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CULTURA

Rogue one e a nova onda do cinema em Hollywood

Por: Tibita Thiago, do Rio de Janeiro, RJ.

Há muito tempo atrás, no que parece ser hoje uma galáxia muito distante, em 25 de maio de 77 estreou nos cinemas estadunidenses Guerra nas Estrelas, o filme que deu início a um fenômeno cultural mundial que influenciou gerações e rendeu 9 filmes, dezenas de desenhos animados e vídeo-games, centenas de livros, milhares de quadrinhos, milhões de brinquedos e produtos licenciados e muitos bilhões em dinheiro. No último dia 15 de dezembro chegou aos cinemas do Brasil o último filme da série, Rogue One: Uma História Star Wars, o primeiro filme da série que não se liga diretamente à saga da família Skywalker, e que inaugura uma nova era: não apenas para o universo Star Wars mas também no que diz respeito a como a indústria do cinema e do entretenimento vem se transformando pela ação do capital.

A saga que se iniciou com a história de um grupo guerrilheiro atacando e destruindo uma instalação militar, dois anos após o fim da guerra do Vietnã, acrescentou mais um capítulo a sua história, que repete esta fórmula, mas em um filme que aproxima o espectador da guerra. Com um grupo de personagens bem maior, Rogue one apesar de ter sua protagonista parece mais um filme sobre a Aliança Rebelde do que sobre seus heróis. A história de Jyn Erso que teve sua mãe assassinada e pai preso pelo Império e seu recrutamento por Cassian Andor para a rebelião e sua missão de roubar os planos da Estrela da Morte está contida em apenas uma frase no famoso texto de abertura do episódio IV. Mas ao se aprofundar nesse breve capítulo da história da saga, e ao tomar decisões sem dúvida nenhuma ousadas com o roteiro, o filme acabou por abrir o escopo do universo e libertou a Rebelião e o Império do tom maniqueísta que tem nos outros filmes, ao misturar os contos de agentes do império que trabalham sob coação ou desertam, rebeldes que tomam decisões moralmente questionáveis ou que julgam outros rebeldes radicais demais Rogue One apresenta um espectro de personagens muito mais colorido que o preto e branco usual, exceto é claro nos uniformes do Império. Rebeliões são construídas com esperança é a frase dita por Jyn no trailer, e que resume o tema do filme que optou por retratar não uma vitória inquestionável, mas um momento de união e sacrifício em nome da esperança.

O filme seguiu a tendência já resgatada no Despertar da Força de utilizar o máximo possível de efeitos práticos e não depender completamente das imagens geradas por computador, no entanto, os efeitos de computação gráfica foram amplamente utilizados; com maestria como no caso das batalhas espaciais, ou com bem menos sucesso como no caso da recriação digital de personagens antigos. O diretor Gareth Edwards tomou algumas medidas para se diferenciar dos filmes episódios, a mais evidente é a ausência do letreiro voador no início e os cortes, que não mantiveram a tradição do “wipe” de todos os outros filmes. No entanto, a cinematografia de Rogue One é muito competente, em todo o filme, mas em especial nas cenas de ação, sem trepidações e cortes rápidos, mas sem abrir mão da tensão e emoção. A trilha sonora não tem grande destaque, talvez porque também rompeu a tradição dos outros filmes e não pode contar com o talento de John Williams.

Mas mesmo assim, Rogue One tem uma limitação explícita, se buscava se sustentar como um filme independente da Saga Star Wars, não conseguiu. Não se pode recomendar o filme se quem pede a recomendação não tiver interesse em conhecer o resto da história, é um fato. Não é à toa que o filme se encerra litaralmente minutos antes do início do Episódio IV. É um prelúdio, de fato muito melhor que os episódios I a III, mas é praticamente impossível se sentir setisfeito com o final do filme, sem querer seguir a história e assistir a continuação. E para muitas pessoas a ideia de um filme que traga como “dever de casa” assistir mais 7 filmes e que a continuação direta foi lançada em 77, e que está no meio de uma história enorme pode parecer mesmo mais complicada do que prazeirosa. Mas os fãs também são muitos e o Rogue One só não será o maior filme nas bilheterias de 2016, porque estreou a apenas duas semanas do fim do ano.

Com esse lançamento se inicia uma nova era para a franquia Star Wars, e aqui nos referimos não mais à saga, mas à propriedade intelectual. Para o futuro já há ao menos mais três filmes planejados, os episódios VIII (que estréia em dezembro desse ano) e IX e pelo menos mais um filme da série Uma História Star Wars, que deve contar uma história da juventude de Han Solo. Haverá um filme de Star Wars por ano pelos próximos anos, até que haverá dois por ano, esses são, segundo a imprensa especializada, os planos do estúdio. Esse parece ser o futuro da chamada cultura pop em geral e do cinema em Hollywood em particular, crescimento e consolidação das franquias, que rendem vários filmes.

Qualquer pessoa que goste de assistir filmes, certamente terá notado a enxurrada de continuações, adaptações de quadrinhos de super heróis, filmes em universos compartilhados que vem tomando conta de Hollywood. O que talvez não seja tão facilmente observável, é o papel que cumpre a concentração de capital e especialmente a Disney nessa tendência.

Desde 77 Star Wars se tornou o fenômeno cultural que conhecemos, paralelamente aos quadrinhos através de uma cultura de comunidade de fãs. Aquelas centenas de livros e quadrinhos, cumpriam entre os fãs o papel que hoje Rogue One vem tentar cumprir. Os fãs de Luke Skywalker, ou do Homem-Aranha, ou da Mulher-Maravilha cresceram, e não deixaram de ser fãs. Sua constante busca pela expansão do universo e continuação das histórias de seus personagens favoritos, criou um mercado que era atendido pelos quadrinhos e no caso de Star Wars pelos livros. A Lucasfilm, junto com a Fox e a Sony Pictures, foram responsáveis pela primeira onda de nostalgia que trouxe essas propriedades intelectuais para o cinema com o lançamento dos Episódios I,II e III, X-Men e Homem Aranha na virada do século. Apesar dos filmes, os resultados foram positivos, ao menos financeiramente. No entanto, a maioria dessas produções foi realizada num regime de cessão de direitos para a adaptação cinematográfica, e os criadores das histórias originais, e o mercado de quadrinhos se mantinham independentes.

Star Wars chegava a seu sexto filme e se manteve nos anos 2000 através dos desenhos animados, Harry Potter chegava a seu quinto. A tendência de buscar franquias se estabeleceu. E nesse cenário, a Marvel Comics que quase havia falido nos anos 90, e por isso vendeu os direitos cinematográficos de seus personagens principais, investiu seus ganhos com as parcerias na criação do Marvel Studios, e com seus personagens de segunda e terceira linha anunciou o início de seu universo cinematográfico com O Homem de Ferro em 2008. A DC Comics, dona do Superman e do Batman, que já havia sido comprada pela Warner Bros. retornou com a Trilogia do Cavaleiro das Trevas e pouco depois anunciou seu Superman. Todos esses movimentos dos estúdios encontraram grande resposta dos fãs, e conquistaram novos, e renderam lucros fantásticos. Os dias dos quadrinhos e livros baratos haviam chegado ao fim.

Esse fenômeno cultural, que se manteve por anos e influenciou gerações, chamado Star Wars pertencia à Lucasfilm, que foi então comprada pela Disney por 4 bilhões de dólares em 2012, e ao anunciar o episódio VII e os novos planos para a franquia, os novos donos aproveitaram para avisar que todos os licenciamentos anteriores estavam cancelados, e que todas as histórias que os fãs leram ao longo dos anos não seriam mais parte do universo daqui pra frente. Os interesses da indústria cinematográfica foram postos em primeiro lugar e a própria história foi aletrada para que apenas o que for de propriedade da Disney possa existir no universo ficcional daquela galáxia distante. O mesmo aconteceu com a Marvel, que também foi comprada pela Disney, e passou a determinar o futuro dos quadrinhos com décadas de história a partir de seu interesses para as bilheterias. As séries cujos direitos cinematográficos haviam sido cedidos foram encerradas como a revista do Quarteto Fantástico, grupos foram eliminados como os X-men, ambos de direitos cedidos a Fox. Os personagens dos filmes se tornaram os protagonistas dos quadrinhos e foram até redesenhados para que a arte se adequasse à tela. Por fim todo o universo em que habitam os personagens Marvel foi literalmente destruído (nas histórias em quadrinhos) e um novo universo foi criado com “pedaços” do universo antigo, esses “pedaços” são exatamente os mais rentáveis para o cinema.

A Cultura dos fãs muito mais próxima dos criadores de outrora deu lugar à manifestação dos fãs apenas pela bilheteria e pelas pesquisas de mercado. A Disney se tornou dona da infância de muitos, e a apagou. Aos criadores, cabe criar dentro do confinamento das propriedades e interesses da empresa. Agora que a maior empresa de entretenimento do mundo se tornou dona dos nossos personagens favoritos, suas histórias serão contadas de novo, e os fãs estarão lá, de ingresso na mão, na estréia se possível.

É bom repetir, os filmes lançados da saga Star Wars e do Universo Marvel no cinema tem tido um sucesso inquestionável e agradam em cheio aos fãs enquanto conquistam novos seguidores. E tornaram essas histórias parte da vida de muitas pessoas. A prova reside não só nas filas para os ingressos, mas na forma como esses personagens permeiam nosso ambiente, seja nas roupas, no fato de todos falarem sobre os filmes, nos memes que se multiplicam na internet, ou por exemplo na genuína comoção e homenagens dos fãs na morte de Carrie Fisher que se tornou notícia mundial. Ainda que o Império esteja dominando tudo, seguimos as histórias dos nossos personagens favoritos, porque elas nos unem, e nos trazem esperança, que não pode ser esmagada nem comprada.