Por: Juary Chagas, de Natal, RN
Faltando poucos dias para as comemorações de fim de ano, uma notícia que vem da Bahia choca o país. Um empregado da Caixa Econômica Federal entra seu local de trabalho do banco, atira contra colegas e depois se mata.
Uma interpretação corriqueira se apressaria em dedicar exclusivamente ao indivíduo uma análise do macabro ocorrido. É mais simples diagnosticar uma psicopatia por meio de opinião pública. É a versão mais comum. No noticiário do dia, falam os especialistas da mente humana e os jornalistas narradores da história de vida do “assassino”, sempre repleta de situações passadas que supostamente demonstram seu desequilíbrio.
Há, no entanto, neste caso, um componente muito particular. Havia um alvo e não eram as duas colegas que acabaram sendo atingidas (uma delas, infelizmente, faleceu). Os tiros estavam destinados a acertar o chefe do departamento onde o funcionário trabalhava, que só conseguiu escapar com vida porque conseguiu evitar os disparos ao correr em fuga.
Para além da consternação frente a mais uma entre tantas tragédias que presenciamos, é preciso buscar entender as razões que levam um ser humano a tentar tirar a vida de seu superior hierárquico no trabalho e, depois, matar-se. Porque não é razoável que estas explicações se sustentem somente numa análise sobre o autor da tragédia. Uma investigação séria exige também entender que fatores objetivos, do meio em que se vive, são capazes de produzir um efeito psíquico devastador, que desencadeie ações extremas.
Os bancos são fábricas de transtornos
De acordo com dados divulgados pelo Tribunal Superior do Trabalho, o afastamento por transtornos mentais superior a 15 dias ocupa o terceiro lugar na lista de pagamento por benefícios da Previdência Social. Isto sem contar aqueles que não se ausentaram do trabalho, que seguem trabalhando mesmo acometidos por algum tipo de transtorno mental.
Não poderia ser diferente. Os bancos, imersos numa concorrência desenfreada e numa lógica de busca constante por acumulação na forma financeira-especulativa, exigem ao mesmo tempo a mais alta automação dos processos e uma mobilização intensa da capacidade de trabalho dos bancários, orientada ao resultado. E para atingir esses resultados cada vez mais os trabalhadores são pressionados diariamente para atingir metas de operações de crédito, seguro, etc.
Numa corrida sem fim para vencer a concorrência, os bancos investem na divisão os trabalhadores para intensificar os lucros. Isto expõe esses trabalhadores cotidianamente ao assédio moral (no caso principalmente das mulheres, também sexual), impondo a estes jornadas exaustivas, atividades estressantes, eventos traumáticos, discriminação, perseguição, metas abusivas, entre outras.
Os resultados são devastadores. Podem ir desde a uma ansiedade ou mania de perfeição ou ir até a depressão, transtorno obsessivo compulsivo (TOC), transtorno bipolar, a síndrome de burn out, etc. E as reações, imprevisíveis. Uma noite mal dormida de hoje pode se tornar a eliminação de vidas amanhã.
O assédio moral: instrumento de um cotidiano doentio
O trabalho assalariado no capitalismo, ao mesmo tempo em que foi um enorme avanço frente às formas-padrão de trabalho escravo-servil dos sistemas sócio-produtivos anteriores, foi responsável pela força mistificadora que sustenta a ideologia de que é possível vender a força de trabalho sem ser explorado.
Ocorre que sua característica anárquica de concorrência, impõe uma tendência de queda dos lucros e, portanto, exige sempre mais produtividade. Como em termos gerais as relações de escravidão foram socialmente abolidas, produzem-se novas formas de intensificação do trabalho. Quando o convencimento pacífico não funciona, as ameaças que ao final e ao cabo sugerem perda de salários, direitos e o desemprego cumprem seu papel na intensificação da exploração. O assédio moral é, portanto, produto indissociável da lógica da produtividade.
Mas, além de ferramenta de aumento da exploração, o assédio moral é também a forma através da qual se concretizam os enfrentamentos cotidianos no seio dos próprios trabalhadores. Os capitalistas destacam uma parte dos quadros profissionais oriundos da classe trabalhadora, aproveitando os mais habilidosos na mobilização das pessoas ou os mais sem pudores na arte de subjugar para cumprirem o papel de gestor, delegando-lhes por meio de uma remuneração especial a tarefa utilizar sua posição hierárquica para fazer os demais trabalhadores renderem para além dos seus limites. Esta realidade de assédio moral, muito comum dentro dos bancos, confronta os “peões” com os chefes, tornando o cotidiano do trabalho potencialmente opressivo e doentio.
Ambientes doentis geram comportamentos extremos
Todo ser humano tem um limite, nas mais variadas dimensões. Há limites que podem ser mais ou menos padronizados, como o limite físico. Ao se observar aspectos de um determinado corpo é possível, por exemplo, ter uma idéia da quantidade de peso que ele pode suportar. Mas com a mente humana, não é assim.
Cada indivíduo é uma síntese de singularidade de sua própria formação, de suas próprias experiências, com o que é compartilhado pelo ambiente que vive e suas transformações ocorridas ao longo da história. É impossível, portanto, saber até quando um ser humano agüenta ser pressionado, exigido, humilhado, perseguido, ridicularizado, em nome de objetivos materiais que ele não reconhece como seu.
Alguns podem passar a vida inteira se subjugando a esse tipo de prática. Outros, podem entrar num ciclo depreciativo que os leve a questionar se vale a pena viver. Já outros podem, no ápice do seu desespero e descontrole, tentar ceifar a vida de quem naquele momento é visto como seu capataz. Tomara que se multipliquem os que apostam na luta coletiva para superar essa realidade.
Não há como dizer sem uma análise séria se o ex-funcionário da Caixa que foi protagonista dessa tragédia estava sendo vítima do seu então chefe, e por isso tentou matá-lo. Por outro lado não há como negar que o ambiente de pressão, exploração e horror que é cada unidade bancária da Caixa Econômica Federal (e todos os demais bancos) é fator determinante para episódios desse tipo.
Porque ambientes doentis geram comportamentos extremos. E porque todo banco tem um pouco de manicômio. Todos os dias há uma tragédia anunciada.
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