Por: Anna Schepp e Francisco da Silva, de Porto Alegre, RS.
Há quase uma década, a legislação eleitoral modificou algumas regras para ser realizado o registro do DRAP (Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários). Desde então, conforme o art. 10, §3º, da Lei 9.504/97, é necessário um mínimo de 30% de mulheres candidatas por partido ou coligação para que a chapa possa concorrer. Do ponto de vista social, ninguém discorda que a medida foi um avanço, mas, em contrapartida, o número de mulheres candidatas diminuiu de 32,57% em 2012 para 31,60% em 2016. E as candidatas à prefeita, na última eleição, foram apenas 12,57% do total de candidatos. Baseando-se então nesses dados, nos surge uma pergunta: a política de cotas para mulheres no processo eleitoral surte o efeito desejado?
Nos últimos anos, o tema da luta contra o machismo ganhou influência de massas entre as mulheres e, mesmo que em menor quantidade, homens também ficaram mais reflexivos sobre suas posturas na sociedade. Ainda assim, nessas eleições, as mulheres perderam espaço nas câmaras e prefeituras. Mas além disso, tão pertinente quanto esse retrocesso, é a instrumentalização das mulheres que ocorreu no interior de muitos partidos. Em muitos locais, as candidaturas femininas foram decididamente boicotadas e outras tantas, sequer saíram do papel. Esse terrível fenômeno, infelizmente, ocorreu também dentro de partidos de esquerda.
Como o machismo é uma prática que atravessa toda a sociedade em todos os lugares, nas eleições os homens subestimaram a importância das mulheres na política tratando de “conceder” a elas menos tempo de televisão, menos verba para campanha e menos apoio de equipes técnicas de comunicação e legislação. Isso contribuiu para que as mulheres tenham ainda menos espaço na representação política. Não foram poucos os casos em que mulheres saíram desmoralizadas e fragilizadas pelo fraco desempenho nas urnas. A lei, que devia impulsionar a equidade de gênero, acabou por tornar as mulheres ainda mais vulneráveis no campo político. Para algumas foi uma experiência traumática. O que nos permite concluir os limites da lei: se é verdade que é importante, também é verdade que é insuficiente.
Também não podemos cair no erro de considerar todas as representações femininas como avanço social. As senadoras Ana Amélia Lemos (PP-RS) e Kátia Abreu (PMDB-TO) representam as mulheres? Essa é uma questão delicada que não pode ser debatida sem uma profunda reflexão. Mas se pensarmos em empoderamento feminino e recortes de classe e etnia, não há outra saída senão admitir que as duas congressistas traduzem uma realidade que não condiz com a das trabalhadoras desse país. Ambas representam a alta burguesia e o latifúndio, o sistema capitalista que mercantiliza e objetifica as mulheres e, como se ainda não bastasse, são omissas às truculências misóginas de Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro. Tampouco as brasileiras se sentem representadas com o slogan dado a Marcela Temer: bela, recatada e do lar. É importante, porém, nos atentarmos que é dever da esquerda lutar contra qualquer ameaça de cunho machista que essas mulheres sofram. Elas são nossas inimigas de classe, não de gênero.
Por outro lado, arrancando alegria ao futuro, em termos de representação feminina feminista e classista, foram muitas as mulheres eleitas para câmaras de vereadores. Mulheres realmente comprometidas com a luta das mulheres. Com 8.002 votos Amanda Gurgel do #MAIS pela legenda do PSTU foi a segunda mais votada, apesar de não ser eleita em função do quociente eleitoral. Com 14.630 votos, Fernanda Melchionna (PSOL) foi a vereadora mais votada em Porto Alegre (RS). Áurea Carolina (PSOL) e Marielle Franco (PSOL), ambas mulheres negras, se elegeram, respectivamente, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro. Em São Paulo, Sâmia Bonfim (PSOL) foi eleita, e o conjunto de mulheres da esquerda socialista (PSOL/PCB/PSTU) fizeram juntas quase 50 mil votos. São muitos os exemplos de mulheres de luta que fizeram importantes campanhas e excelentes votações, para prefeita ou vereadora.
Não tem jeito, a lei só não basta. As mulheres representam 52% da força de trabalho mundial, suportam a dupla jornada de trabalho (assalariado e doméstico) e sofrem diariamente com a opressão colocada sobre seus corpos. O Índice de Desigualdade de Gênero brasileiro é maior que a média global, e a nossa resposta para isso deve ser a união das trabalhadoras e da juventude. É também papel de toda esquerda se empenhar no avanço das discussões feministas, lutar contra a atual organização social do gênero, combater o machismo. Nós já aprendemos a bater de frente com a burguesia, agora nosso desafio é enfrentar incessantemente o patriarcado.
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