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BRASIL

Sr Google, Plataformas, Ensino Remoto, COM MEU FILHO, NÃO!

Marinalva Oliveira*, de Niterói, RJ
Reprodução / Facebook pessoal

Gabriel, em manifestação pela Educação, na Câmara Municipal de Niterói

Gabriel tem 14 anos e Síndrome de Down. Durante todos esses anos a nossa luta tem sido intensa para Gabriel ter o direito à educação.

Quando tinha 2 anos de idade compramos mochila, lancheira, cadernos e fomos à procura de escola. Ligávamos para as escolas e marcávamos para conhecer o espaço. Todas no contato telefônico tinham vagas, porém assim que Gabriel adentrava o espaço, a vaga SUMIA. Síndrome de Down tá na cara. Eu não saía da escola antes de fazer aquele discurso, lógico com Gabriel afastado para não presenciar. E assim foi até encontrar uma escola que estava disposta a “aceitar” o Gabriel. Parecia um favor e não um direito.

Fomos caminhando com uma rede de apoio formada pela família, profissionais, grupo de pesquisa. Levei nossa luta para os espaços sindicais, acadêmicos, familiares, ativistas de mães e pais de pessoas com deficiência, encontrei outras mães na luta e me juntei. Sempre tive a certeza que sozinho ninguém avança. Levamos a pauta das pessoas com deficiência para o ANDES, PSOL, Programa de Pós Graduação etc… enfim, feliz por saber que muitos estavam dispostos a seguir e outros já estavam fazendo a luta….

E assim Gabriel foi avançando, passando de escola em escola, reuniões, avanços, retrocessos. Era o caminho possível e impossível!

Nos últimos anos, ensino fundamental II, o caminho estava “mais fácil de ser caminhado”. A Escola é uma associação, poucos alunos na sala de aula, professora de apoio e, principalmente, escola aberta ao diálogo. Professores dispostos a avançar, ainda que não tenha recebido a formação adequada para uma educação inclusiva. Não é este o modelo que desejamos, mas era o possível para meu filho. Lutamos por escolas emancipatórias e para todo(a)s.

Eis que chega a pandemia de COVID-19. Em três dias todas as atividades como terapias, escola, futebol foram interrompidas. Gabriel tem um contato presencial desde o terceiro dia de vida e esta decisão de isolamento foi violenta. A escola iniciou o processo de plataformas, aulas onlines – sem obrigatoriedade, mas com prenúncio do que viria. Iniciou o aprofundamento da exclusão do Gabriel, pois a sociabilidade, a interação face a face foi substituída por janelinhas e plataformas, pelo SR. GOOGLE.

Gabriel não aceitou fazer aulas remotas. No geral, o processo é excludente para todo(a)s, porém para as pessoas com deficiência isso ainda é pior. As pessoas com Síndrome de Down têm deficiências sensoriais, de atenção, tem hipotonia, uma série de características que requer olho no olho, face a face. O SR. GOOGLE não sabe como fazer, mas diz que faz.

Estamos vivendo tempos de excepcionalidade e nada pode parecer normal e nem desejamos. Mas a sanha neoliberal quer nos fazer acreditar que podemos viver um “novo normal”. Esse “novo normal” é excluir, é adoecer, em nome de indicadores econômicos.

Nossa família, a partir de diálogo com Gabriel, decidiu que não viveremos o “novo normal” das aulas remotas. Cancelamos a matrícula na escola. Conteúdo escolar, semestre ano letivo, se recupera, porém vida não se recupera. E falo também de vida em todas as suas dimensões: fisica, emocional e psicológica. Vivemos momento de excepcionalidade, e assim devem ser tratados as crianças e suas famílias. Agora ele faz parte daqueles índices de pessoas fora da escola. A decisão foi para ele continuar no índice de pessoas com VIDA. Vida física, vida emocional… Vida sim, pois a pandemia é uma crise também humanitária e tentar desconsiderá-la é nos negar o direito de vida psicológica.

Estou muito triste, pois a Educação com escolaridade sempre foi a minha luta pelo Gabriel e por todos e, neste momento parece que fui nocauteada. Parece que é uma decisão solitária, pois muitos esquecem aquele lema “Ninguém fica para trás”. Neste momento resolvemos ficar junto com Gabriel, pois Sr Google estava deixando ele para trás, e nós, família, decidimos que NINGUÉM, muito menos Sr Google (CAPITAL) o deixaria para trás sozinho.

Vamos fazer ensino presencial com professor particular, a partir de agosto. Vai contar com ano letivo? Claro que não, e nós não nos importamos com ano letivo…queremos ano de Vida. Se conseguirmos nos salvar, em 2021 ou 2022 voltaremos a pensar em “ano letivo”.

Não pensem que está sendo fácil, é uma sensação de que o “espírito neoliberal” adentrou àquele(a)s que sempre estiveram conosco na luta, e a coletividade também entrou em quarentena. A sensação é que tudo foi em vão… Estou sofrendo muito com tudo, inclusive ao saber que esta exclusão já histórica se aprofundou na pandemia para as pessoas com deficiência, negros e negras, pessoas da periferia, em meus alunos da UFRJ…

Como construir o futuro com este presente tão devastador?

Bem, vou ali chorar de novo e como dizia minha mãe “engole o choro, menina” e nos reencontraremos para um outro mundo que não seja o “NOVO NORMAL”. Este novo normal está devastando vidas físicas e psicológicas. O momento é de cuidar uns dos outros e de muita coragem, mesmo com medo!

 

*Marinalva Oliveira é professora da Faculdade de Educação da UFRJ onde coordena o Laboratório de Inclusão, Mediação simbólica, desenvolvimento e aprendizagem (LIMDA). É secretária-geral do PSOL Niterói e ex-presidenta do ANDES-SN.