Por: Eileen Jones * (traduzido por Gleice Barros)
Originalmente publicado em 28/12/2016 no site Jacobin Magazine
Para muita gente, a morte de Carrie Fisher significa a morte da princesa Leia. Ela sabia disso e escreveu “Eu digo a meus jovens amigos que um dia eles estarão em um bar jogando sinuca, olharão para a televisão que terá uma foto da Princesa Leia com duas datas no rodapé e dirão ‘Oh! Ela disse que isso aconteceria’. Depois voltarão a jogar sinuca”.
Vou deixar que outra pessoa escreva este tributo a Princesa Leia, outra pessoa pode fazer esse devido favor. Mas esta não é a Carrie Fisher que me interessa.
O que eu gostava sobre Carrie Fisher foi que ela parecia sempre inclinada a dizer a verdade, e quase ninguém faz isso, certamente não as estrelas hollywoodianas. Mais certamente ainda entre as estrelas de Hollywood que são o que Fisher chamou de “produtos de Hollywood”, referindo-se a seu status de filha de Debbie Reynolds e Eddie Fisher, a estrela infantil de pais famosos.
Manter o estrelato em geral pode resultar em muitos segredos, você pode pensar que uma dinastia de estrelas apenas intensificaria esta tendência através das gerações.
Mas Fisher parecia alérgica a segredos. “Você é tão doente quanto seus segredos” ela escreveu ao dizer tudo ou, pelo menos, sagazmente parecer que dizia tudo.
Pessoas que são ricas e famosas na América, e, portanto, tem muito mais chance de escolher o que fazer com suas vidas do que qualquer pessoa. São inclinadas a aparições públicas em que disfarçam suas reais experiências. O que parece ser as regras de membros de uma sociedade a parte as quais você nunca diz o que realmente acontece atrás dos portões das mansões.
Definitivamente não se fala sobre o consumo de drogas. Mas Carrie Fisher nunca parou de nos contar sobre tomar todas estas drogas. “Eram minhas amigas”, ela disse carinhosamente, embora os amigos fossem contra.
A compulsão por tornar normal o anormal, ilustrado por revistas como US Weekly [revista de celebridades dos EUA – Nota da tradutora] sob o titulo “Eles são como nós!” em que mostram celebridades usando moletom enquanto compram café para viagem e andam com seus cachorros, não é o jeito de Carrie Fisher.
Ela se expôs e disse que toda Hollywood era maluca e detalhou através de histórias. Por isso, abençoamo-la e lamentamos sua morte.
Ela era capaz de reconhecer e divertidamente expor, em livros, entrevistas e monólogos, a relação com sua própria experiência com a suposta normalidade – ou pelo menos o que ela achava ser normalidade. O trecho a seguir é do livro Wishful Drinking:
“Quer dizer, se eu entro em um lugar e digo ‘Sabe como é ver seu pai mais pela TV do que na vida real?’ não acho que muitos poderão responder ‘Meu Deus! Você também?’. E da mesma forma, eu tenho que perguntar, com que frequência você diz “na vida real?“.
Quando Debbie Reynolds precisou de alguém para aconselhar a filha adolescente sobre o uso de drogas, o ex-usuário de LSD Cary Grant foi chamado como conselheiro. Quando Fisher engasgou com uma couve-de-bruxelas, foi Dan Ackroyd que fez a manobra de Heimlich nela.
Meryl Streep interpretou seu alter-ego Suzanne no filme adaptado do primeiro livro de Fisher, Postcards From The Edge. Mas era frequentemente questionada: Por que ela mesma não interpretou o papel? “Já interpretei Suzanne”, disse, referindo-se a sua vida como uma duradoura atuação.
O fato de Fisher saber tudo isso era estranho, e a vontade de compartilhar toda sua esquisitice conosco, o público, fez dela alguém como nós, uma pessoa comum honorária.
Ela tinha um anseio humano de ser parte do panteão dos vivos, vividos, atormentados escritores de verdades de Hollywood que admirava, lendários super-expostos como Judy Garland e Ava Gardner, que perto do final de suas épicas vidas adoraram desenterrar as sujeiras de Hollywood e o fizeram de forma hilária.
Fisher fez listas de celebridades azaradas – bêbados, usuários de drogas, sobreviventes de doenças mentais que pensaram por muito tempo em suicídio – e orgulhosamente adicionava seu nome. Ela se vangloriava, por exemplo, de sua amizade com praticantes de terapia de eletrochoques famosos, como Judy Garland, Cole Porter, Lou Reed, Yves St. Laurent, Ernest Hemingway e Vivien Leigh e coroava “Olha o que estes fodidos conseguiram realizar!”.
Talvez fossem os excessos, do que ela chamou, de sua muito movimentada vida que prematuramente a envelheceu. Fisher pareceu ir rapidamente da picante estrela no icônico biquíni de metal para a cansada veterana de meia idade da guerra do showbiz, mostrando suas cicatrizes e resmungando piadas irônicas sobre suas realizações, como se ela tivesse pensado em ter o status de excelência desde berço.
Esta impressão de acelerado envelhecimento criado parcialmente por sua diversificada carreira de atriz, resultou numa surpreendente limitada filmografia para alguém tão famoso.
Ao invés de construir sua inicial carreira atuando em sucessivos papeis principais em filmes, ela desviou para escrita de livros e revisão de roteiros nos bastidores, nunca perseguindo o estrelato em grandes filmes em nada parecida com a duríssima e tradicional disciplina hollywoodiana de sua mãe.
Finalmente, o estrelato de Fisher se restringiu a composição de sua autobiografia sobre crescer e ser destruída em Hollywood, e como ela se tornou a divertida, auto-depreciada e perversamente orgulhosa encarnação do Estrago Feito.
Passei a apreciar esta imagem de Fisher, em grande parte, porque eu a tenho acompanhado. Sei que não é usual entre especialistas contar sobre suas idas a Hollywood e de ver as estrelas nas festas da indústria cinematográfica e ter grande interesse nestas aparições. Encaramos com certa indiferença estas estrelas, porque eles são mercadorias fabricadas dentro do sistema capitalista e vendido ao público, ou algo do gênero.
Mas penso que o estudioso em cinema Richard Dyer acertou quanto argumentou sobre a intensa importância dos famosos. As imagens destes refletem e nos ajuda a identificar os valores da sociedade que os produziu – representam e vendem as contradições impossíveis desta sociedade.
E vendem a individualidade, uma espetacular miragem americana de realização completa e empoderamento pessoal único, não só porque suas imagens são destinadas a serem distintas, como parte de uma “diferenciação produtiva”, mas porque ficamos fascinados pela evidencia esporádica da luta diária de seres de carne e osso em manter esta suposta imagem distinta.
Esta evidência, em geral, surge na forma de escândalos, de aparições públicas e tragédias reais, de escorregões aparentemente acidentais de todo tipo. Este é o território arenoso que Carrie Fisher apostou as fichas de sua longa carreira, com habilidade quis nos mostrar o caos por trás da imagem e, ao fazê-la, paradoxalmente manteve o controle sobre ela.
Não era somente o personagem da Princesa Leia, era também sua ânsia em ser A princesa diarista que definiu sua personalidade amigável. Quem mais no elenco de Star Wars ou na equipe teria divido conosco a patética edição “sem roupa intima no espaço” de George Lucas, ou brincou sobre o brinquedo da Princesa Leia, ou contou a historia de um jovem fã de Star Wars que confessou a ela ter passado anos pensando todos os dias nela – “na verdade, quatro vezes por dia”.
Então, em sua homenagem, esta é a verdadeira historia de Hollywood sobre Carrie Fisher.
Certa vez, Carrie Fisher ajudou a arruinar Hollywood para mim. Fui até lá procurando uma vitalidade enlouquecida do showbiz com todo o desespero de uma estudante de Humanidades que não pode mais suportar a rigidez da academia mais um segundo.
Mas para meu desespero, Fisher foi o instrumento para me mostrar que por baixo da sua superficial sedução pornografia, a elite hollywoodiana abriu outros caminhos para o tédio e a mediocridade. Não era de se admirar a amizade de Fisher pelas drogas, e quão difícil era se afastar delas.
Fui convidada a duas festas de Hollywood feitas por Fisher – uma delas ela foi efetivamente co-anfitriã – e eram festas estragadas que destruíram todo meu idealismo juvenil. Se você não consegue achar alegre libertinagem em festa da Carrie Fisher, onde você espera achar?
Ela deve ter tido muito disso ao longo dos anos. Se Carrie Fisher vem, pode uma orgia de cocaína estar muito atrás?
Na primeira festa foi à festa de Fisher e Penny Marshall, que alternavam o local a cada ano. Neste ano foi na casa de Marshall, que providenciou todas as necessidades para um verdadeiro sopro de Hollywood em um terraço espaçoso com uma piscina artificialmente iluminada, e vista imponente vista da Los Angeles iluminada, e muitas celebridades.
De qualquer forma, todo o evento foi conduzido em uma atmosfera empolada de carismatismo de doze passos, com grupos decorosamente sóbrios de pessoas famosas à beira da piscina, falando trabalho. Foi incrivelmente deprimente.
A anfitriã Fisher, com aparência linda e jovem, observou a cena atentamente, e concluiu com a voz carregada: “Acho que estas coisas funcionam melhor na minha casa”.
A segunda festa foi um pequeno churrasco à tarde o qual Fisher exalou miséria. Ela bateu o portão do jardim enquanto entrava, andava de forma abatida e pesada, com o cabelo picado grosseiramente curto como se ela tivesse se massacrado com as próprias mãos em um ataque de auto aversão.
Sem diversão em seu rosto, ela estava quase irreconhecível.
Ela elevou a depressão e o desgosto a outros níveis naquele dia. Era difícil culpá-la, já que a festa era realmente medonha. Os cães da anfitriã vagavam livremente entre os convidados defecando por toda parte e, como o empolgado evento continuou, mais e mais pessoas seguiram a bosta de Shih Tzu por todo o pátio no calor fétido.
Se quisesse, Fisher poderia ter transformado aquela festa em um texto sobre algo divertido, outra maluquice de calamidade social de Hollywood. A salvação daquela visão aviltada da estrela era pensar na cômica imagem pública que ela criou ao testemunhar o fracasso dos ricos e famosos para viver bem.
A chave para tantas histórias inesquecíveis de Fisher é a fodida incongruência que destrói a imagem de boa vida de Hollywood. A vez que seu irmão Todd acidentalmente atirou na própria coxa, espalhando sangue no sagrado e imaculado quarto da estrela Debbie Reynolds; a vez que um amigo de Fisher, que veio a cidade para acompanhá-la na festa do Oscar, morreu em sua cama e então voltou para assombrá-la, literalmente; a vez que seu pai, Eddie Fisher, escreveu uma biografia alegando que sua ex-mulher, Debbie Reynold, era lésbica, e Carrie Fisher se sentiu compelida a declarar publicamente “Minha mãe não é lésbica. É apenas uma péssima, péssima heterossexual”.
Ao apresentar o estrelato como uma engraçada e enlouquecida bagunça, Fisher permaneceu muito próxima ao publico em geral, cujas vidas também eram desordenadas, embora com menos interesse geral.
E a astúcia desta apresentação pública que soou tão verdadeira colocou-a no panteão de seus amados famosos fodidos com todas as suas realizações. Descanse em paz Carrie Fisher.
*Eileen Jones é critica de cinema para a Jacobin e autora do livro Filmsuck, USA. Ela é professora na Universidade da Califórnia em Berkeley.
Comentários