Gabriel Casoni, da secretaria política do MAIS
Imaginemos um cidadão desatento que, depois de uma viagem de cinco anos ao exterior, sem ter recebido notícia alguma da terra natal, voltasse ao Brasil no início de 2017. Nosso amigo imaginário, ao deparar-se com atual cenário nacional, certamente chegaria à conclusão de se tratar de um quadro surreal.
Muita coisa mudou, e em pouco tempo.
A economia, depois dos anos ilusórios do ‘Brasil-potência’, naufragou numa das piores recessões registradas na história do país, e já ostenta 21 milhões de desempregados ou sub-ocupados. Um governo ilegítimo da direita tradicional comanda a carnificina dos direitos sociais, após o PT ter iniciado os trabalhos com Joaquim Levy.
A bem da verdade, o processo político-social que culminou no golpe parlamentar foi a antítese de Junho de 2013: as camadas médias da sociedade giraram à direita e a classe trabalhadora, perplexa com a crise e sem alternativa à esquerda, ficou paralisada no momento decisivo. Abriu-se, assim, pelo menos desde março de 2015, uma correlação de forças desfavorável.
No presente momento, como sintoma da situação adversa, temos um monstro da extrema-direita, Jair Bolsonaro, que aparece na segunda posição, em citações espontâneas, nas pesquisas de opinião para a Presidência da República.
Há resistência, porém. E devemos valoriza-la. Os estudantes das escolas e universidades demonstraram capacidade de combate na onda de ocupações em 2016. Os trabalhadores, em inúmeras greves dispersas pelo país, protagonizam batalhas pelo emprego e salário. As mulheres, os negros e as LGBT´s deram também diversos exemplos de mobilização contra a opressão e a violência.
Mas as lutas não tiveram força, até aqui, para inverter a inflexão negativa do quadro político-social. Em realidade, o governo Temer adquiriu relativa estabilidade nos últimos meses, ao compor uma ampla maioria no Congresso e receber firme apoio da burguesia para a aplicação das contrarreformas.
A instabilidade, entretanto, ainda marca a situação política nacional. A começar pelo cenário econômico de dois anos de contínua e profunda recessão. No âmbito político, a falta de legitimidade popular de Temer e as ações da Lava Jato são fatores de inquietação para o governo. E do ponto de vista social, a bronca popular contra os “políticos” e o mal estar crescente da população com os efeitos da crise econômica aquecem a temperatura.
A principal vantagem da classe dominante, na presente conjuntura, reside na debilidade ‘dos debaixo’ em responder com coesão e unidade à ofensiva do capital. Essa fragilidade, por sua vez, explica-se, fundamentalmente, pelo trágico papel desempenhado pelo PT. Desiludido com sua antiga direção, o proletariado, inclusive seus setores mais avançados, encontra-se, de modo geral, desorganizado em termos de ação política.
Num quadro sintético: a burguesia está unificada em torno do programa econômico de Temer, embora haja diversas escaramuças políticas entre suas frações; as camadas médias seguem situadas, majoritariamente, à direita no espectro político; e a classe trabalhadora, embora descontente com Temer, não encontra forças e perspectivas, até o momento, para a mobilização política de massas.
Dinâmica e tarefas
A classe dominante aposta no fim de recessão econômica em 2017 e quer garantir Temer até 2018. As turbulências suscitadas por Trump, os sinais não muito animadores da demanda externa e a espiral recessiva da dinâmica interna, porém, produzem muitas incertezas.
Mesmo que o cenário econômico mais favorável venha a se confirmar, é provável que o desemprego e as condições dos serviços públicos continuem a piorar no decorrer do ano. O mal estar social tende, portanto, a subir.
O centro da agenda política de Temer, para o primeiro semestre, é a aprovação da Reforma da Previdência, seguida da Trabalhista. A batalha estratégica do governo e do grande empresariado responde pelo nome de ajuste neoliberal, que atende à necessidade de impor um novo patamar de exploração da força de trabalho. A burguesia aposta suas fichas aí.
A Lava Jato, por seu turno, segue sendo funcional para o regime de dominação, ainda que venha a causar esse ou aquele estremecimento político indesejável ao governo. A emergência dessa operação institucional, baseada no Judiciário e na Polícia Federal, que aparece perante a população como a salvação dos males da corrupção, confere credibilidade ao Estado num momento de desprestígio do Executivo e do Legislativo.
Nesse contexto geral de ofensiva do capital, a classe trabalhadora, a juventude e as camadas populares inevitavelmente se verão impelidas a defenderem-se dos duríssimos ataques em curso. As lutas de resistência não se deterão e podem, em determinadas circunstâncias, se radicalizar.
O desafio e a maior dificuldade, porém, é o de construir o processo de unificação, coesão e organização da resistência popular.
Nesse sentido, é necessário – e urgente – que o conjunto da esquerda, dos movimentos sociais e sindicais, a despeito de todas as diferenças políticas existentes, estabeleçam uma Frente Única para derrotar Temer e suas reformas neoliberais. Mais do que nunca, é hora de unidade para lutar. O primeiro passo é organizar a luta contra a Reforma da Previdência.
Por outro lado, o combate político e ideológico à extrema direita é indispensável. Com a crise econômica e a descrença na política tradicional, e também com a desmoralização do que era considerado o maior partido de esquerda do país, o PT, sem que uma nova nova alternativa de esquerda tenha ocupado o espaço em aberto; ideias e lideranças de extrema direita ganharam terreno fértil.
Por fim, e não menos importante, trata-se da tarefa de construir uma alternativa política ao PT. O programa de conciliação de classes para a gestão do capitalismo brasileiro, que resultou no Ajuste Fiscal e depois no Impeachment de Dilma, pretende voltar repaginado, via a proposta da Frente Ampla, com a possível candidatura Lula em 2018.
O PSOL, MTST, PCB, PSTU, sindicatos e movimentos sociais combativos, intelectuais marxistas etc., podem e devem juntar forças na construção de um Bloco da Esquerda Socialista que ofereça um programa de ação alternativo ao PT. O MAIS (Movimento por uma Alternativa Independente e Socialista) aposta nessa perspectiva e coloca suas modestas forças a serviço dessa tarefa.
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