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EDITORIAL

Novo FRONTEX: mais guerra contra os refugiados e imigrantes na União Europeia

Por Candelaria Vargas, de São Paulo(SP)

No sábado, 18 de fevereiro, uma manifestação gigante de apoio aos imigrantes nas ruas de Barcelona reuniu cerca de 160.000 pessoas. Os manifestantes denunciaram as promessas não cumpridas do governo Rajoy para acolher 17.000 refugiados na Espanha.

Em torno de mil deles entraram legalmente no país depois de 2015.  Com a crise dos refugiados daquele ano, os países membros da UE decidiram um plano de relocalização para aliviar os países de “primeira acolhida” como Itália, Grécia e Hungria. Mas hoje se constata que o plano não foi cumprido.  Como explicar esse fracasso da politica de migração na Europa, considerada desde o fim da Segunda Guerra Mundial como a “terra dos Direitos Humanos”?

Desde a sua criação, a política da UE em matéria de migração foi construída com dois eixos principais: o controle dos fluxos migratórios e a política de asilo, esta última entendida como a proteção dos direitos das pessoas em perigo.

Para entender como funciona o fluxo migratório na Europa é necessário começar por entender a área ou espaço Schengen[1]. Ele foi estabelecido em 1985, através de uma convenção entre países europeus em base a uma política de abertura das fronteiras e livre circulação de pessoas entre os países signatários. Um total de 30 países, incluindo todos os integrantes da União Europeia (exceto Irlanda e Reino Unido) e três países que não são membros da UE (Islândia, Noruega e Suíça). Liechenstein, Bulgária, Roménia e Chipre estão em fase de implementação do acordo. Em 2 de outubro de 1997, a convenção de Schengen passou a fazer parte do quadro institucional e jurídico da União Europeia, pela via do Tratado de Amsterdã.

A partir da década de 2000, reforçada pelos ataques de 2001, a política de migração da UE se transformou em uma política de segurança, ligando a migração com o terrorismo. O objetivo torna-se então, retardar a migração para União Europeia de várias maneiras: 1) reforçando o controle das fronteiras externas da EU; 2) criminalizando e reprimindo a imigração clandestina; e 3) terceirizar essa repressão. Em suma, transformar a UE numa fortaleza.

Assim, em 13 de dezembro de 2007, o Tratado de Lisboa modificou as regras jurídicas do espaço Schengen, reforçando a noção de um “espaço de liberdade, segurança e justiça”, que vai além da cooperação policial e judiciária e visa a implementação de políticas comuns no tocante à concessão de vistos, asilo e imigração, mediante substituição do método intergovernamental pelo método comunitário.

A Frontex

Em 2005 a UE criou a Frontex, uma agência responsável pela coordenação das atividades de segurança em suas fronteiras, para implementar seu objetivo de fechar suas fronteiras europeias aos imigrantes e refugiados. A Frontex tem recursos financeiros significativos que, em parte, vêm dos orçamentos da UE, mas funciona como um negócio autônomo.

No final de 2016, em resposta à crise migratória de 2015, quando 1,5 milhão de pessoas tinham atravessado ilegalmente as fronteiras externas da EU, a Frontex foi reestruturada e re-nomeada “Corpo Europeu de Guardas de Fronteira e Guardas Costeiras”. O seu papel ficou reforçado com novos poderes, missões e recursos.

Mais orçamento e pessoal

 No ano passado, o orçamento da Frontex triplicou. Em uma entrevista, o seu diretor especificou que o orçamento da Agência para 2017 seria de € 320 milhões, sendo que em 2015 foi de € 142 milhões.

Até agora, cerca de 660 agentes da Frontex foram implantados na Grécia, 550 na Itália e 200 na Bulgária, perto da fronteira turca. Dezenas de policiais foram enviados para locais-chave como aeroportos, por exemplo. O número total dos guardas de fronteira que a agência pode implantar – atualmente são 1500 – vai aumentar[2].  Além disso, a Frontex possui também 19 barcos na Grécia e 6 na Itália. Com isso pode chamar rapidamente a guarda costeira ou guardas de fronteiras nacionais como reserva, bem como solicitar equipamentos técnicos que os Estados-Membros da UE são obrigados a disponibilizar.  A nova agência também pode adquirir o seu próprio equipamento sem a aprovação das autoridades da UE.

Frontex também tem uma força de ação rápida. Se as fronteiras externas do espaço Schengen estiverem sob pressão, equipes de resposta rápida podem ser destacadas para fins de segurança. Para isso basta o pedido de um Estado membro de Schengen ou a decisão do Conselho da UE.

Com um orçamento anual de € 100 milhões para operações marítimas, a Frontex já é a maior agência europeia do setor. No ano passado, ela foi envolvida em mais de 430 operações no mar Mediterrâneo, embora estas operações não fossem de sua competência.

Expandindo suas missões

Monitorar as fronteiras externas da UE é uma coisa, mas as políticas de migração europeias visam a manter os exilados/imigrantes o mais longe do coração do espaço Schengen e, se possível, isolados. Ou seja, o objetivo é o de concentrar os exilados nos países da chamada “primeira chegada”, em que, muitas vezes, seus direitos fundamentais não são respeitados.

A Frontex acrescentou seu papel na coordenação das operações de expulsão dos imigrantes irregulares para os seus países de origem, incluindo a organização concreta de retornos forçados através do financiamento de vôos comuns desde os estados do espaço Schengen.

A isso se soma a missão de “prevenir a criminalidade transfronteiriça e a luta contra o terrorismo”, tendo a capacidade de recolher mais dados sobre os imigrantes suspeitos de crimes ou imigrantes ilegais acessando bases de dados policiais. Essas avaliações alimentam os preconceitos xenófobos que assimilam erroneamente estrangeiros a potenciais ameaças à segurança interna. A agência atua como um “filtro” entre o que é e o que não é o espaço Schengen.

 Mais autonomia e poderes

A agência pode agir mais rapidamente nas fronteiras externas da UE, com base na sua própria avaliação da “vulnerabilidade” dos Estados membros medida em número de imigrantes que tenham atravessado ilegalmente as fronteiras externas. A União Europeia quer intervir através da Frontex em países mesmo que ele não peça assistência.

Mas a Frontex pode também enviar agentes fora da UE e lançar operações conjuntas com países que não fazem parte da UE, realizando, por exemplo, uma cooperação com a Turquia e acordos de cooperação com a Líbia e Egito.

Isto irá permitir que a Frontex possa interceptar imigrantes e refugiados no Mediterrâneo e  desembarcá-los no “porto seguro mais próximo”, que pode ser no Marrocos, na Tunísia, Argélia ou Turquia, onde graves violações de direitos persistem para nacionais e estrangeiros.

Campos fechados, para imigrantes

O número de imigrantes e refugiados mortos no Mar Mediterrâneo segue aumentando[3] e as violações dos direitos humanos e a violência contra eles têm aumentado tanto nas fronteiras, como nos centros de triagem chamados Hotspots ou “pontos quentes”.

Hoje a Europa pretende estabelecer grandes campos de refugiados fora da EU, onde os imigrantes seriam transportados e forçados a ficar o tempo que for necessário para que seus pedidos de asilo sejam revistos. Essa ideia foi defendida pelo primeiro ministro húngaro, de extrema direita, Viktor Orbân, mas hoje é a política da U.E. A Frontex participa da organização desses campos.

Essa política promovida pela Comissão Europeia (Governo Executivo da UE) desde a Primavera de 2015 – e implementada gradualmente a partir de fevereiro de 2016 -, foi apresentada como a solução para a “crise de imigrantes”. Os campos de triagem nas ilhas gregas e Itália deviam permitir maiores expulsões de boat people (refugiados que chegam de barco).  As ilhas gregas tornaram-se grandes áreas de confinamento forçado, com mais de 60.000 exilados lotados em acampamentos descritos por unanimidade, como de condições desumanas.

Um negócio lucrativo

A política europeia de ‘isolamento dos imigrantes’ provocou o surgimento de um verdadeiro “mercado da segurança migratória” o qual se tornou um ramo muito rentável para uma serie de empresas multinacionais. Numerosas empresas privadas, profissionais da segurança e de prestação de serviços variados, tais como administração dos campos, etc, surgiram na UE nos últimos anos.

Acordo UE-Turquia

O reconhecimento da Turquia como um “país seguro” – um país que se preocupa com os seus cidadãos – e o acordo com Erdogan em março de 2016, tem o objetivo de retornar os refugiados que pedem asilo, na Turquia. Os imigrantes terminam ficando no país numa situação de total incerteza, em estado de ansiedade crescente, obrigados a viver na miséria durante meses nos campos superlotados.

O informe da Anistia Internacional, «A Blueprint for Despair», faz menção de expulsões ilegais dos requerentes de asilo para Turquia, em flagrante violação ao direito de asilo, que compreende o direito de não expulsão.

Conclusões

 Hoje a Frontex é um “super órgão de controle”. É importante denunciar a falta de transparência das suas atividades e a falta de controle dos parlamentos europeus e nacionais sobre a agência. Não existe, por exemplo, nenhum organismo independente que possa se opor a uma medida tomada pela Frontex. Com essas novas restrições, a imigração clandestina vai aumentar e piorar ainda mais a situação dos imigrantes.

Assim, a guerra contra os imigrantes continua. É o resultado de uma política consciente e deliberada pela UE durante vinte anos. A crise dos imigrantes de 2015 só serviu para destacar e reforçar os seus piores aspectos. Esta guerra tem que acabar. Isso só será possível pela crescente mobilização de milhões de pessoas e de organizações sociais e políticas no mundo todo.

Nenhuma pessoa é ilegal!

Entrada irrestrita para todos os refugiados e migrantes !

Livre circulação de todos migrantes, na Europa e no mundo!

[1] O acordo de Schengen foi assim denominado em alusão a Schengen, localidade luxemburguesa situada às margens do rio Mosela e próxima à tríplice fronteira entre Alemanha, França e Luxemburgo (este último representando o Benelux – acordo entre a Bélgica, Holanda e Luxemburgo, onde já havia a livre circulação)

[2] Todos os dados deste artigo são extraidos dos últimos documentos publicados pelo Centro Migreurop. www.migreurop.org

[3] Segundo as cifras da Organização Internacional das Migrações (OIM), quase 360.000 pessoas conseguiram chegar às costas europeias pelo mar mediterraneo, em 2016.  No mesmo tempo, quase 5.000 pessoas moreram no mar, tentando entrar na Europa.  Em 2013, foram 59.421 pessoas; em 2014,216.054 pessoas; em 2015: 1.012.275 pessoas; e em 2016: 358.156 pessoas.

Já o número de mortos e desaparecidos, em  2013, chegaram a 600 pessoas;  em, 2014, 3500 pessoas;  em 2015, 3771 pessoas; e, em 2016, 4901 pessoas. Fonte: https://twitter.com/afpfr/status/810194603840110596/photo/1?ref_src=twsrc%5Etfw.