Produtividade e migrações, a “válvula de escape” da queda tendencial da taxa de lucro
Por: Raquel Varela, colunista do Esquerda Online
Um anúncio espalhou-se à velocidade da luz pelas redes sociais esta semana. Um avô polaco encomenda um kit de inglês para principiantes para ir visitar a neta, que ele não conhecia, no Natal. O filho tinha emigrado para Inglaterra. Espalha pela casa toda post its nomeando em inglês cada canto da casa. Até o cão leva no nariz um “dog”! Há momentos hilariantes como aquele em que nos transportes repete alto “I love you!, I love you!” e uma jovem olha para trás, espantada. Quando chega o Natal ele aterra do lado de lá da Mancha. Uma linda pequena bebé aguarda-o, desconfiada, estranhada. E ele, num inglês magnífico, diz-lhe “Eu sou o teu avô”.
A popularidade do anúncio que atingiu milhões de visualizações em pouco dias centrou-se no afecto e dedicação do avô – ao contrário do que diz o ditado popular português “burro velho” afinal aprende línguas. É a força do amor. Mas…o melhor do anúncio não foi isto creio. É a ténue reação da bebé que não foi comentada por ninguém mas está lá, seriamente retratada pela publicidade – a bebé pouco reage ao “Eu sou o teu avô”, continua a olhar para ele como um estranho. Porque ele é um estranho.
1 milhão de polacos saíram do país recentemente. De Portugal, nos últimos 5 anos 10% da população empregada, uma parte com qualificações superiores, a maior sangria de quadros de sempre, foi-se embora. Mandam fotos deles e dos netos pelo facebook. Tivemos grandes vagas migratórias, mas nada com o peso relativo desta. Imaginem o que é construir um frigorífico e, a seguir, quando está pronto, deitá-lo fora.
O frigorífico aumenta a nossa produtividade porque permite não estar ao lado do campo a fazer alimentos todos os dias. Os nossos frigoríficos, a nossa força de trabalho, são todos os dias construídos, ao longo de 20 e 30 anos de escolas suportadas pelos nossos impostos, trabalham melhor em menos tempo, com mais qualificações, e depois são exportados. Saem, deixam de ser uma pressão para a mudança social aqui e ainda enviam dinheiro – divisas – que ajudam os pais e famílias desempregados ou com baixos salários.
Ou seja, as divisas financiam as empresas que pagam baixos salários aqui, porque a quebra salarial de cá é compensada com os envios de lá. Naturalmente quem sai, de uma ou outra forma, pressiona os salários de lá para baixo, dando lume à extrema-direita, porque a maioria dos sindicatos, cá e lá, estão paralisados a manter um pacto social que já só existe para eles, dirigentes sindicais. É uma super-válvula de escape para aumentar o exército industrial de reserva (desempregados) e manter taxas de lucro sem investir. Diz o economista marxista Michael Roberts que sem o peso da emigração na queda dos salários não se compreende a evolução das taxas de lucratividade na Europa nos últimos anos.
Mas nós não somos frigoríficos. E palavras não constroem relações. “Eu sou o teu avô” para aquela criança não quer dizer nada porque o que nos faz ter saudades dos avós é o que fizemos (acção) com eles ao longo de um tempo continuado – é quando eles tiraram tempo para nós e se sentaram ao nosso lado a ensinar-nos a ver e fazer a mundo, é quando nos deram tempo, traduzido em atenção e cuidado. As relações liquidas, expressão feliz de Zygmund Bauman, também ele polaco, são assim: rápidas como a velocidade dos investimentos que remuneram acionistas que investem para remunerar acionistas e depois de remunerados vão investir para…ser remunerados…
Que o homem tenha sido tornado numa mercadoria, rompendo laços de afecto continuados e também por isso densos e sólidos, maravilhosos, é o grande desafio a reverter. Que isso seja oferecido como “abertura de espírito da globalização” é burlesco.
Avô, quem és tu?
*Preservamos no artigo a língua originária da autora, português de Portugal.
Acesse o vídeo no link: O anúncio que deixou milhões em lágrimas.
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