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Precisamos falar da opressão às pessoas com deficiência

Travesti Socialista

Travesti socialista que adora debates polêmicos, programação e encher o saco de quem discorda (sem gulags nem paredões pelo amor de Inanna). Faz debates sobre feminismo, diversidade de gênero, cultura e outros assuntos. Confira o canal no Youtube.

Por Travesti Socialista, colunista do Esquerda Online.

‘Retardada’, ‘imbecil’, ‘idiota’, ‘lesada’, aleijada’, ‘louca’, ‘maluca’, ‘doida’, ‘cretina’, ‘babaca’, ‘da Lua’, são muitos os xingamentos sociais que se referem às pessoas com alguma deficiência física, mental ou sensorial.

Na nossa sociedade, é considerada uma ofensa, muitas vezes grave, comparar uma pessoa dita ‘normal’ a uma pessoa que possui algum tipo de deficiência. É por isso que esses termos são utilizados no cotidiano, de forma naturalizada, em particular no chamado bullying.

Até mesmo os sons tipicamente emitidos por pessoas com deficiência mental são utilizados como gozação ou humilhação alheia.

O capacitismo, ou seja, a opressão contra pessoas com deficiência, continua, infelizmente, sendo invisibilizado. Muitas pessoas questionam se capacitismo seria realmente uma opressão ou se é apenas um ‘preconceito’.

Esse questionamento, na maior parte das vezes, parte da ignorância. Mas não é necessária uma pesquisa muito profunda, nem um esforço intelectual muito grande para chegar à conclusão que, de fato, o capacitismo é uma forma de opressão.

Uma pincelada na história do capacitismo

Na Antiguidade, o tratamento dado às pessoas com deficiência variava muito de civilização para civilização. Em Atenas, por exemplo, havia a cultura de que tratar pessoas diferentes de forma igual era uma forma de injustiça. Sendo assim, as pessoas com deficiência eram amparadas e protegidas.

No Egito Antigo, os registros históricos mostram que as pessoas com deficiência eram integradas na sociedade – como havia uma diversidade de funções, elas encontravam funções adequadas às suas condições.

Em Esparta, recém-nascidos destinados a serem guerreiros eram apresentados a um Conselho de Espartanos, que avaliaria se o bebê era considerado ‘normal’ e forte. Se fosse, era devolvido à família para ser cuidado até os sete anos, quando seria entregue ao Estado e transformado em um guerreiro. Se, pelo contrário, a criança fosse considerada ‘anormal’, ‘deficiente’ ou ‘disforme’, ela era levada ao Apothetai (que significa ‘depósito’), que era um abismo onde a criança era jogada.

Em Roma, não havia uma execução institucional de crianças com deficiência, mas era comum que elas fossem abandonadas, ainda bebês, à margem de lagos e rios, onde seriam adotadas por pessoas escravas ou pobres.

Como pode ser visto nos próprios textos bíblicos, o cristianismo surgiu questionando a opressão e a exclusão de pessoas doentes e com deficiência. No Templo de Jerusalém, por exemplo, as pessoas com deficiência ou doentes eram obrigadas a entrar por trás, de forma a não entrar em contato com o resto do povo. Já os sacerdotes, pelo contrário, tinham uma entrada particular na parte superior do templo.

Essa consciência permaneceu nos primeiros séculos do cristianismo. Entretanto, conforme o catolicismo foi institucionalizando-se, tornando-se a religião europeia dominante e aliando-se à monarquia e à nobreza, as pessoas com deficiência passaram a ser encaradas como contaminadas por demônios ou pela ira divina, e eram, por isso, condenadas à tortura e à fogueira.

Essa opressão institucional existia ao mesmo tempo que surgiram algumas instituições de caridade para abrigar pessoas com deficiência – demonstrando uma contradição entre a visão da Santa Inquisição e a visão original do cristianismo.

No século XX, o nazismo condenou pessoas com deficiência à morte em nome do suposto ‘evolucionismo’ e da ‘purificação da raça ariana’. O Governo fazia campanhas como: ‘Um inútil custa ao Governo Alemão 60 mil Reichsmarks até fazer 60 anos de idade. Camarada, este também é o seu dinheiro’.

Grupos de consultores visitavam os hospitais julgando quem deveria ou não viver. Em 1939, foi criado um plano de ‘eutanásia’ involuntária. As pessoas com deficiência eram levadas aos hospitais, despidas e levadas a câmaras de gás. Um modelo de extermínio que foi depois copiado pelos campos de extermínio e concentração nos anos seguintes. Nesses campos, como as pessoas com deficiência eram supostamente menos aptas ao trabalho, em vez de serem forçadas ao trabalho, eram executadas. Estima-se que cerca de 200 mil pessoas com deficiência foram executadas pelo nazismo.

O capacitismo hoje

Seria ingenuidade acreditar que capacitismo é coisa do passado. Basta uma volta nas ruas para ver o quanto elas não são adaptadas às pessoas com alguma limitação de locomoção. A falta de rampas, as calçadas estreitas, com buracos ou cheias de mato, obviamente não podem ser utilizadas por pessoas que precisam de cadeira de rodas, bengala ou apoio.

Em algumas cidades, apenas parte da frota de ônibus é adaptada à cadeirantes. Em outras, nem mesmo parte da frota é adaptada.

É muito comum uma instituição escolar negar a matrícula de uma pessoa com alguma deficiência mental ou física, como autista, por exemplo. Já os governos, em vez de investirem em formação e adaptação dessas escolas, pelo contrário, incentivam a criação de escolas especiais ou ainda deixam esse trabalho às ONGs.

É um absurdo que a mãe de uma criança autista ou cadeirante tenha que procurar de escola em escola até encontrar uma que aceite a matrícula dela. A tal ‘acessibilidade’ não passa de uma promessa vazia de campanha dos candidatos à cargos políticos.

Por tudo isso, é preciso acabar com o silêncio e a invisibilidade, em defesa da diversidade funcional e motora, pelo fim do capacitismo.

Foto: Travesti Socialista