Por Raquel Varela, Colunista do Esquerda Online. Direto de Lisboa, Portugal
Entre o Natal e o Ano Novo estive de férias. Fiz com os meus filhos o que queria fazer. Fui a bons concertos, adequados a eles, claro; levei-os a ver bons filmes (Ken Loach, Kusturica e Chaplin), cozinhámos juntos, tocámos piano, e sai música de lá!; andámos de trotinete; fizeram surf; até um cavalete de pintura comprámos, onde, com um livro de arte na mão, treinámos as primeiras tentativas de pintura a óleo; convidámos os amigos deles para sair; brincaram e passearam com a família, as primas, que adoram; lemos, muito, e conversámos sobre a leitura, jogámos cartas.
Só em três idas ao cinema gastei quase 60 euros porque pagam como adultos; como algumas das vezes convidei os amigos, subiu para 100 euros, 20% do ordenado mínimo – ir ao cinema! Ah, têm 12 anos, mas pagam tudo como adultos: subir o elevador da bica – 3,70 cada; o bilhete de comboio da linha para Lisboa – nesse dia levei 4 crianças, 17 euros ida e volta; a entrada no castelo custa 8,50 para adultos – não entrámos, há limites…Juntem pinturas, pincéis, concerto, livros…
A única coisa gratuita foi o Museu do Aljube, que adoraram, e as igrejas de Lisboa. Juntem uns gelados banais, uns hambúrguers, um chá com bolo em Alfama, sem luxos, passear na nossa cidade. Se tivesse ficado em casa tinha comprado duas playstation, uma para cada um, que os «educavam» o ano inteiro…Há muito tempo que tento dizer isto quando ouço dizer «no país há pobreza mas todos têm um bom telemóvel» – não há nada tão barato para educar filhos como Televisão e jogos de computador e telemóveis. É aí, no aumento da produtividade dos pais, no catatonismo anti-social e virtual dos filhos, que reside o boom das novas tecnologias para crianças que, ainda por cima, actuam no cérebro exactamente como uma droga, promovendo mecanismos de recompensação e satisfação ao nível do cérebro cada vez que estes tocam num botão e o boneco salta, porque o objectivo foi alcançado.
Esta nova onda de babysitter electrónica é o espelho não da potencialidade da modernização mas da sua decadência. E deixem-me colocar o dedo na ferida – os pais, cansados, desanimados, com pouco dinheiro, desmoralizados e sem vontade de educar com conflitos, nãos, e outras resistências, serão os primeiros, porque a perversidade humana é uma linha ténue, a dizer «eles querem ficar em casa a jogar». Eles querem? E onde é que eles escolhem? E como escolhem? «Os pais submetem-se e submetem os filhos», disse-me uma vez o psicanalista e psiquiatra Coimbra de Matos – os salários e o tempo de trabalho no país são vergonhosos. E o modo de vida que incorporámos para aceitar isto é regressivo, decadente. Viver está a ficar insuportavelmente caro neste modo de acumulação onde as necessidades humanas são todas mercantilizadas, até aquela que levou milhares de anos a conquistar – o direito à infância. Ter filhos e conseguir educá-los com humanidade, com relações reais, com aprendizagem e não com repetição de mecanismos, no fundo educar filhos com trabalho vivo (humano) e não trabalho morto (máquinas) é hoje um sinal exterior de riqueza.
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