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BRASIL

Raio-X da Odebrecht

Por: Stephano Azzi, de São Paulo, SP

Fundada por Norberto Odebrecht, em 1944, a Odebrecht é uma empresa de capital fechado e familiar, a 5ª maior empresa privada do Brasil e a 12ª maior construtora do mundo (Engineering-News Record). Sua história faz parte da história do Estado brasileiro nos últimos 60 anos, tendo como destaques a sua consolidação como grande empresa durante a ditadura civil-militar e o seu avanço de internacionalização durante os governos do PT (ZIBECH, Raúl).

Nos dois casos, a empresa trabalhou em parceira com os governos obtendo vantagens competitivas como a conquista de licitações para a realização de obras públicas e vultuosos empréstimos do Estado através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Neste artigo, vamos tratar do desenvolvimento da empresa a partir do período de democratização do Estado brasileiro em meados da década de 1980.

Evolução da Odebrecht da década de 1980 aos anos 2000
Em 1985, a Odebrecht já era uma construtora consolidada no mercado imobiliário brasileiro e internacional. Neste ano, 30% de seus contratos em carteira representam suas obras fora do Brasil e em 1991 torna-se a primeira empresa a realizar uma obra pública nos EUA.

Em 1994, a Odebrecht estava presente em 21 países e tinha um quadro de 31 mil funcionários. No contexto das privatizações dos governos FHC, a construtora fez algumas aquisições de empresas públicas e privadas, optando por tomar como um de seus rumos prioritários o setor petroquímico.

Em 1995, adquiriu a PPH e a Poliolefinas no âmbito do Programa Nacional de Desestatização (PND) aprovado em 1993. Em 1996, adquire o controle acionário da CPC e da Salgema, fundando em seguida a Trikem.

Em 2001, torna-se o maior grupo petroquímico da América do Sul, a maior construtora de hidrelétricas e aquedutos do mundo, a maior construtora da América Latina e uma das 30 maiores exportadoras de serviços do mundo. Em 2002, funda a Braskem e expande suas atividades para o Oriente Médio.

Apesar da manutenção e expansão de suas atividades, a Odebrecht inicia os anos 2000 com leve aumento no quadro de funcionários e com sua participação reduzida no cenário econômico internacional em comparação às duas décadas antecedentes. Em 2004, a Odebrecht chega a  40 mil funcionários atuando em 16 países.

Os mandatos do PT representam uma mudança significativa no porte e no perfil da empresa. A partir de grandes empréstimos do BNDES, seguidas vitórias em licitações públicas e ampla captação de recursos no mercado financeiro, a Odebrecht traça uma estratégia muito mais agressiva de diversificação produtiva e internacionalização.

Em 2006, cria a Odebrecht Óleo e Gás, em 2007 cria a Odebrecht Agroindustrial e em 2010 cria a Odebrecht Transport. Neste ano, torna-se a maior produtora de resinas termoplásticas das Américas. Em 2011, adquire quatro plantas industriais da Dow Chemical, uma das maiores indústrias químicas do mundo, sendo duas plantas nos Estados Unidos e duas na Alemanha.

Em 2012, cria a Odebrecht Properties para operar ativos imobiliários e a Odebrecht Latinvest para operação logística e de infraestrutura na América Latina. 2013 é o ano de fortes investimentos nas concessões obtidas de dois estádios para a Copa do Mundo de 2014 e na reforma do Maracanã.

Em 2014, a construtora chega a um nível de diversificação e internacionalização muito distinto do início da década anterior. A Odebrecht está presente em 12 negócios, 3 fundos de investimento, 3 empresas auxiliares e 1 Fundação. Em 2016, a empresa tem programada a construção do maior complexo petroquímico do México, considerado o maior investimento industrial brasileiro da história no exterior.

Até dezembro de 2015, a empresa estava presente em 25 países e contabilizava 178 mil funcionários (200 mil segundo a Revista Isto É), o que a tornava a empresa brasileira com mais empregos diretos no Brasil e no exterior. Seu crescimento anual de receita bruta nos últimos 15 anos, antes da prisão de Marcelo Odebrecht, era em média de 20%.

Em 2003, a receita da empresa foi de 17,3 bilhões de reais, saltando para 132 bilhões em 2015. Para se ter uma noção do que era a receita bruta da Odebrecht recentemente, basta compará-la com o PIB nacional. Em 2014, a receita bruta (interna e externa) da empresa foi de R$ 117 bilhões e o PIB foi de R$ 5,5 trilhões, ou seja, a receita do ano citado foi equivalente a 2,1% de tudo que foi produzido no território brasileiro.

Além da diversificação e do aumento do porte, destaca-se o vertiginoso crescimento de seus investimentos realizados no exterior e do que isso passa a representar para seu faturamento. Em 2015, a carteira da Odebrecht Construção Civil (OEC) contava com 79% de contratos internacionais e apenas 21% de contratos brasileiros.

Em 2015, o grupo Odebrecht faturou R$ 125 bilhões, sendo que 75% desse dinheiro era oriundo de receitas internacionais. A Fundação Dom Cabral elegeu a Odebrecht como a mais internacional das empresas brasileiras.

Composição do capital da Odebrecht
A Odebrecht é uma empresa familiar de capital fechado. Em 2010, em plena expansão da crise mundial, o ranking IMD considerou a Odebrecht como a melhor empresa familiar do mundo.

A composição do capital de uma empresa deste porte é extremamente complexa e difícil de ser estudada. Um número interessante é a divisão percentual de seu endividamento líquido de R$ 63,3 bilhões junto aos credores. 39% dessa dívida é de recursos captados no mercado financeiro, 23% de organismos multilaterais e bancos de desenvolvimento (15% do BNDES), 25% de bancos comerciais brasileiros e 13% de bancos comerciais internacionais.

Um estudo mais aprofundado deveria contabilizar a composição do capital dos 12 negócios do grupo. Mas, para termos uma ideia do quanto o grupo tem de participação nas empresas que controla, optamos por levantar dados de duas de suas principais empresas, a Braskem e a Odebrecht Transport. Segundo o jornal Valor Econômico, em referência à Braskem, “do capital total, a Odebrecht tem 38%, a estatal [Petrobrás] possui 36% e os [sócios] minoritários, 25%”. A Odebrecht Transport, por exemplo, tem 30% de sua ações atreladas a fundos de investimentos do FGTS (FI-FGTS).

Observando esses números podemos afirmar que o capital nacional de origem estatal é parte significativa da composição de pelo menos duas empresas fortes do grupo, com destaque para o BNDES, fundos públicos de investimento e investimento direto de estatais como a Petrobrás. Segundo Caio Bugiato, em sua tese de doutorado sobre a relação do BNDES com a burguesia nacional, defendida em 2016, o BNDES cumpriu um papel central no crescimento da Odebrecht durante os dois mandatos de Lula.

Operação Lava Jato e nova estratégia empresarial
Marcelo Odebrecht acaba de assinar o maior acordo de leniência da história do capitalismo moderno, no valor de mais de R$ 6 bilhões. Metade desse acordo penalizará a Braskem e, mesmo assim, não chegará à metade da restituição do prejuízo causado à Petrobrás. Isso representa a entrega direta a organismos nacionais e internacionais, mediante a ameaça de destruição total de seu patrimônio, de mais de 25% do caixa consolidado do grupo em 2014, ou seja,  R$ 25 billhões.

A estratégia traçada pela empresa no período mais turbulento de sua história é encolher para sobreviver. Além do acordo citado, a empresa demitiu 50 mil funcionários em 2016, reduzindo seu quadro para 128 mil pessoas, vendeu uma hidrelétrica e uma rodovia no Peru, além de um bloco petrolífero em Angola, numa estratégia denominada “alienação de ativos”.

Em comunicado oficial, a empresa diz: A Odebrecht S.A segue evoluindo em seu plano de alienação de ativos, reestruturação de dívidas e fortalecimento da estrutura de capital de alguns de seus Negócios. O objetivo é garantir liquidez financeira diante da prolongada crise econômica brasileira e da instabilidade de alguns setores onde atua, como o sucroalcooleiro e óleo e gás. Uma das ações deste plano é a venda, até meados de 2017, de ativos avaliados em aproximadamente R$12 bilhões”. *

É curioso notar que desde o início da crise imobiliária norte-americana, a Odebrecht manteve patamares de crescimento constantes até a prisão de seu principal acionista. As avaliações sobre a prisão de Marcelo e a fase de instabilidade da empresa são semelhantes no seio empresarial. Segundo Sérgio Lazzarini, do Insper, a Operação Lava Jato põe em xeque o modelo que permitiu a ascensão da Odebrecht e de outros grupos nacionais. Oliver Stenkel, da Fundação Getúlio Vargas, afirma que a Operação Lava Jato é a reavaliação da “política dos campeões nacionais”, caracterizada pelo favorecimento explícito dos governos petistas junto a determinadas empresas brasileiras.

Fontes e Referências bibliográficas:

Grupo Odebrecht

Fundação Dom Cabral

BNDES

Revista Engineering-News Record

Jornal Valor Econômico

ZIBECH, Raúl; Brasil Potencia. Entre la integración regional y un nuevo imperialismo

MARTINS, Caio Bugiato; A política de financiamento do BNDES e a burguesia brasileira

Foto: Odebrecht