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EDITORIAL

Sobre Amor&Sexo: quando a Globo se rende à diversidade!

“O Brasil é o país que mais mata travestis, transexuais, homossexuais e bissexuais no mundo. Isso tem que acabar. Basta! Só assim podemos nos redimir… Bendita, Geni!” (Liniker nas cenas finais da edição de Amor&Sexo no dia 02/03/2017)

Ontem, o programa Amor&Sexo da rede Globo, conhecido por abordar temas polêmicos da esfera dos costumes, dessa vez se dedicou à diversidade de gênero e orientação sexual.

Essa edição contou com a presença de figuras já conhecidas e que são referências para milhares de pessoas LGBTs no Brasil, como Liniker, MC Linn da Quebrada, Assucena Assucena e Raquel Virgínia, ambas vocalistas da banda “As bahias e a cozinha mineira” dentre outras.

Esse time deu uma aula em rede nacional sobre as diferenças entre sexo e gênero e orientação sexual. Além do básico, de forma muito didática, o programa exemplificou as múltiplas possibilidades do gênero, na forma binária, transitória ou não binária, que se expressam na realidade. Além disso, foi contundente na denúncia contra a hipocrisia das ideologias relacionadas à “moral e os bons costumes”, responsáveis por fazer do Brasil o país que mais mata LGBTs em todo o mundo. E tudo isso, cruzando os temas das opressões às pessoas LGBTs, com o machismo e o racismo. “Bicha preta, tra, tra, tra…”

Enfim, sem dúvida, essa edição do programa foi um marco para a televisão brasileira e terá impacto na vida de milhões de jovens oprimidas nas largas avenidas dos grandes centros urbanos ou nas esquinas escuras dos interiores esquecidos desse grande Brasil.

Há pouco tempo atrás parecia impensável que na TV brasileira fosse dito que o sexo não pode aprisionar o gênero e que a diversidade múltipla do gênero, bem como da orientação sexual é natural e deve ser respeitada e festejada.

Não é à toa que na internet não faltaram comentários emocionados. Nesse dia 2 de março, logo após a enxurrada de glitters de hipocrisia, opressões nas ruas e muita resistência no carnaval, a pauta pela visibilidade, em especial para travestis, transexuais e todas as formas distintas de expressão do gênero foi vitoriosa.

Não podem fingir que não existimos!

Durante muitos anos a pauta de luta das LGBTs em todo o mundo se centrou, junto com a batalha contra a violência cotidiana, na defesa do direito à visibilidade. Essa pauta, apesar de básica e muitas vezes banal, é a grande demonstração do horror imposto pelas ideologias opressoras à humanidade. Aquilo que é óbvio para uma pessoa cis, hétero, branco e rico para nós que somos pretas, pobres, trans e travestis e da periferia, não é: existir!

A sociedade, para impor padrões de comportamento criou ideologias perversas. O capitalismo para aumentar suas taxas de lucro decidiu por mantê-las e, em muitos casos, como o racismo no Brasil, se nutre fundamentalmente do preconceito para se desenvolver e acumular capital. Mas como a discriminação de qualquer tipo é uma ideologia, é uma representação distorcida do real, é responsável por um dos maiores atrasos no desenvolvimento das potencialidades humanas.

No caso da diversidade de gênero e orientação sexual, além das performances diversas do desejo e da expressão humana, essas ideologias se valem de negar o diferente e rotulá-lo como antinatural, um risco à própria humanidade de conjunto. Isso é responsável não só por assassinar milhares de pessoas todas os anos em todo o mundo, mas de matar milhões e milhões de possíveis seres humanos dentro das suas múltiplas expressões limitando aquilo que são e submetendo-os à vidas duplas, marginalizadas ou aprisionando-os em corpos e armários que não são os seus.

É assim como passamos a ser encaradas como doenças, trancafiadas nas sombras, no profundo da noite luxuriosa de uma sociedade hipócrita castrada nos seus desejos. Portanto, não é por sermos limitadas em nossas pautas, que partimos da luta para que a sociedade reconheça que existimos. Mas sim porque a opressão é tão forte que nesse aspecto residimos ainda em níveis de atrasos milenares. Assim nascem as paradas do orgulho LGBT, uma forma de gritar ao mundo quem somos e que temos orgulho do que somos.

Portanto, quando conquistamos algum espaço, independente de qual seja, com nossas próprias vozes e podendo falar em nome das nossas próprias dores e delícias, devemos ficar contentes.

Nenhuma confiança na Globo e nos encantos dos ricos e poderosos!

A Globo, uma das fiadoras do golpe parlamentar que ainda ressoa no país, também partícipe do golpe de 1964 que perseguiu não só as organizações de esquerda, mas também LGBTs, não merece a nossa confiança.

O que aconteceu ontem só foi possível pela luta e resistência travada todos os dias, nas ruas e periferias do Brasil. Sem as manifestações contra Feliciano, Bolsonaro, a Cura Gay, ou as batalhas cotidianas, coletivas ou individuais, sobre o direito ao corpo e à livre expressão do gênero, isso não seria possível. A Globo, assim como o restante da burguesia, tem sido obrigada a nos incorporar. Mas não podemos subestimar nossos inimigos!

Com uma mão a burguesia finge reconhecer sua derrota e se render à “novidade” ao “século XXI”, mas faz isso com a estratégia de domesticar a revolta do gênero e da orientação sexual. O real objetivo do capitalismo é reagir de forma democrática às pautas LGBTs, sem garantir concessões reais. Ao mesmo tempo em que a Globo ou outras emissoras abrem mais espaço para nós LGBTs elas têm financiado um enorme pacote de ajustes que têm feito vítimas, em primeira lugar, negras, pobres e periféricas, além de todos os setores oprimidos.

Sendo assim, diante dessa vitória a tarefa das oprimidas pelas ideologias dominantes sobre gênero e orientação sexual é de se apropriar da vitória para exigir mais e mais. Nunca se satisfazer com migalhas, por mais encantadoras e brilhantes que essas sejam.

Os limites da visibilidade e a ideologia do empoderamento

São grandes os limites impostos por um programa comandado por Fernanda Lima, conhecida por desfilar com suas babás negras, em uma emissora golpista. Não param em não dar qualquer visibilidade às lésbicas, como ocorreu ontem.

Como dissemos antes, para domesticar a revolta, esses setores têm um nítido programa político e cultural. Ontem durante a edição de Amor&Sexo não faltaram referências ao empoderamento como sendo a forma de superação das opressões.

O  empoderamento que é de fato capaz de livrar a humanidade do julgo das opressões é o que ataca os interesses dos setores que se beneficiam dessas. Portanto, é o empoderamento da classe dos explorados, do povo pobre junto com seus setores mais oprimidos que terá condições de superar de fato as opressões, pois a liberdade só pode ser experimentada de fato quando é coletiva.

Com o objetivo de se apropriar dos sonhos de “poder” que nutrimos, a burguesia torna a liberdade de gênero e orientação sexual em mercadoria. É assim que passam a se nutrir com coleções de roupas, maquiagens, viagens e etc, como se a visibilidade trans/travesti e homo e lésbica no mercado fosse o sentido fundamental das nossas lutas.

O sentido geral de cada vitória que alcançamos no terreno da visibilidade deve servir para, além de denunciarmos que estamos sendo mortas todos os dias, nos fortalecer para seguir no objetivo de não apenas negociar espaços para botar nossa cara no sol, mas para conquistar uma sociedade anticapitalista onde o sol seja de fato para todas, sem  opressões e exploração.

Foto: Isabella Pinheiro | Gshow