Por: Clara Saraiva e Anna Carolina, do Rio de Janeiro, RJ
As eleições municipais por todo o Brasil estão sendo pautadas pela situação política nacional que, após uma longa crise institucional, culminou com o impeachment da primeira mulher a governar o Brasil. Frente a este golpe, orquestrado pelos setores mais conservadores da política nacional e recheado por machismo e misoginia contra Dilma, parte do movimento feminista tenta criar um consenso em torno ao chamado de que “mulher vota em mulher”. Aqui no Rio de Janeiro, procuram fortalecer a campanha de Jandira Feghali, única candidata mulher. Entretanto, o posicionamento politico do PCdoB de Jandira nos últimos anos, que sustentou governos repugnantes como o de Eduardo Paes (PMDB), não permite que esse chamado seja um consenso entre as feministas.
Basta ser mulher para ganhar o apoio das feministas?
Um olhar sobre as instituições políticas mundo afora mostram que a humanidade avançou. A luta de movimentos como o sufragista, ou a onda feminista norte americana nos anos 60 representaram avanços em nossos direitos. Embora ainda falte muito, é inegável que hoje existem muito mais mulheres atuando na política institucional. Assim como ganharam espaço representativo o povo negro e a comunidade LGBT. Quando estes movimentos lutam por maior representatividade nos espaços políticos, é porque acreditamos que “estando lá”, é possível fazer alguma diferença no combate ao conservadorismo e à velha política. Mas será que é sempre assim?
A condição de vida das mulheres só é alterada para pior, por exemplo, com governos como o de Ângela Merkel, a mulher mais poderosa da Europa. Mesmo sendo mulher, Merkel governa a serviço dos banqueiros e mega empresários. Corrobora para a manutenção de uma sociedade conservadora, que perpetua preconceitos e utiliza a opressão para dividir os trabalhadores. Reprime mulheres imigrantes árabes e africanas e joga nas costas das mais oprimidas as políticas de austeridade pra salvar a elite que representa.
Outro caso emblemático é o do presidente dos EUA, Barak Obama, primeiro negro a sentar na cadeira presidencial da Casa Branca. Foi durante seu governo que explodiu um gigantesco processo de resistência contra a brutalidade da violência policial sobre a população negra. Milhares de jovens pararam as ruas gritando “black lives matter!” (vidas negras importam), denunciando que ter um presidente negro não resolve o problema do racismo. Alinhado com um projeto imperialista, Obama investiu na ocupação militar do Haiti, promovendo um verdadeiro massacre contra a população negra haitiana. Ter um presidente negro não resolve o problema do racismo: a casa continua branca.
A representatividade tem sido um dos grandes impulsionadores dos movimentos sociais que lutam contra as opressões e esta exigência é crucial num país como o nosso onde a maioria dos oprimidos não se enxerga nos espaços políticos, e mesmo de militância. Em relação às mulheres, há uma contradição gigante, já que somos 51,4% da população, mas quem ocupa os postos de poder é uma maioria absoluta de homens, héteros e brancos. São estes que levantam as bandeiras específicas da saúde feminina? Das dificuldades da maternidade solo? Do assédio moral e sexual nos locais de trabalho? Da violência doméstica? Da legalização do aborto? São estes os protagonistas das denúncias contra a cultura do esturpo? Estão em melhores condições de lutar pelo reconhecimento das identidades de gênero?
A realidade não deixa duvidas sobre o potencial da luta feminista para enfrentar este falido sistema capitalista e patriarcal. É lindo ver nas recentes ocupações de escola a quantidade de meninas negras e lésbicas na linha de frente do movimento. E como negar a força da Primavera Feminista de 2015 no processo que jogou Cunha na lata de lixo da história? Aqui no Rio, onde tem luta, tem feministas nas primeiras colunas. É no #OcupaSUS, no #OcupaMinc, na resistência dos trabalhadores e estudantes da UERJ, nos enfrentamentos contra as remoções, nos atos pelo #ForaTemer, e por aí vai.
As ruas são o espaço privilegiado para dar corpo e voz a luta dos oprimidos. É na luta direta que conseguimos disputar o mundo em que queremos viver. Mas não podemos negar que, no atual estágio das coisas, a política institucional cumpre um papel importante. Seja para denunciar a barbárie sobre as vidas das mulheres trabalhadoras, exigir dos governos políticas públicas ou ter mandatos e governos que se conectem às lutas travadas pelos oprimidos. E é neste ponto que as feministas devem se perguntar: que papel tem cumprido o PCdoB e Jandira, na política carioca e nacional?
O que a candidatura de Jandira representa?
É somente desde abril deste ano que Jandira Feghali se tornou oposição ao governo do PMDB no Rio, entregando os cargos de seu partido para lançar candidatura própria à prefeitura. O PCdoB apoiou e participou dos últimos indefensáveis governos do Rio, cumprindo papel importante nos mandatos de Garotinho (PR) , Rosinha (PR), Benedita (PT), Cabral (PMDB) e Pezão (PMDB), na prefeitura de Eduardo Paes (PMDB) e na prefeitura de Niterói de Rodrigo Neves (PV).
Em 2008, Jandira foi nomeada Secretária de Cultura na prefeitura de Eduardo Paes, numa aliança que durou quase sete anos com o PMDB. Insistindo na parceria com o conservadorismo, em 2012, Jandira pessoalmente afirmava que “votar em Paes é querer o bem do Rio”, já que “Freixo foge ao nosso programa”. Tal apoio garantiu ao PCdoB a Secretaria de Política para as Mulheres.
Quando estouraram os grandes movimentos pelo #ForaCabral e as lutas abertas a partir das Jornadas de Junho – como a ocupação da Câmara, a greve dos professores e dos garis – Jandira tinha lado: era aliada do governo que reprimiu e criminalizou os protestos. Na Copa do Mundo, um terrível espetáculo de transformação das cidades e repressão aos protestos populares, a chefia do Ministério dos Esportes estava com Aldo Rebelo, liderança do PCdoB. Foi assim, optando por estar ao lado dos que mandam, que Jandira e seu partido sustentaram medidas como a ocupação da polícia militar nas favelas, a remoção de mais de 60 mil pessoas e o armamento da guarda municipal durante os mandatos de Cabral, Paes e Rodrigo Neves. Sequer no terreno do financiamento privado de campanhas Jandira e seu partido se salvam, tendo recebido apoio financeiro de grandes empresas, como Brasfels e Queiroz Galvão, citadas na operação Lava Jato.
Ao lado do PMDB, que tem como candidato no Rio o agressor de mulher Pedro Paulo, ou saindo em defesa do PT que, a despeito do golpe reacionário que colocou Temer no poder, em nada representou os interesses das mulheres trabalhadoras, Jandira, definitivamente, tem andado em péssimas companhias.
E Dilma, governou para as mulheres?
Depois de 13 anos de governos do PT, o Brasil é o quinto país em feminicídio no mundo. A aproximadamente cada 7 minutos, uma mulher é violentada. A cada 11, uma mulher é estuprada. E a cada uma hora e meia, morta. Este ano completou-se 10 anos da implementação da Lei Maria da Penha, a qual Jandira foi relatora como deputada federal. Esta lei é, sem dúvida, uma conquista da luta e resistência das mulheres trabalhadoras contra a violência cotidiana que sofrem. Porém, sua implementação ficou completamente defasada, já que sem investimento e prioridade o que se viu, muitas vezes, foram letras mortas. Mulheres que denunciavam sem ter casas abrigo, sofrendo assédio e constrangimento nas delegacias, sem proteção e punição contra seus agressores.
Os dados falam por si só. Enquanto Dilma investiu em 2015 apenas 0,0045% do PIB no combate à violência contra a mulher, Jandira sequer defendeu o investimento de 1%, como reivindicava o movimento feminista independente, para garantir a real aplicação e ampliação da Lei Maria da Penha.
Dilma prometeu às mulheres trabalhadoras, que lhe confiaram seu voto, a construção de 6 mil creches públicas, das quais cerca de 7% foi construído. Todo o debate urgente sobre a legalização do aborto foi reprimido pela aliança com a bancada conservadora e fundamentalista, chegando ao cúmulo da eleição do pastor Marco Feliciano (PSC) para presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
Mesmo em relação ao Programa Bolsa Família, em que quase a totalidade dos beneficiários são mulheres, o governo do PT nunca tratou a assistência prestada como um direito, mas sim como um favor. O programa funciona assim: uma família (na maioria das vezes chefiada por uma mulher) que recebe em média 77 reais per capita, tem o direito de ganhar um benefício no valor de 77 reais. No melhor dos casos, essa quantia amplia de acordo com determinados critérios, chegando a uma média no país de um auxílio de 160 reais.
A assistência social, assim como a previdência e a saúde, é um direito social, conquistado com muita luta e previsto na Constituição de 1988. Em alguns países, é parte dos direitos assegurados aos trabalhadores, através de auxílio por desemprego, moradia, filhos, etc. Para garantir um mínimo de dignidade a essas famílias que vivem na linha da extrema pobreza, as beneficiárias deveriam receber ao menos um salário mínimo através do programa (isso sem questionar o baixíssimo valor do salário mínimo), combinado com forte investimento em educação, saúde, criação de postos de trabalho, dando condições para que saiam desta situação. Porém, o governo do PT sempre teve suas prioridades: em 2013, em apenas nove dias de pagamento da dívida (quase metade do orçamento federal), já superava o montante destinado ao Bolsa Família do ano inteiro, que não passava de 3%. Lula estava certo quando dizia que “nunca na história desse país os banqueiros lucraram tanto”. Dilma foi bem fiel a esse legado.
Fecho com Freixo e Luciana!
Jandira tem centrado sua campanha na denúncia do “golpe de estado” e em oposição a Temer e PMDB. Esse verniz de oposição de esquerda não pode iludir os cariocas. Quem há poucos meses compartilhava um projeto de cidade-mercadoria não merece um “voto pela mudança”. A candidatura de Jandira, portanto, é hipócrita e oportunista. Não só pela carga anti-PMDB que contradiz seu passado recente, mas também por estimular nas mulheres uma adesão acrítica a sua candidatura, muito apoiada na solidariedade à Dilma.
No último comício de Freixo, o candidato do PSOL só faltou citar nomes: “Eu nunca me aliei ao PMDB, nem aqui, nem em lugar nenhum. Porque PMDB é luta de classe, entende a cidade de outra maneira. Não governa a cidade da maneira que nós vamos governar. Não dá para governar junto”. Está ficando cada vez mais claro que um pacto de não-agressão entre as candidaturas de Freixo, Jandira e Molón não contribui em nada. A campanha de Freixo deve sim denunciar e desmascarar os discursos falsos, combater a ilusão nas mulheres que simpatizam com Jandira, deixar claro que Dilma e o PT nunca governaram para os oprimidos. Ao lado de Marcelo Freixo, a professora de direito da UFRJ Luciana Boiteux como vice traz a força do feminismo e da representatividade das mulheres, que é sim importante, mas sempre aliada a um programa que tem lado: das trabalhadoras e trabalhadores, de todos os oprimidos. Podemos dizer com provas e convicção que, nestas eleições, só há uma candidatura com força e coerência para chegar ao segundo turno. Nestes últimos dias de campanha, o caminho é fortalecer as vozes e lutas feministas na campanha de Freixo.
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