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O Ministério Público, o capital financeiro e a corrupção

Por: Euclides de Agrela, de Fortaleza, CE e Gibran Jordão, do Rio de Janeiro, RJ

O Poder Judiciário é o mais reacionário dentre os três poderes do atual regime do Estado brasileiro. Ao contrário dos poderes Executivo e Legislativo que na democracia representativa têm presidentes, governadores, prefeitos, senadores, deputados e vereadores eleitos periodicamente pelo voto universal, o Poder Judiciário é composto por juízes, desembargadores, promotores e procuradores que não são eleitos por ninguém.

Esses altos burocratas do Poder Judiciário chegam a seus cargos através de concurso público ou indicação política e permanecem neles até a aposentadoria, sendo raramente processados, condenados, removidos ou presos, ainda que venham a cometer crimes. Trata-se de uma poderosa burocracia que goza quase que absolutamente da ausência de imputação criminal.

MP brasileiro: status político sem paradigma em todo o mundo
Dentre as instituições do Poder do Judiciário, cabe destacar o papel do Ministério Público (MP). A Constituição de 1988, no seu Artigo 127, definiu que: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Segundo Rafael Luís Ramos, em artigo publicado no conhecido site jurídico Jus Navigandi: “O Ministério Público brasileiro recebeu do Constituinte originário de 1988 um perfil institucional e um status político sem paradigma em todo o mundo”.

Durante as Jornadas de Julho de 2013, o protagonismo político do MP destacou-se ao incluir nas reivindicações das ruas a luta contra a Proposta de Emenda Constitucional Nº 37 que, se aprovada, reduziria o poder de investigação do MP. O principal argumento contra a PEC 37 foi que a sua aprovação impediria o MP de investigar particularmente os casos de corrupção governamental.

Naquele contexto, tanto setores de direita quanto de esquerda apoiaram a derrubada da PEC 37. Poucos na esquerda socialista imaginavam àquela altura o significado e a dimensão desta bandeira. No entanto, na mesma época, opiniões minoritárias do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), ainda que contrárias à PEC 37, criticaram a ação do próprio MP.

O conselheiro Luís Moreira Gomes Júnior entendia “que a independência funcional do Ministério Público, garantida na Constituição Federal de 1988, precisa de ajustes”. Segundo ele, “esta é a oportunidade para que o MP faça uma autocrítica e promova sua própria regulamentação”. E criticou o que vê como uma visão maniqueísta: “os políticos são tidos como corruptos, e os procuradores e promotores, como honestos”.

Em sua declaração, o conselheiro do CNMP, ainda que deixasse nítida sua posição contrária à PEC 37, demonstrava de maneira explícita a defesa da regulamentação das ações do MP. Mas, ato seguido à derrubada da PEC 37, não veio nenhuma regulamentação das ações do MP, muito pelo contrário.

A padronização das ações dos MPs no mundo
O atual estágio da globalização capitalista impôs a mudança de leis e instituições nacionais para que os negócios das empresas transnacionais tenham condições de fluir sem impedimentos, particularmente quando se tratam de obras públicas, privatizações, terceirizações, compras governamentais e exploração do subsolo.

Um esquema de corrupção numa empresa de capital misto, como a Petrobrás, por exemplo, não gera somente prejuízo para o povo. Os sócios privados também perdem se estão fora dos esquemas de fraude, corrupção e lavagem de dinheiro. Não foi à toa que acionistas norte-americanos processaram a Petrobrás por conta das investigações da Operação Lava Jato.

A autonomia, padronização de procedimentos, cooperação e articulação em escala internacional da ação dos ministérios públicos servem para garantir a ordem, a segurança jurídica e o lucro das empresas transnacionais sem que estas dependam necessariamente de arranjos políticos de ocasiãoque as excluam, ou seja, da corrupção governamental que correm à margem delas.

Em 2007 foi publicada a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Através dessa convenção, o imperialismo passou a interferir na legislação e nos instrumentos jurídicos dos países periféricos no tocante à corrupção. Seus capítulos mais importantes tratam da prevenção, penalização, recuperação de ativos e cooperação internacional.

Outra iniciativa importante foi a fundação da Associação Internacional dos Procuradores (IAP). Segundo o site da entidade: “O principal impulso que levou à sua formação foi o rápido crescimento da criminalidade transnacional grave; especialmente o tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e fraude”.

À época da votação da PEC 37, em 2013, o presidente da IAP, James Hamilton, enviou carta à Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) contra a regulamentação das atribuições do MP. Ainda em 2013, a IAP premiou a Procuradoria-Geral da República pela investigação, o processo e o julgamento da ação penal do escândalo do Mensalão.

Em 2014, o Ministério Público da União (MPU) passou a fazer parte oficialmente da IAP. Em 2015, numa cerimônia em Nova Iorque, as investigações do Ministério Público Federal (MPF) na Operação Lava Jato receberam o prêmio anual da Global Investigations Review (GIR), na categoria “órgão de persecução criminal ou membro do Ministério Público do ano”. E em 2016, Rodrigo Janot, atual Procurador-Geral da República que atua na Operação Lava Jato, foi eleito membro do comitê executivo da IAP.

Como se pode verificar, a bandeira contra a corrupção governamental passou a ser utilizada pelo imperialismo. Seu objetivo não é somente proteger seus negócios, mas também ampliá-los, deslocando da concorrência setores nacionais que utilizam a corrupção como forma de disputa. Não foi por acaso que esse expediente se intensificou justamente no momento em que a disputa capitalista se viu acentuada após a crise que se abateu sobre a economia mundial em 2008. Também não é casual que vários governos na América Latina – além do Brasil, podemos citar os casos de Cristina Kirchner, na Argentina e, mais recentemente, de Michelle Bachelet, no Chile– se viram envolvidos em violentas denúncias de corrupção.

Portanto, é um equívoco pensar que a Força-Tarefa da Lava Jato tem objetivos morais ou éticos. Ou, que se trata de uma atuação neutra e independente da Justiça pairando por cima dos interesses das classes. A esquerda socialista e a classe trabalhadora devem estar atentas para não caírem nesta armadilha.

Foto: Vladimir Platonow/ Agência Brasil