Por: Camila Lisboa, de São Paulo, SP
O resultado eleitoral na cidade de São Paulo foi desastroso. A alegria e surpresa de Geraldo Alckmin, com a vitória de João Dória no primeiro turno, é inversamente proporcional à perplexidade e temor que tomou conta de milhares de pessoas. Principalmente aquelas que têm uma larga experiência com o PSDB.
Truculência no Pinheirinho, falta de água no Estado, repressão aos movimentos sociais, demissão dos metroviários, truculência nas negociações com professores e demais categorias estaduais. Reorganização escolar e polícia batendo nos jovens estudantes. Isso para não falar do propinoduto tucano na CPTM e Metrô. Uma longa lista de absurdos que fazem muitos e muitos jovens estudantes e trabalhadores paulistas ficarem indignados com uma vitória eleitoral acachapante do pupilo de Alckmin, um dos principais responsáveis por todas essas atrocidades tucanas.
Compartilhamos dessa perplexidade, indignação e preocupação. Será muito importante reunir e reorganizar forças para enfrentar as medidas privatistas e “antipovo” que João Dória vai encabeçar.
Mas é preciso compreender este resultado. E acreditamos que apenas a constatação de que “o povo é ignorante”, “desinformado” ou pouco instruído, não explica este resultado. Ela é apenas uma constatação de que as pessoas se informam pouco para votar. E isso é uma infeliz verdade, que deve ser explicada junto a este resultado. Nos preocupa a repetição constante dessa constatação na forma de comentários preconceituosos, de que “o povo é burro”, que “tem o governo que merece”. O povo de São Paulo não merece o governo de João Dória.
Como é a participação e educação política do povo?
A participação política da população é pouquíssimo estimulada. A organização dos trabalhadores em seus sindicatos, na briga por seus direitos, ou da juventude na defesa da sua escola é um aprendizado político praticado por uma porcentagem pequena da população. E mesmo entre essas formas de organização, há diferenças entre si, que garantem mais ou menos aprendizados políticos.
Em geral, quanto mais precário é o trabalho, há menos organização desta ou daquela categoria. E com isso, menos conquistas materiais e menos aprendizados políticos. E quem trabalha de forma mais precarizada na cidade de São Paulo – assim como em todo o país – mora na periferia da cidade. É também a população mais pobre e mais carente que tem menos acesso a uma educação de qualidade, o que é consequência de anos e anos de sucateamento e depredação do ensino público.
A combinação entre pouco aprendizado político, vindo de uma luta por salários, por direitos, etc e pouca formação de qualidade estimula a pouca participação política. E a pouca participação política diminui a memória política da população. Mas até aqui, demonstramos que as raízes disso não está na disposição deste ou daquele indivíduo ir atrás das propostas. Isso pode acontecer dentre as pessoas mais desprovidas de acesso à informação. Mas não é a regra social, ou seja, o fato mais recorrente que ocorre. Por isso, há uma explicação social para isso.
Nesta explicação, é possível então associar que a destruição da educação pública, assim como a precarização do trabalho e a pouca organização sindical e política da população serve muito aos poderosos de plantão. Trata-se de um processo estimulado quando este ou aquele governo sucateiam as áreas sociais. O que demonstra que a “alienação do povo” é estimulada.
O recado da quebrada
E mesmo diante de toda essa realidade adversa, as poucas vias de ampliar a instrução coletiva e política da população não elimina totalmente a memória política da população. Porque este resultado na cidade de São Paulo também revela recados políticos importantes que se conectam com diversos fatores políticos da realidade em que ocorreram as eleições. E que demonstram que a “alienação do povo” tem limites.
Um deles foi a desilusão com o PT. Por razões de seu estelionato eleitoral. Por razões de seus ataques aos trabalhadores, de sua infeliz opção de tentar governar para ricos e pobres. Uma fórmula que não funcionou ou que favoreceu os ricos. Por razões de entrar no jogo dos poderosos contra os quais o PT tanto lutou.
Aqui em São Paulo, essa desilusão se somou ao fato de que Haddad abandonou a periferia. Abandonou e ignorou a base social que o PT tinha na cidade. As medidas democráticas no centro dessa megalópole, como a ciclovia, o Wi-Fi, a Paulista aberta, não impactaram positivamente a vida no Capão Redondo, na Cidade Tiradentes, na Cohab II, na Brasilândia, São Matheus, etc. E o povo deu o seu recado. Distorcido e com uma péssima resultante. Mas foi um recado importante. Um recado que deve ser compreendido por aqueles que querem mudanças reais e definitivamente não vêem no PSDB – e nem em Marta e em Russomano – o caminho para isso.
Regras antidemocráticas
Dentro de todo esse contexto, a eleição é um jogo super controlado pelo poder econômico e pelo poder dos que já estão no poder. O tempo de TV dos candidatos é calculado pela quantidade de parlamentares que um partido ou uma coligação possuem.
Em 4 minutos, Dória tinha muito mais oportunidade de apresentar suas ideias do que, por exemplo, Luísa Erundina, que tinha 10 segundos em seu programa. Isso é uma forma de manter os mesmos partidos no poder. As campanhas mais ricas conseguem mais alcance. Em uma cidade como São Paulo, isso é determinante.
“Eu não sou político, sou gestor”
Essa foi a frase mais repetida pelo candidato que saiu vitorioso. Um jogo de marketing mentiroso – pois Dória estava se candidatando para um cargo político e teve vários cargos indicados, como a presidência da Embratur. Mas ao mesmo tempo, um slogan que empalmou na indignação da população com a “classe política” em geral. E que reforça a ideia de que as melhores administrações são aquelas “isentas”, preocupadas em administrar. Também uma ideia mentirosa, porque seu projeto – revelado ainda mais nessa semana com a anúncio de uma lista de privatizações – não tem nenhuma isenção. Privatizar é um projeto político de país, um projeto que favorece empresas e empresários e destrói os serviços para a população.
Unir a quebrada, os movimentos sociais, dos trabalhadores e da juventude, contra os ataques de Dória
É claro que nos preocupa a ampla adesão eleitoral que teve esse programa. E reforça a tarefa de desenvolver argumentos que demonstrem como se trata de uma péssima saída para os problemas da população. Mas isso não vai se desenvolver com a reprodução dos comentários preconceituosos de que o “povo é burro”. Isso vai se desenvolver com a ampliação da relação dos movimentos sociais, das organizações de luta dos trabalhadores com as lutas da periferia. Isso vai se desenvolver com o fortalecimento de uma alternativa sólida de esquerda, provada nas lutas políticas e ideológicas, que tenham corpo e alcance para se fazerem vistas pelo povo.
Esse discurso divide aqueles que precisam se unir para derrotar Dória e o estelionato político e eleitoral do PT. A periferia mostrou que decide. E as ações políticas dos governos estão a serviço de não estimular a participação política do povo. Ao contrário, não querem que a quebrada expresse em lutas e em votos a indignação com a desigualdade social e com as dificuldades que as administrações pública voltadas aos ricos geram.
A associação de que a “senzala” elegeu seu “Senhor de engenho” é uma associação preconceituosa, que não condiz com a história de luta dos negros escravizados. Na história de nosso país, a senzala insurgiu contra seus senhores de engenho. A população paulistana não votou em Dória porque o viu como seu Senhor de engenho. O povo não é burro. O povo é vítima de um sistema político, econômico e social extremamente injusto e controlado pelos poderosos.
E o desafio daqueles que têm uma larga experiência com o PSDB é se unir ao povo, compartilhar essa experiência. E aprender com a sua força. Que se não fosse tão decisiva, os discursos dos candidatos e governantes não seria tão debruçado sobre as demandas da periferia.
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