Por Guilherme Cortez, de Franca (SP)
O assassinato do comerciante ambulante Luiz Carlos Ruas ao defender uma travesti e um rapaz homossexual em plena estação Pedro II do Metrô, em São Paulo, na noite de Natal acendeu uma chama de indignação em amplos setores da sociedade.
O Brasil é o país que mais mata lésbicas, gays, bissexuais, travestis e mulheres e homens transexuais no mundo. A criminalização da LGBTfobia é uma reivindicação histórica dos movimentos sociais, assim como foram a lei que tipifica o crime de racismo e discriminação racial e a que define o feminicídio como homicídio qualificado.
Alguns projetos de criminalização da homofobia circularam pelo Congresso Nacional nas últimas décadas, mas não foram pra frente por reação das bancadas conservadoras e teocráticas.
Alguns estados brasileiros possuem leis próprias de proteção contra a discriminação de orientação sexual e identidade de gênero.
Nos últimos anos, principalmente um segmento da vanguarda do movimento LGBT, passou a contestar a proposta de criminalização da LGBTfobia. Em convergência com algumas discussões das correntes críticas do sistema penal, esse segmento do movimento classifica a proposta de criminalização da LGBTfobia como reforço do sistema prisional.
O debate sobre a criminalização ou não da LGBTfobia é extremamente necessário para o movimento. De um lado a impunidade e a barbárie da violência contra as pessoas LGBTs. O sistema penal parece o único instrumento para proteger as LGBTs do extermínio.
De outro lado, um sistema penal extremamente injusto, racista, seletivo e desigual, incapaz de reabilitar os indivíduos condenados.
Michel Foucault revolucionou o estudo do sistema penal quando defendeu, em sua obra “Vigiar e Punir”, que a aparente incapacidade do sistema carcerário de ressocializar os criminosos constitui, na verdade, um projeto bem definido. O objetivo do cárcere nunca foi a reeducação dos indivíduos condenados, mas a sua exclusão da sociedade.
O sistema penal, portanto, não teria sequer minimamente a intenção de reparar os delitos, mas somente segregar os seus praticantes. Ao pensamento de Foucault, se acrescentaram outras teses que denunciaram o caráter classista, racista, machista e discriminatório do mesmo sistema penal.
Se o sistema penal não tem a capacidade de reparar o que quer que seja, qual a efetividade possui a condenação de um indivíduo pela prática de crime de ódio, além da sua exclusão na sociedade?
É necessário que façamos algumas perguntas e tenhamos sinceridade para respondê-las. Nós queremos reeducar os assassinos de Luiz Carlos Ruas? Nós temos a pretensão de que o sistema penal cumpra esse papel? Se não, nós só queremos retirá-los da nossa frente? E depois?
O cárcere irá impedi-los de cometer outros crimes de ódio? Ou queremos que sirvam de exemplo para impedir outros ataques? E qual seria a efetividade de uma lei que criminalize a LGBTfobia? Quem seria condenado? Marco Feliciano, Jair Bolsonaro e Silas Malafaia?
Quantas pessoas são condenadas por crime de discriminação racial, apesar da existência da Lei nº 7.716? Podemos confiar no sistema penal?
E por outro, como podemos lidar com a prática de um crime, como o assassinato de Luiz Carlos Ruas e das centenas de LGBTs, que morrem todo ano vítima da violência? Na verdade, a impunidade já é a regra para os crimes LGBTfóbicos.
É certo que os praticantes desses atos sejam poupados? É justo que um homem que tenha assassinado uma travesti siga a sua vida normalmente? “Precisamos investir na educação e desconstrução das pessoas”, ok. Mas até a discriminação ser eliminada da nossa comunidade, muito sangue escorre. Como lidar com essas situações?
Podemos eliminar a discriminação em um sistema econômico estruturalmente baseado na desigualdade e exploração? A Lei Maria da Penha é um mecanismo do sistema penal: Podemos criticar sua importância e cobrar sua supressão?
As questões relativas à criminalização da LGBTfobia não oferece respostas fáceis. Muito menos simples. É necessário maturidade e paciência para realizarmos esse debate. Mas não podemos deixar de fazê-lo.
Foto: Rovena Rosa
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