Por Henrique Carneiro, Colunista do Esquerda Online
Há duas formas de política: a institucional e a política intrínseca a todas as formas de interação humanas mas, especialmente, a que se vincula aos movimentos sociais.
A primeira forma de política é sempre remunerada, a segunda, em geral, leva aos militantes, ao contrário, a pagarem de seus bolsos contribuições para ajudarem organizações políticas, sindicais e populares a subsistirem pelo esforço coletivo.
A política é a ação cotidiana de defesa de interesses.
Quando os defensores de interesses se elegem para cargos públicos no legislativo, se transformam em parte de um sistema de estratificação e controle da função política, que quer confiná-la nos gabinetes e usa como meio de cooptação, entre outros, as altas remunerações e benefícios diretos e indiretos.
O grau desses privilégios toma no Brasil dimensões enormes, comparativamente muito superiores mesmo a países muito mais ricos.
Isso tem levado, com razão, a uma crescente indignação popular que vê nos políticos profissionais uma espécie por excelência do parasitismo do dinheiro público.
A função pública da política foi reduzida, desse modo, a uma forma a mais de prosperidade, a um prêmio de loteria na qual a eleição serve de trampolim para a ascensão social.
A venalidade da imensa maioria dos políticos, sua hipocrisia e seu cinismo, faz deles um tipo particular de mercenários engravatados.
O sentimento de desprezo da população pelas formas institucionais da política parlamentar é justificado não só pelas revelações recentes das formas sistêmicas de financiamento privado em caixa 2 das campanhas eleitorais, numa verdadeira indústria do tráfico de influências e da compra de votações por meio de propinas, mas pelas crescentes demonstrações de ostentação suntuária dos políticos em todos os âmbitos, dos municípios ao congresso nacional. Das joias do casal Cabral aos patrimônios declarados e não declarados, despontam na cena nacional essas figuras vulgares, iletradas e cobiçosas que enfeiam a crônica parlamentar.
A “carreira” política tem sido assim, cada vez mais, um modo de aumentar fortunas e de defender os interesses de grandes grupos econômicos.
Pouquíssimos são os políticos que se destacam por sua defesa dos interesses dos trabalhadores e dos mais pobres. Muito poucos também são os que não usufruem dos privilégios e os combatem. Quase nenhum são os políticos que se opõem diretamente aos aumentos de vencimentos e de benefícios de seus pares.
Em tempos de ajustes fiscais, de corte de verbas sociais, de ausência de reajustes salariais ou até mesmo de parcelamento de salários de servidores em diversos estados do país os contrastes entre os Palácios e a sociedade se aguçam e se tornam ainda mais abismais.
O reajuste de 26% aprovado pela Câmara de Vereadores de São Paulo com apoio de seu presidente, do PT, e da maioria dos vereadores, foi objeto de enorme crítica na cidade, levando inclusive a uma ação judicial que vetou, por enquanto, a aplicação desse reajuste que sequer cumpre as disposições legais vigentes.
Um vereador da capital já recebe hoje em dia 15 mil reais em salário e mais vultosas verbas de gabinete, que lhe permitem não gastar um centavo em transporte, alimentação, despesas de escritório, entre outras coisas.
Só a verba do Auxílio Encargos-Gerais do Gabinete chega a 264 mil reais anuais para cada vereador!
Isso faz com que a verba dos gabinetes dos vereadores paulistanos seja bem maior do que a dos parlamentares federais!
Dessa forma, o anúncio, em tempos de vacas magríssimas, de um aumento salarial na Câmara de São Paulo, reabriu a discussão sobre a natureza da função política e das suas formas de remuneração.
O PSOL, de forma exemplar, denunciou o aumento e votou contra ele.
O PT, mais uma vez, se uniu a diversos estratos do fisiologismo político para tentar agradar ao sistema político votando pela causa própria do interesse pecuniário dos vereadores.
O tom discordante, foi o ex-candidato a governador do PSOL, Gilberto Maringoni, que saiu em defesa do reajuste, fazendo coro ao PT e se opondo ao seu próprio partido do qual foi a maior figura pública no estado nas últimas eleições.
Seu argumento, de que deve se remunerar bem os parlamentares de origens pobres para que possam exercer seu mandato é quase risível.
O grande problema da esquerda, desde a social-democracia europeia chegando ao PT, não foi o de pobres parlamentares desguarnecidos e desamparados, sem fundos para levar suas propostas adiante. Muito pelo contrário, o grande problema foi a transformação de inúmeros parlamentares em burocratas excessivamente bem remunerados.
A esquerda, em grande parte, se vendeu literalmente.
Contra isso, é preciso levantar bem alta a tradição socialista e igualitária de que os cargos parlamentares não podem ser privilégios nem trampolins de ascensão social, mas devem ser tarefas remuneradas na mesma proporção que os salários dos trabalhadores mais qualificados.
O parlamento brasileiro (e também outras esferas como o judiciário e os militares de altas patentes) faz parte de uma casta aquinhoada com altíssimos salários, aposentadorias especiais, ausência efetiva de tetos salariais, prebendas múltiplas e generosas verbas de gabinete.
Deveriam ser extintos estes privilégios oficiais e o povo precisaria aprender a criar formas de representação direta por meio de conselhos em que os integrantes não dispusessem de nenhum benefício financeiro.
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