Por: Joallan Rocha, Salvador, BA
A população colombiana aguarda com expectativa e apreensão a assinatura oficial do Acordo de Paz entre o governo e a guerrilha das FARC no dia 26 de setembro, onde se espera a presença de dezenas de chefes de Estado e do presidente dos EEUU, Barak Obama.
As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) são a organização guerrilheira em atividade mais antiga da América Latina. Após 52 anos de conflitos e sucessivos fracassos de acordos de paz, o país pode estar próximo de uma virada histórica.
Desta vez, após 4 anos de negociações representantes do governo e da guerrilha chegaram no dia 24 de agosto a uma proposta que será submetida à consulta popular em um plebiscito no dia 02 de outubro. O presidente Juan Manuel Santos, em um discurso ao país, afirmou: “hoje começa o fim do sofrimento, da dor e da tragédia da guerra. Tudo está acertado”, em publicação da BBC. .
Entre os dias 17 e 23 de setembro estará ocorrendo a X conferência das FARC. No encontro estarão seus principais dirigentes políticos e militares. O objetivo é o de discutir e aprovar o acordo de paz negociado com o governo colombiano e renunciar definitivamente à luta armada.
Acordos de paz e a violência de Estado
Os conflitos políticos e de classe na Colômbia se expressaram ao longo da história através de violentos enfrentamentos entre grupos guerrilheiros de esquerda e o Estado colombiano, instrumentalizado pelos grandes latifundiários, grupos paramilitares de ultradireita e pelo governo norte-americano.
Ao longo de 52 anos, os acordos de paz foram insistentemente descumpridos, em especial pelo Estado colombiano. Tanto o Partido Comunista Colombiano quanto a guerrilha sempre erraram ao depositarem confiança nos acordos.
Em 1985, por exemplo, a guerrilha das FARC e o Estado colombiano iniciaram um processo de paz que terminou em um verdadeiro genocídio de milhares de militantes das FARC e do Partido Comunista Colombiano que se organizavam na União Patriótica. A operação orquestrada pelo Estado, forças paramilitares e membros da CIA ficou conhecida pelo nome de ‘O Baile Vermelho‘. O documentário “El Baile Rojo – La história sobre el genocídio contra la Union Patriótica”, retrata a perseguição e assassinato de milhares de militantes da União Patriótica.
Em anteriores processos de negociação, o atual presidente Juan Manuel Santos e o seu ex-aliado, Alvaro Uribe, foram responsáveis pelo assassinato dos líderes históricos das FARC. Foi o que ocorreu com Alfonso Cano, Mono Jojoy e Raul Reyes, este último assassinado em uma operação manchada de ilegalidade, quando o guerrilheiro se encontrava em território equatoriano. Naquele momento, Santos anunciou que os membros das FARC terminariam seus dias “em uma prisão ou no caixão.” Sua política apostava na liquidação militar da guerrilha.
A violência do Estado sempre procurou derrotar fisicamente os combatentes das FARC com o respaldo militar e a ajuda financeira das grandes potências mundiais. Os EUA, por exemplo, foram o principal financiador do “Plano Colômbia” que definia o grupo guerrilheiro como uma organização de terroristas e de narcotraficantes.
O rechaço ao governo colombiano e sua política não significa endossar os métodos utilizados pela guerrilha no enfrentamento ao Estado, sobretudo, a utilização dos atentados, sequestros e o financiamento da guerrilha através da cobrança de impostos aos grandes narcotraficantes. Tudo isso só termina retirando o apoio da população. A mobilização e a organização democrática dos trabalhadores, camponeses e indígenas é o único caminho que pode levar à vitória contra as classes dominantes.
Entretanto, sob o discurso de combater o “narco-terrorismo”, os EUA e o Estado colombiano aplicaram uma política de extermínio e expulsão das comunidades camponesas de suas terras, financiou o surgimento de grupos paramilitares e transformou a Colômbia no país com mais bases militares norte-americanas em todo o continente. Em mais de meio século de conflitos, milhões de colombianos foram sofreram os impactos da violência, que até o momento provocou a morte de 220 mil pessoas e o desaparecimento de outras 45 mil.
O plebiscito e a proposta de acordo
O plebiscito constará de apenas uma pergunta: “Você apoia o acordo final para o término do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura?”. Para que seja aprovado deverá contar com o apoio de no mínimo 13% do número dos eleitores registrados na Corte Eleitoral.
A proposta de acordo possui 297 páginas e prevê os seguintes pontos: “Reforma Rural Integral, Participação Política: Abertura democrática para construir a Paz, Cessar Fogo e de Hostilidades Bilateral e Definitivo e o abandono das Armas, Solução ao Problema das Drogas Ilícitas, a situação das Vítimas e questão dos Mecanismos de implementação e verificação do Acordo de Paz”.
Entre os principais temas do acordo estão: a garantia de participação das FARC nas próximas duas eleições legislativas, tendo o direito a eleger 5 senadores e 5 deputados, mesmo não alcançando a votação mínima de 3%. Os combatentes das FARC terão também direito à anistia e a reintegrarem-se paulatinamente à vida civil colombiana.
Possível vitória do ‘SIM’
A proposta de Acordo teve apoio da Alta Representante da União Europeia para Política Externa e Segurança, Federica Mogherini, do presidente dos EUA, Barack Obama e do máximo líder da igreja católica, o Papa Francisco.
Pesquisas recentes apontam a vitória do “SIM” no plebiscito com aproximadamente 60% de apoio entre a população. O Acordo de Paz conta com o apoio dos 32 governadores e da maioria dos prefeitos, além de ser respaldado pela ampla maioria dos partidos que compõe o parlamento.
No entanto, a vitória do governo e das FARC não está amplamente garantida, sobretudo pelo desgaste do atual presidente Juan Manuel Santos, que possui um alto nível de rejeição. Segundo pesquisa do Instituto IPSOS, “65% dos colombianos desaprovam a forma como o presidente geriu o processo de paz e 76% não respalda sua gestão nos dois anos do seu segundo mandato presidencial”.
Essa situação favorece a oposição do Centro Democrático, partido do ex-presidente e atual senador Alvaro Uribe, um dos principais organizadores da campanha pelo “NÃO” ao Acordo de Paz.
O ex-presidente Uribe, conhecido pelos seus fortes vínculos com os grupos paramilitares de ultradireita, defende a completa rendição da guerrilha e a prisão dos principais líderes guerrilheiros, além de rechaçar qualquer possibilidade de que as FARC se transformem em um partido legalizado capaz de disputar as eleições.
Assim, nos próximos dias o país estará atravessado por uma forte polarização política. Terminada a X Conferência das FARC, dia 23, o próximo passo será no dia 26, quando então será possível saber os termos definitivos do Acordo que será submetido ao plebiscito.
Foto: Da esquerda para a direita, o presidente colombiano Juan Manuel Santos, o presidente cubano, Raul Castro e o principal líder das FARC, Rodrigo Londoño Echeverry (Timochenko).
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