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BRASIL

Com apoio da PM, Reitoria cerca com grades sindicato dos trabalhadores e espaço estudantil

Por: Anna Guedes e Giulia Castro, ECA-USP, SP

A medida é parte da política de repressão e criminalização adotada pela Reitoria.

No dia 21 de dezembro, o que se viu na Escola de Comunicações e Artes da USP foi uma súbita mudança na rotina de férias. Isso porque, a Reitoria da universidade decidiu construir uma cerca entorno do espaço de convivência, conhecido como “Prainha”.

Ali, além de residir a sede do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP) há mais de cinco décadas, também estão duas entidades estudantis, o Centro Acadêmico Lupe Cotrim e a Atlética, ambos da ECA, uma lanchonete, bem como alguns trailers de venda de comida.

Para mais, a “Prainha” não é apenas um espaço estudantil: é também uma praça pública, de livre circulação e convivência dentro da universidade, aberta para a comunidade acadêmica e para a população do entorno.

A ação foi tomada sem nenhuma consulta com estudantes, trabalhadores e ainda, sem mesmo passar pelo Conselho Universitário (órgão máximo deliberativo). Funcionários de uma empresa terceirizada estavam cavando buracos para a instalação de um cerca de metal, a qual pega todo o perímetro da chamada “Prainha”, localizada atrás do prédio da Reitoria.

Neste dia, a ação não pode ser efetivada devido à pressão de membros do Sintusp e estudantes que estavam no local, entretanto, no dia 03 de janeiro (terça-feira) a presença de policiais militares garantiu que a obra fosse iniciada efetivamente.

No dia seguinte, quase todo espaço estava cercado, apesar das tentativas de diálogo por parte de estudantes e trabalhadores.

Entenda o processo

No dia 9 de dezembro, data que antecede ao próprio cercamento, o Sintusp tomou conhecimento de uma liminar de reintegração de posse de sua sede por uso de força militar. Para isso, a Reitoria usou como justificativa a solicitação do local por parte da Diretoria da ECA, instituto que abriga a sede do Sindicato, alegando que a escola o utilizaria para “fins acadêmicos”.

Em reunião ordinária, a ECA afirmou que não estava reivindicando a desocupação do local, o que desmente a versão apresentada pela Reitoria.

Frente ao cercamento, a Diretoria então divulgou uma nota oficial, dizendo que “reitera o posicionamento já aprovado pela Congregação em defesa da manutenção dos espaços hoje ocupados pelas entidades estudantis desta Escola”.

Ao início da obra da cerca, uma comissão foi composta por diretores do sindicato que, após muita insistência, conseguiu se reunir com a Reitoria no dia 23 de dezembro. Mas o que se viu ali foi novamente a falta de diálogo com a comunidade que se utiliza dos espaços.

Isso porque o atual chefe de gabinete Thiago Liporaci afirmou aos trabalhadores que não era possível assumir qualquer compromisso com o cancelamento ou suspensão da obra de cercamento. A única garantia foi o acesso ao espaço do sindicato se manter até a próxima reunião de negociação, que ocorrerá dia 26 de janeiro no Ministério Público do Trabalho.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), quando abordado por trabalhadores do Sintusp na saída do Instituto Butantã, na manhã da terça-feira passada, início da obra de cercamento, disse que “não vai ter reintegração sem negociação”.

Diante disso, quando questionada novamente sobre os motivos para o cercamento do espaço e sobre como se dará a entrada de estudantes e trabalhadores, a Reitoria da USP respondeu que a colocação das grades “faz parte do projeto de remodelação do entorno do prédio da Reitoria e já estava prevista desde a reforma do espaço”.

No entanto, novamente, nada disso foi comunicado, muito menos discutido com o sindicato dos trabalhadores e com as entidades estudantis que ocupam o local.

Para os membros do Sindicato, esta obra tem sido vista como uma ameaça eminente de que seu espaço seja retirado. Ainda mais quando acompanhada de um pedido de reintegração de posse da sede.

As cercas em torno da “Prainha”, que ameaça o espaço do Sintusp e das entidades estudantis, preocupam os estudantes, que encaram a situação como mais um ataque advindo da Reitoria.

Na última quinta-feira (5), uma Assembleia Extraordinária aconteceu para que a discussão fosse tangível a todos e ainda, se tirar medidas que evidenciem a importância do espaço para a comunidade da USP, como um calendário de atividades para esta semana.

Histórico

Os últimos acontecimentos apenas evidenciam a política de repressão e criminalização da Reitoria para com o Sintusp e estudantes, já que, historicamente, o que se vê é a adoção de medidas arbitrárias tomadas sem nenhum tipo de diálogo.

Por exemplo, também se aproveitando do período de férias e consequentemente, do esvaziamento natural da universidade, no dia 22 de dezembro de 2012, o Canil – espaço utilizado por outra entidade da ECA para promover eventos festivos e atividades culturais – foi brutalmente demolido, novamente, sem diálogo com os estudantes. Fora as sindicâncias (processos internos da USP) contra os estudantes que resistem, a partir da organização de festas.

Já no início de abril do ano passado, o sindicato recebeu um ofício da Reitoria para deixar a sede em um prazo de 30 dias. Assim, estudantes e trabalhadores da universidade deram início à uma greve que se estenderia por três meses, que dentre outras pautas, reivindicava também a defesa dos espaços estudantis. O projeto, então, acabou não sendo efetivado.

Há de se lembrar que no início de seu mandato, o reitor em entrevista à Revista Veja afirmou que “é preciso abandonar a dinâmica de sindicalismo na vida universitária” para privilegiar o modelo de meritocracia na universidade. Contudo, sabemos que a chamada meritocracia defendida por Zago nada mais é que o indício do projeto de tornar a universidade cada vez mais elitizada.

Dessa maneira, são adotadas políticas que impedem a manutenção do caráter público da universidade, como o cercamento dos espaços, crescimento do número de terceirizados e abertura para financiamento a partir da iniciativa privada que, em primeira instância, não serviriam para atender à população que a financia, mas, pelo contrário, serviriam para atender ao próprio capital privado.

Assim, entende-se que o conjunto dessas medidas e o esforço para o cerceamento do local do Sintusp servem para a destruição do caráter público da universidade, além de estancar a organização tanto do movimento estudantil quanto do movimento sindical, os quais, historicamente, lutam contra o projeto de privatização da universidade.

É de interesse desta reitoria e dos governos que se aliam a ela que estes desejam que o Sintusp se retire da sua sede, enfraquecendo as mobilizações e abrindo margem para políticas de repressão e privatização.

Foto: Victória Damasceno