Por André Foca, professor, militante do #MAIS e folião nas horas vagas
O carnaval é, sem dúvida alguma, uma das manifestações culturais mais populares e importantes do Brasil. Isso não é uma afirmação qualquer, uma vez que se percebe o quanto esta comemoração alimenta o imaginário do brasileiro e é ponto de partida para muitas das mais relevantes contribuições artísticas em seus mais diversos campos. Infelizmente, a mercantilização do carnaval e as tentativas de elitizar aquilo que é popular fazem com que esta festa se torne um produto para poucos. É isso que aconteceu em Piracicaba, interior de São Paulo, no último dia 18 de fevereiro.
Como se sabe, é muito comum que os finais de semana que antecedem o carnaval sejam recheados por festas e blocos de rua que fazem a alegria no “pré-carnaval” de diversas cidades do país. Em Piracicaba há mais de vinte anos os blocos de rua podiam se encontrar no popular “Desfile da Sapucaia”, festa que tinha como ponto de partida uma enorme árvore que fica ao lado do estádio de futebol do XV de Piracicaba (mais popular e piracicabano que isso, impossível). O problema é que, neste ano, prefeitura e organização do “Bloco da Sapucaia” anunciaram que o popular desfile passaria a ter a cobrança de entradas e vendas de abadás, com a criação de “áreas VIPs” e outras medidas, como a proibição da entrada com bebidas alcóolicas e um forte aparato de segurança para revistar todas as pessoas ao entrar nos espaços reservados para a festa.
Isto não é um caso isolado: nos últimos meses, prefeitura (há mais de 12 anos nas mãos do PSDB), Guarda Civil Municipal e Polícia Militar intensificaram a repressão contra a juventude da periferia, coibindo a realização dos “rolezinhos” em diversos pontos da cidade. Está em curso uma explícita campanha de higienização social, marcada pela segregação social e pelo preconceito contra a juventude negra da periferia. A tentativa de elitizar o carnaval é apenas mais uma amostra do quanto se pretende criar uma cidade para os ricos, evitando a todo custo que os mais pobres estejam presentes nos cartões postais da cidade.
Para dar uma resposta a tudo isso, um grupo de moradores, ativistas de movimentos sociais e foliões resolveram criar um bloco alternativo ao Desfile da Sapucaia e assim nasceu o bloco “Pira Pirou” e o tema do desfile deixou claro o recado para o poder público: “Nóis num vamo pagaR nada!”. Segundo Bruno Spadotto, um dos organizadores do evento, a ideia foi “resgatar o espírito democrático e libertário do carnaval em Piracicaba”. Ao longo do desfile foram feitas diversas falas que ressaltavam a indignação com a tentativa de cobrança para participar do carnaval, além de críticas ao atual momento político do país e à Secretária de Cultura, Rosângela Camolesi.
Durante a concentração, em uma tentativa de intimidação e desrespeito ao direito de livre manifestação da população, a polícia militar notificou a organização e alegou que o carro de som contratado para o desfile não poderia acompanhar o bloco, sob o risco de pesada multa. Após certo impasse o bloco decidiu manter o trajeto combinado mesmo sem o carro de som, e aí a espontaneidade e alegria dos foliões mostrou sua força: ao longo de todo o cortejo os participantes cantaram sambas, marchinhas e palavras de ordem (como o Fora Temer!). Na base do improviso, mais um pouquinho da essência do carnaval de rua foi resgatada pelos foliões, que encerraram a festa com o grupo de maracatu “Baque Caipira”, que recepcionou o bloco no Largo dos Pescadores. Hoje, um dia depois do bloco e com uma leve ressaca, escrevo essas linhas enquanto os jornais locais indicam que o Desfile da Sapucaia teve público muito abaixo do esperado: 1,5 mil pessoas, enquanto a estimativa era de 20 mil participantes[1]. Mais uma amostra de reprovação da população ao jeito tucano de lidar com os problemas das cidades: proibindo e/ou elitizando. Que o carnaval continue como uma festa popular!
[1] http://www.gazetadepiracicaba.com.br/_conteudo/2017/02/canais/piracicaba_e_regiao/469736-sapucaia-desce-a-moraes-barros-com-publico-reduzido.html
Foto: Eduardo DK Rangel – retirado do facebook
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