Por: Bruno Figueiredo, Advogado de Direitos Humanos, SP
A polêmica em torno do aumento que os vereadores deram aos próprios salários possibilita um debate mais profundo sobre a própria remuneração de políticos, surgindo a pergunta: qual sua razão de existir?
Existem políticos que, de um lado, defendem a elevação dos salários, enquanto outros, como João Doria e Donald Trump, dizem que vão abrir mão dos seus.
A maioria dos políticos se percebem como uma carreira própria, apartada da população. Os vereadores, neste ano, deram um aumento aos servidores municipais de 0,01%. Deste modo, passam a defender a si próprios como uma casta separada do conjunto da população, ou seja, não são mais representantes do povo, mas agem como nobrezas medievais apartadas. Passam a gerir o Estado em busca das garantias de seus próprios privilégios.
Por outro lado, os milionários que abrem mão dos seus salários também levam à uma ideia equivocada. Dizer que não deveria haver qualquer salário aos vereadores leva à um equívoco, que seria manter na política tão somente aqueles que vivem sem trabalhar ou que, na prática, vivem do trabalho alheio: os burgueses.
Deste modo, as decisões políticas ficariam restritas ao 1% da população que concentra mais riquezas que todo o restante junto. Entregar o controle das decisões políticas à quem já é muito rico não é democracia, é plutocracia, ou seja, seria uma aristocracia piorada e mais degenerada.
Uma das exigências do movimento cartista da Inglaterra no século XIX era que os parlamentares fossem remunerados. Isto tem uma lógica de garantir que um trabalhador possa ser eleito sem causar prejuízo ao sustento de sua família e que o parlamento, em tese, represente de fato a população.
Ocorre que o salário dos parlamentares passou a ser obscenamente elevado, se decolando por completo da realidade da classe trabalhadora. Os políticos passam a entender o ser político como uma profissão, uma carreira, não como uma representatividade temporária.
Na cidade de Natal a vereadora Amanda Gurgel apresentou um projeto de lei que tem por objetivo igualar o salário de vereadores e professores. O mecanismo pelo qual um vereador ganhe como ganha um professor é educativo tanto para a população ver nos parlamentares seus iguais, como para os eleitos se verem como iguais aos eleitores.
A vida de quem quer assumir responsabilidades políticas deveria exigir sacrifícios, e os primeiros a se sacrificarem devem ser os responsáveis pelas decisões políticas. Portanto, se o conjunto dos servidores tiverem o salário congelado, é razoável que o mesmo ocorra com os parlamentares.
Por outro lado, é importante que existam condições aos trabalhadores para que possam ser eleitos e possam participar das decisões políticas do país. Ocorre que o sistema eleitoral, cada vez mais antidemocrático, impede, de fato, que as mulheres, negras, da classe trabalhadora, possam ter representação na política.
Hoje na Câmara Federal existem mais de 200 empresários, quase metade dos deputados federais. Os assalariados representam apenas 136 ao todo. Ou seja, existe uma evidente distorção na representação popular.
Um dos mecanismos de distorção era o financiamento de campanhas por empresas, que felizmente foi impedido pelo STF por meio da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 4650. Entretanto, as regras eleitorais ainda criam diversos mecanismos de distorção, que na prática mantém sempre os mesmo grupos políticos com poucas chances de renovação.
O debate sobre os salários dos parlamentares deve ser apenas uma parte de um debate muito mais profundo que a sociedade precisa fazer sobre o sistema democrático e representativo.
Nas suas origens o PT chegou a se propor atuar de forma distinta. Mas como na “Revolução dos Bichos”, de Orwell, logo o homem e o porco se viram frente a frente e não se sabia quem era um e quem era o outro. Os antigos sindicalistas logo passaram a não se ver mais como trabalhadores, passando a defender os interesses da nova casta onde se integraram.
A política não pode ser algo alheio ao conjunto da classe trabalhadora. Nem os políticos podem se dar ao luxo de se ver como um agrupamento acima do conjunto da população. Ao contrário, se são representantes do povo, que vivam como vive o povo. Desta forma, se a população viver bem, que vivam bem, se a população passa dificuldades, que também passem.
Por fim, a conclusão é de que ninguém deveria “ser” político, nem encarar isto como profissão, mas tão somente estar no exercício momentâneo de um cargo eletivo. Desta forma toda a população deveria poder vir a ocupar tais cargos, como todos os ocupantes de cargos eletivos deveriam pertencer ao conjunto do povo.
Comentários