que não há quase mais funcionárias concursadas no município. Há trabalhadoras terceirizadas que já são colocadas a todo o tempo em desvio de função, cuidando o portão, pintando escola, auxiliando no recreio… e o que ele quer é dar mais uma atividade pras trabalhadoras terceirizadas? Mais uma atividade que vai fazer parte do rol do desvio de função? Já há poucas trabalhadoras (que sofrem a todo o tempo com falta de pagamento, VA, VT, com demissões, etc.) pra dar conta da limpeza e de fazer a alimentação dos estudantes, e trabalhadoras que não têm formação e nem obrigação de dar conta da alimentação das crianças!

Isso é o que estamos enxergando de imediato com o projeto de desmonte da educação, de Marchezan e Adriano Naves. Sabemos que o buraco é muito mais profundo e envolve repasse de verbas para os seus amigos empresários da educação e meritocracia pras professoras e professores. Já saiu até mesmo uma matéria falando de uma “prova” que medirá índices no ensino fundamental e na educação infantil, quem fará essa prova? Queremos essa prova? Em nenhum momento fomos consultados. Marchezan e Adriano Naves veem a escola como uma empresa que precisa de indicadores, metas… na realidade sabemos bem o que precisamos: condições para os estudantes aprenderem. E isso não se resolve com provas e culpabilizando professores, isso se resolve com moradia, saneamento, saúde, estrutura de RH e física em nossas escolas.

O prefeito e o secretário de educação Adriano de Brito defende mudanças no sistema de educação. Você é a favor de alguma mudança? O que tem de mudar? 

Tzusy Estivalet: Nós, professoras e professores, somos totalmente contra. E a comunidade escolar como um todo, também está se colocando contra na medida em que está conhecendo o que é realmente a proposta. Temos conversado com as famílias e a indignação é enorme. As mudanças têm que acontecer, sim, mas têm que acontecer na educação e pra além da educação… Precisamos de moradia, lazer, saúde, saneamento, assistência social… São essas as mudanças que precisamos, condições de vida para as famílias. Precisamos de mudanças no interior da escola também… Precisamos de RH, precisamos de funcionárias valorizadas e que não fiquem todo o mês desesperadas sem saber se receberão ou não, se serão demitidas… porque sofrem com a terceirização. Precisamos de estrutura… as escolas de ensino fundamental passaram a ter muitas turmas de educação infantil pra dar conta, em função do Plano Municipal de Educação/Plano Nacional de Educação e não colocaram uma pracinha a mais, um brinquedo. Temos turmas de educação integral sem estrutura mínima, onde as crianças dormem em colchonetes finíssimos no inverno, guardam seus cobertores e lençóis todos juntos, facilitando a infestação de piolhos e outras doenças. Isso pra além dos dias de chuva, que chove dentro das escolas, da falta de vidros, ventiladores que não funcionam, rede elétrica velha, falta de material, etc. Precisamos de valorização e diálogo, e não de um projeto que nos é imposto de forma vertical, sem nenhuma consulta a comunidade escolar. O que precisamos, nós, comunidade escolar, sabemos há muito tempo.

Faz pouco mais de 5 dias que o prefeito surpreendeu a categoria com este decreto. Como foram esses dias e como a categoria está reagindo?

Tzusy Estivalet: A resposta da categoria foi imediata. Houve uma reunião de diretores no SIMPA (Sindicato dos Municipários de Porto Alegre) no mesmo dia e no outro, já estávamos, diretores e professores na SMED, 7h30 da manhã. Nesse primeiro dia o governo já reagiu com muita truculência. Foi montado um operativo da Guarda Municipal em conjunto com a brigada militar para que o secretário saísse da SMED: levamos empurrões, spray de pimenta e uma professora que estava no movimento foi presa. Vários colegas alegaram ter tido seus comentários apagados e seus perfis bloqueados na página do Marchezan nos primeiros dias. Os outros dias que seguiram foram de mobilização e luta. A categoria está vendo o tamanho do ataque que está colocado e que esse é apenas o início. Fizemos greve 3 anos seguidos e aprendemos muito no movimento. A nossa categoria é de luta, combativa, não iremos permitir que avancem com esse projeto de desmonte.

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Você sabe se há outros ataques em curso contra os servidores municipais? 

Tzusy Estivalet: Sim. Há muitos. Desde a falta de material, falta de equipamentos de proteção, estruturas insalubres em banheiros e refeitórios até o corte nas horas extras dos trabalhadores de todas as secretarias, retirada de gratificações, retirada do lanche do operariado e a falta de diálogo entre secretarias e trabalhadores. Tivemos ainda no início desse ano a extinção de inúmeras secretarias (SME, SEDA, etc) e a retirada da gestão do licenciamento ambiental da secretaria de meio ambiente para a secretaria de desenvolvimento econômico, o que já indica a entrega de áreas verdes e de preservação da cidade para as empreiteiras e construtoras “amigas” do prefeito. Os serviços de arborização urbana, poda e cuidado das árvores também foram pra nova Secretaria de Serviços onde serão contratadas empresas terceirizadas para realização, ou seja, não haverá mais concursos e várias carreiras serão extintas. É importante colocar também que inúmeros colegas, trabalhadores terceirizados de várias secretarias, têm tido atrasos salariais e estão ameaçadas de demissão. Há também as investidas de Marchezan contra a Carris, no sentido de privatizá-la e ele não pensa diferente em relação à Procempa. Não é pouco o que está acontecendo e não é só em Porto Alegre. Tem ataques contra o serviço público (extinção de fundações como a FEE e a FZB) e os trabalhadores do estado com Sartori, na região metropolitana – São Leopoldo, Cachoeirinha, Viamão – e no país, e daí é importante citar a luta que os municipários de Florianópolis fizeram junto à população, uma categoria que após 36 dias de greve saiu vitoriosa. É urgente a nossa organização contra os governos de Marchezan, Sartori e Temer, com sua reforma da previdência, teremos muita resistência e luta pela frente.

Sabemos que a situação política nacional está difícil. São muitos ataques aos trabalhadores e os movimentos sociais. Recentemente o governo municipal abriu uma campanha publicitária para disputar o apoio da categoria e da população em relação ao decreto. O que fazer para vencer Marchezan? Qual é a estratégia para resistir aos ataques e contra atacar?

Tzusy Estivalet: Precisamos conversar com as comunidades. Construir junto às comunidades a resistência. Esse ataque não é um ataque somente às professoras e professores, é um ataque à educação pública e, portanto, uma luta que tem que ser da sociedade. E isso está sendo construído. Estamos indo às comunidades explicar o que está acontecendo e as famílias estão indignadas e dispostas a lutar junto. Precisamos panfletar e conversar nas vilas, nas paradas de ônibus, nos utilizar das mídias e redes, explicar às pessoas o que realmente tá colocado. Pra além e junto a isso precisamos de ações que deem visibilidade à nossa luta, nas ruas, e que desbanquem as mentiras desse governo. Não podemos e não iremos aceitar esse projeto de desmonte. Vamos dizer e mostrar ao Marchezan que a escola é da comunidade escolar, quem manda na escola é quem a constrói, é quem vive a escola, são estudantes, famílias, funcionárias e professores.

Estão sendo convocadas mobilizações no dia 8/3 e 15/3. A primeira é uma manifestação internacional de mulheres em razão do dia internacional de luta da mulher. A segunda as centrais sindicais e os movimentos sociais aderiram ao chamado da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) contra os ataques do governo Temer, em especial a reforma da previdência. Há ligação das questões locais com a questão nacional? É possível mobilizar os professores para lutar nessas datas? 

Tzusy Estivalet: Sim, claro que sim. O censo (2015) aponta que 80% dos professores e professoras somos mulheres na educação básica. É esse professorado que tem tocado uma boa parte das lutas em nosso país e a reforma da previdência nos atinge diretamente! No 8 terão mobilizações o dia inteiro em Porto Alegre, entre elas, tem o chamado para o ato do 8M, que vai ser às 18h, na esquina democrática. Esse é um ato contra a reforma da previdência de Temer e contra a violência às mulheres… a precarização da vida das mulheres tá colocada. É impossível trabalhar dos 16 aos 65 anos ininterruptamente pra se aposentar levando a integralidade salarial. Não temos outra saída possível, temos que nos unir para lutar, se não trabalharemos até morrer! O dia 15 também é importantíssimo… no país inteiro, nós trabalhadoras e trabalhadores, iremos somar forças contra a reforma da previdência, que tira o futuro dos trabalhadores e das próximas gerações, dos filhos da classe trabalhadora. Os nossos direitos, historicamente conquistados, estão sendo retirados e é urgente que consigamos nos organizar para dar respostas à altura. Precisamos estar no 8, precisamos estar no 15, mas precisamos também conversar nas comunidades, conversar com colegas e vizinhos sobre os ataques que estão colocados, deixar nítido as falácias dos governos tanto sobre a educação municipal, quanto sobre a reforma da previdência e os demais ataques que estão por vir. Não é a toa que querem nos calar com a Lei da Mordaça, temos muita capacidade pra fazer crescer e fortalecer a nossa resistência.

Foto: Flickr do SIMPA.