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BRASIL

O lucro acima da vida

São Paulo – Reitegração de posse de terreno em São Mateus, zona leste.(Rovena Rosa/Agência Brasil)

EDITORIAL 19 DE JANEIRO | As retroescavadeiras trabalharam durante toda a tarde. As casas simples, quase todas feitas de maderite desmanchavam no ar. Móveis, roupas, documentos pessoais… muita gente teve que procurar os próprios bens entre os escombros, a PM de São Paulo tinha pressa.

No dia 17 de janeiro a desocupação de um terreno em São Matheus, Zona Leste de São Paulo trouxe à tona o drama da moradia na capital paulista. O direito à moradia, ou a ausência dele é um tema antigo, que ganha contornos cada vez mais cruéis em tempos de crise econômica.

Já na década de 50 o sambista Adoniran Barbosa retratava na famosa letra Saudosa Maloca a elitização, o poder do dinheiro e o drama do despejo. “Se o senhor não tá lembrado, dá licença de contá, que acá onde agora está, esse edifício alto, era uma casa véia, um palacete assobradado” (…) “Mas um dia, nós nem pode se lembrá. Veio os homis com as ferramentas. O dono mandô derrubá ” (…)  que tristeza que nós sentia, cada táuba que caia, doía no coração (…) “os homi tá com a razão, deus dá o frio conforme o cobertor”.

A ideologia dominante retratada na música de Adoniran e confirmada todos os dias é a de que quem manda é o dono, ocupar é ilegítimo e o despejo é a aplicação da lei. Vejamos mais de perto a questão.

O déficit habitacional

Entre as cidades com maior PIB do mundo São Paulo aparece em 10 lugar. A maior cidade do hemisfério sul tem um gigantesco déficit habitacional. Segundo dados apresentados pela Prefeitura em 2013 faltam 670 mil  domicílios em São Paulo , já o levantamento divulgado pelo jornal o Estado de São Paulo fala em 890 mil famílias vivendo em situação precária, em áreas de risco, sem saneamento básico ou em locais impróprios.

Morar é um direito

A moradia é um direito reconhecido desde 1948 pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. No papel está dito que o Estado tem obrigação de prover e proteger este direito. A Constituição de 88 também prevê no seu artigo 5 inciso XXIII que a propriedade deve cumprir a sua função social.

São Paulo tem 2 milhões de metros quadrados de imóveis e terrenos ociosos, sendo  63% são edifícios, 26% terrenos vazios e 11% são imóveis com construções consideradas inadequadas ou insuficientes. Todos esses imóveis estão bem longe da determinação legal: não cumprem a função social da propriedade.

Resistência

Olhando mais de perto a questão fica evidente a ilegitimidade da prisão de Guilherme Boulos, líder o MSTS detido nesta terça feira. A resistência que, segundo a PM é crime, no estrito cumprimento da lei é apenas a efetivação de um direito. Definitivamente o poder judiciário não é cego como sugere o símbolo da justiça. O seu lado está bastante evidente.

Foto: Rovena Rosa