Por: Matheus Gomes, Lucas Fagundes e Otávio Tinoco
Chegando na Rodoviária de Porto Alegre, o nosso sentimento era de ansiedade. Somos três jovens com experiências diferentes nas lutas sociais, mas um momento marcou nossas vidas, os 42 dias de ocupação das escolas gaúchas. Nosso desejo era reencontrar aquele clima de união, as discussões inacabáveis, as salas de aula que viraram cozinhas e dormitórios, as barricadas de classes e cadeiras nos portões.
A viagem foi curta, dormimos a maior parte do trajeto, pena que apertados naquelas cadeiras que descem até ficar quase bom para dormir. Ainda bem que na penúltima parada descobrimos que o primeiro andar do ônibus estava vazio e pudemos relaxar de verdade.
Pronto! Eram 10h30 quando desembarcamos em Curitiba. Clima cinza, frio em plena primavera, mas sabíamos que a luta esquentava a cidade. Naquela altura do campeonato, tínhamos 143 escolas ocupadas, 25 apenas no começo da manhã. Ao encontrar o nosso guia, o professor Marcelo, já rolou aquela resenha sobre a caracterização do movimento, percebemos que as ocupas estavam na mesma pegada gaúcha: autodeterminação e combatividade.
Nos deslocamos inquietos para o Newton Freire Maia, em Pinhais, primeiro contato com a piazada, sim, aqui não é gurizada, é piazada. A receptividade foi gigante, fomos acolhidos com abraços e apertos de mão, comemos um bom pão com manteiga e olha que eles tinham recém-saído da assembleia que iniciou a ocupação. 130 a 9 foi o resultado, uma vitória gigante, antecedida por um apertado 25 a 19 no turno da noite. Segundo a piazada, o perfil da noite reflete um setor de estudantes ‘pais e mães de família’, que levantaram preocupações sobre onde deixar os filhos, problemas relacionados à vida profissional, mas no final prevaleceu a ideia de lutar no presente para garantir o futuro. Horas antes, assistimos preocupados a aprovação da PEC 241, pauta dos cartazes e falas. Argumentamos na assembleia que nossa missão era articular o movimento, pois nossas demandas só vão vencer com uma luta nacional que derrote Temer e aliados.
À tarde paramos pra trocar uma ideia com alguns professores e militantes do MAIS. Aí já tínhamos 165 ocupações, a intensidade da luta é impressionante. O protagonismo dos estudantes da região metropolitana nos chamou a atenção. São José dos Pinhais, uma cidade conhecida por ser um centro da indústria automobilística, foi onde surgiu a primeira ocupação, no Arnaldo Jansen. Uma metade das escolas ocupadas na região ficam em Curitiba e a outra dividida entre S.J. dos Pinhais, Pinhais, Colombo e Almirante Tamandaré, com peso grande das periferias.
No caminho para o Centro, Marcelo nos informou que passávamos pelo bairro onde vive o Juiz Sérgio Moro. Um lugar da alta burguesia curitibana, bem diferente da realidade que começamos a conhecer nas ocupações. Infelizmente, o peso da direita na cidade cresceu. O segundo turno é disputado por Rafael Greca (PMN) e Ney Leprevost (PSD, com o apoio da UJS/PCdoB), ambos ligados politicamente à velha ARENA, da ditadura militar.
Logo já vimos a primeira movimentação dos coirmãos do ‘Desocupa RS’. Dois grupos de extrema-direita, o ‘Patriotas’ e o ‘Curitiba contra a corrupção’ convocaram uma coletiva de imprensa para dizer que “ocupação é golpe” e incitar os pedidos de reintegração de posse. Mas, os primeiros pedidos já haviam sido derrotados na Justiça. É que o apoio às ocupações é grande, a defesa da educação comove e mobiliza a sociedade, a ‘República de Curitiba’ virou a ‘Capital das Ocupações’. Só que a atenção é necessária. Como fizemos em Porto Alegre, a piazada deve preparar autodefesa, pois ocupar é resistir em todos os sentidos.
Partimos para a última missão do dia, nossa oficina sobre as ocupações gaúchas na ocupação do Arnaldo Busato, em Pinhais. A troca de experiências foi intensa. Começamos com um debate sobre a PEC 241, que terminou numa discussão sobre o sistema de saúde estadunidense. Logo nos sentamos em roda e começou a resenha sobre o que nos levou a abandonar nossas casas no frio de 0° de maio e junho. No meio do diálogo, um momento de tensão. O responsável pela segurança naquele momento comunicou que a Guarda Municipal estava na porta com o Conselho Tutelar e um Oficial de Justiça. Fomos correndo verificar a situação e vimos que era uma tentativa de intimidação. A equipe de segurança não sabia que a entrada deles não poderia ocorrer assim, até porque não havia mandado algum expedido. Eles verificaram as condições da escola e logo saíram. A janta começou a ser feita e o debate acabou.
Antes de irmos dormir, passamos no CEP, a maior escola de Curitiba, com cerca de seis mil alunos.
Novamente fomos bem recebidos e a ocupação estava bem organizada, com equipe de segurança fazendo a revista cuidadosa, mas muito respeitosa. Pelo tamanho da escola, que ocupa um quarteirão inteiro, a ronda é feita no lado de fora, uma tensão a mais pra piazada.
Chegamos em casa, comemos um cachorro-quente, descobrimos que salsicha aqui se chama vina e começamos a preparar nosso diário. Antes de dormir um recado de um de nossos anfitriões dizia que as escolas da periferia estavam sendo ameaçadas pelo tráfico de drogas e o clima está tenso. Enfim, assim dormimos. A luta continua cedo da manhã e não importa que é feriado.
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