Pular para o conteúdo

Não precisamos do seu perdão

XJF397693 Revenge taken by the Black Army for the Cruelties practised on them by the French, engraved by Inigo Barlow, from ‘An Historic Account of the Black Empire of Haiti’, published in 1805 (engraving) by Rainsford, Marcus (c.1750-p.1805) (after); Private Collection; English, out of copyright

Por: Janaína Oliveira, colunista do Esquerda Online

As tristes imagens divulgadas pela imprensa nesta semana sobre a situação do Haiti após passagem do furacão Matthew são duras, mas não podem ser debitadas apenas neste fenômeno natural, considerado por cientistas o maior em nove anos que atinge a região do Caribe. Embora tenha perdido força na chegada à costa estadunidense, o fato é que a frieza dos números revela que o maior desastre do Haiti não é o Matthew, mas a ganância infinita dos países ricos.

Enquanto na Flórida foram registradas até o momento quatro mortes, o pequeno país localizado na América Central já acumula quase 900 vítimas fatais e mais um milhão de pessoas afetadas pelo desastre, de acordo com a Agência Reunters. As casas estão no chão, cidades e vilarejos localizados principalmente na parte do sul quase sumiram após as chuvas e inundações decorrentes do furacão. Hospitais estão lotados e nos abrigos a situação, sem água potável e energia, é precária. Na última quinta-feira (6), a Organização Pan-americana da Saúde – OPAS apontou para a real possibilidade de surto de cólera após a chegada do Matthew, lembrando que só neste ano já havia sido registrado 28 mil casos.

Antes de tudo é preciso dizer de qual Haiti estamos falando. São falsas as lamentações dos grandes órgãos de imprensa, assim como são hipócritas as declarações publicadas pelos países a frente da ONU, como é o caso dos Estados Unidos. Ambos utilizam o mesmo discurso para ‘envernizar’ com lágrimas de crocodilo os seus reais interesses. Na boa, já se passaram seis anos desde o terremoto que deixou o país em ruínas e até a chegada do furacão Matthew a maior parte da população ainda se mantinha em moradias improvisadas, sem direito nem mesmo a saneamento.

Vejamos o principal projeto humanitário destinado ao Haiti: A MINUSTAH. A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti é composta por soldados e policiais a serviço da ONU, estimo cerca de 5000 oficiais, sendo deste total 970 soldados brasileiros ( Gente, esse foi um cálculo que eu fiz baseada nos números disponíveis nos sites UOL e Estadão). Desde 2004 quando a MINUSTAH foi criada milhares de militares vindos do nosso país foram recrutados pelo exército e se revezaram para manter a suposta ação “missionária”. De acordo com o Ministério da Defesa em 2016 os cofres públicos destinaram R$120 milhões para essa força-tarefa, sendo que a fatura total desde a sua criação já bateu mais de R$1,8 bilhão. Em matéria do Estadão, uma das justificativas utilizadas pelo Ministério é de que a missão tem possibilitado aos soldados brasileiros adquirir conhecimentos e treinamento em situação real (Tá de brincadeira! Eles treinam lá pra depois aplicar a sua linha genocida aqui? Vai segurando…).

De lá pra cá, qual o saldo?

O Haiti segue sendo o país mais pobre das Américas;
60% da população está abaixo da Linha da Pobreza;
A expectativa de vida é de 63 anos;
Após o terremoto 25 mil famílias vivem em condições precárias; (Imagina agora?)

A mortalidade infantil chegou a proporção de 71/1000; (Nos municípios mais pobres do Brasil a média é de 5/1000)
Por outro lado as Zonas Francas, conhecidas como obras de bondade do imperialismo para a reconstrução do Haiti, são mais rentáveis do que qualquer Mega Sena. Com isenção de tarifas aduaneiras e fiscais as grandes fontes de lucro são certas! Por isso recebem tantos ‘incentivos’ externos como do Canadá, União Européia e dos Estados Unidos. A verdade é que são as mãos haitianas que produzem as roupas de marca que nenhum haitiano com salário de 300 gourdes, o equivalente a U$ 4,84, pode comprar!

[…] Contudo na realidade, as zonas francas constituem, para muitos países pauperizados tais como o Haiti, a única estratégia concebida para diminuir o desemprego e diversificar a produção. Isso com o apoio de instituições internacionais tais como a SFI, instância do Banco Mundial responsável pelo financiamento da CODEVI no Haiti, no seu início. Ora, a produção industrial da CODEVI fora do alcance do poder aquisitivo da maioria dos haitianos inclusos na classe trabalhadora no país onde todos os serviços básicos tais como a saúde, a educação são pagos. No Estado, este pagamento pode ser menor, no entanto, o conceito de serviço público gratuito é inexistente no Haiti quer seja no que diz respeito à saúde quer seja à educação. (DESROSIERS, 2014, p.64). Gostou? Essa citação foi extraída da tese de doutorado da Michaelle Desrosiers, orientada por Ricardo Antunes. Chama-se Trabalho, Mulheres Negras e Zonas Francas no Haiti Contemporâneo: O ‘Empresariado Humanitário’ neocolonial em Movimento. (Vale a dica, porque o texto é maravilhosoo!!)

Estamos falando do Haiti! Dos quase brancos, quase pretos de tão pobre são tratados, como dizia Caetano. A colônia mais rica ao final do séc. XVIII, a mais rebelde do início do séc. XIX e a mais saqueada desde então. A São Domingos que sob o comando negro de Toussaint Louverture insurgiu a base preta escravizada até se tornar Ayti (De origem indígena, significa terra de altas montanhas). A primeira república negra da história. País marcado pelo regime de Papa Dock e que derrotou nas ruas o seu filho, Baby Dock.Território em que 1% dos ricos concentram metade da riqueza nacional.

Não há como negar que o imperialismo desde 1804 tem feito o Haiti pagar em infinitas parcelas de humilhação, endividamento, massacre e exploração pela ousadia de ter enfrentado as grandes potências do mundo para conquistar a sua soberania. Essa não é apenas a história de um povo que sofre. Essa também é a história de um povo que luta e por isso não desiste.

Mal sabem eles que isso é o que o que há de mais precioso, o anseio de liberdade. Isso não se compra, nem se comprará. Por menos que contém a história eles jamais poderão nos negar que o Haiti não é apenas um país, mas sim uma força que pulsa em cada coração negro revolucionário.

O Haiti é aqui. Não precisamos do seu ‘perdão’.

Marcado como:
Haiti