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BRASIL

Por que a negligência em Democratizar a Comunicação no Brasil foi determinante para o Impeachment de Dilma Rousseff?

Por Lucas Pitta Klein

Entre os grandes problemas da política brasileira, geralmente esquecido entre sonegações, propinas, caixas 2, e outras tantas formas corruptas de surrupiar a república e afrontar a democracia real, está o Coronelismo Eletrônico. Prática que nos remete ao período onde quem mandava era os “Coroné”, porém, agora, também por meios eletrônicos de rádio e teledifusão.

O Coronelismo Eletrônico consiste na prática de possuir e dominar veículos de comunicação de massa e valer-se deles para atender a interesses políticos específicos – um atentado a qualquer sociedade minimamente democrática e com diversidade de ideias. Misturar Poder Político-Econômico com Poder Simbólico (Midiático, associado à fama e/ou visibilidade) constitui uma prática antidemocrática por facilitar a confusão entre Opinião (Coisa pública) e Mandato Parlamentar – na democracia representativa – indo na contramão do pressuposto da liberdade de pensamento, expressão, de imprensa e da diversidade de ideias.

Seria um sonho para muitos de nós que no Brasil nenhum político fosse Dono da Mídia. Pois existem 40 parlamentares federais (entre deputados federais e senadores) nessa situação. Agora pasme: a constituição de 88 proíbe esta prática – antes da constituinte era atribuição direta e única do presidente da república.

O Artigo 54 da Constituição Federal diz que: “Os Deputados e Senadores não poderão: firmar ou manter contrato com […] empresa concessionária de serviço público”.O Artigo 55 diz: “Perderá o mandato o Deputado ou Senador […] que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior”. Além do artigo 54 da Constituição, o coronelismo eletrônico viola o direito à informação (artigos 5º e 220); a separação entre os sistemas público, estatal e privado de comunicação (art. 223); o direito à realização de eleições livres (art. 60); o princípio da isonomia (art. 5º); e o pluralismo político e o direito à cidadania (art. 1º).

Dito isto, e lembrando a pergunta que dá título a esse texto, proponho um cálculo aritmético simples: O senado precisa de 54 votos para aprovar o Impeachment de Dilma Roussef. Alcançou 61 votos. Existem 8 senadores Donos da Mídia. Todos votaram SIM. 61 menos 8, 53. Um a menos do que o necessário. Ou seja, a falta de fiscalização da lei de telecomunicações teve papel direto na aprovação do impeachment. Apesar de, este dado objetivo não levar em conta as subjetividades do processo político, é um fato alarmante e revelador. Entre estes DONOS DA MÍDIA, estão alguns dos mais influentes políticos do país. Os senadores: Aécio Neves, que é retransmissor da Jovem Pan em Minas Gerais; Fernando Collor, que é dono da Globo em Alagoas; Agripino Maia, dono da Record em Natal, Jader Barbalho e Tasso Jereissati, sócios de retransmissoras da Band no Pará e no Ceará. O próprio cérebro do Golpe, o corrupto e cassado Eduardo Cunha, é sócio da Rádio Satélite, do Recife.

Mas, se as leis são tão objetivas no sentido de tornar o coronelismo eletrônico ilegal, porque esses parlamentares federais continuam, até hoje, donos da mídia?

O Ministério das Telecomunicações e a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), principais responsáveis pelas concessões públicas de Rádio e TV no Brasil, jamais serviram como uma ferramenta efetiva de cumprimento da Constituição Federal e do Código Brasileiro de Telecomunicações, muito menos como contribuintes da democracia – expressão tão maquinalmente defendida em tempos de golpe palaciano. O ministério das telecomunicações sempre foi visto como uma moeda de troca da governabilidade petista – uma pasta de última importância que pudesse ser distribuída entre a base aliada no Presidencialismo de Coalização e não uma pasta estratégica para um projeto de poder da classe trabalhadora. Lula entregou logo cedo o ministério para a responsabilidade do PDT e do PMDB. Miro Teixeira, do PDT e Eunício de Oliveira, do PMDB, que assumiram a pasta por poucos meses, tiveram atuação apagada neste sentido, colocando em pauta central apenas um decreto sobre a Televisão Digital. De 2005 a 2010, ficamos à mercê de Hélio Costa, do PMDB, que é mais um exemplo de tudo aquilo que enfrentamos. Um Jornalista dos meios tradicionais, que foi repórter da Voice Of American (Rede Imperialista dos EUA), e implantador da sucursal estadunidense da Rede Globo nos EUA e em diversos países caiu “de bandeja” no nosso ministério. Valendo-se de sua visibilidade jornalística, foi deputado federal por duas vezes e até senador – quase tendo ganho como Governador de Minas perdendo por menos de 1%. Quando Ministro das Telecomunicações, aplicou o plano das empresas para a pasta: implantou o modelo japonês para o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD). Jamais deu um pio sobre a democratização da comunicação até sua saída em 2010 com o fim da Era Lula, que, ao invés de combater a prática de comunicadores que almejaram e alcançaram
cargos parlamentares valendo-se da exposição midiática na profissão (como hoje temos Lasier Martins e Ana Amélia Lemos eleitos pelo RS), a pratica se intensificou.

Dilma, que assumiu a presidência em 2011, parecia ter acordado para o problema. Nomeou uma figura da alta cúpula petista para a pasta, Paulo Bernado. Quando se ensaiava uma expectativa de avanço, percebemos o erro: entregar a pasta para alguém que não entendia nada dela – erro que aliás é estrutural nos modelos de governo do PT. Cursou Geologia, foi Bancário, sindicalista, deputado federal por três vezes e ministro do planejamento de Lula – preso pela lava-jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Assumiu a pasta e não deu continuidade aos projetos que pareciam sucumbir: um novo marco regulatório das comunicações e o Plano Nacional de Banda Larga. O primeiro engavetou, o segundo, jogou o jogos dos empresários: desonerações e recursos públicos para que as operadoras fizessem o básico, ou seja, investissem na oferta do serviço à população. Deixou a pasta, para entrar outro nome da alta cúpula petista, que também jamais teve experiência de comunicação: Ricardo Berzoíni. Também Bancário, Sindicalista, Deputado Federal, foi ministro da Previdência Social, Do Trabalho, das Relações Institucionais e Ministro Chefe da Secretaria de Governo do Brasil. Chegou com discursos empolgantes sobre a liberdade de expressão e a democracia. Mas do contrário: o desrespeito foi tão grande que ano passado o FNDC convidou Berzoíni para seu congresso nacional. Botaram ele na mesa de abertura, e mesmo assim ele não compareceu. Apesar da iniciativa e da empolgação com a EBC(Empresa Brasileira de Comunicação), recuou no Banda Larga para Todos, capitulou para as empresas no Marco Civil da Internet, e por óbvio, esqueceu da democratização da mídia e do diálogo com os movimentos sociais ligados á pauta. Assim como todos os anteriores, funcionou como um burocrata fantoche dos interesses que o PT vendeu pela governabilidade traidora.

Em outubro de 2007, as concessões públicas da Rede Globo venceram, e se renovaram automaticamente, sem debate com a sociedade e mesmo com irregularidades fiscais em 5 sucursais. Justamente em um país que totaliza 20 mil pedidos de concessões públicas de rádiodifusão, sendo apenas 3652 atendidos, entre 3565 negados e absurdos 7559 arquivados. Os outros cerca de 5 mil pedidos vem se arrastado há mais de 6 anos. É o mesmo país em que 6716 Rádios Comunitárias foram fechadas pela ANATEL e pela Policia Federal em 5 anos (valor quase que o dobro das outorgadas em mais de 10 anos), bem ilustrados pelo minidocumentário Levante sua Voz do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação.

Na contramão de qualquer política crítica e progressista, a Rede Globo recebeu 6,2 BILHÕES de verba federal em propaganda oficial. 60% de todo o dinheiro investido em propaganda do governo Lula foi todo para a Globo. Responder a isso é claro: O projeto neodesenvolvimentista
do lulismo estrutura-se na Conciliação de Classes – que em minha opinião representam interesses inconciliáveis. Compreender isso é tão simples quanto compreender o papel da Globo no Golpe: Dilma cortou 34% das verbas públicas de 2015 para a Rede Globo em relação a 2014, representado 206 milhões a menos para a oligopolista. Dilma e Levy (Banqueiro Neoliberal do Bradesco como Ministro da Fazenda) em 2015 com o discurso da crise e pelo ajuste fiscal fizeram cortes no orçamento que chegaram a ser de mais de 70 bilhões. 9 bilhões puderam sair da educação, por exemplo, mas da Globo, só 300 milhões. Interessante o corte na emissora golpista, por representar um enfrentamento ao interesse corporativista, porém insignificante em comparação ao todo previsto para aquele
ano.

É fundamental que enxerguemos a Comunicação como um DIREITO humano garantido pelo estado e pelas políticas de governo. No século 21, onde vimos ascender ao poder o maior partido de massas da história da américa latina, pouco mudou no Brasil em que reserva-se aos ricos o direito de falar e aos pobres o direito de ouvir. É apenas a partir de fatos concretos, como os acima, que se pode chegar a considerações finais robustas sobre a relação da democratização da comunicação no país (ou da falta dela) com processo de golpe no Brasil:

1. Que o modelo de Conciliação de Classes (ou seja, conceder benefícios tanto para classe trabalhadora quanto para a classe patronal, mediando interesses e valores objetivos e inconciliáveis), e o projeto de Presidencialismo de Coalização baseado na Governabilidade e na Burocratização dos ministérios a partir de distribuição de pastas sem critérios técnicos, fazendo valer acordos políticos acima do interesse social, é um modelo que acaba de cair definitivamente por terra no sucesso pleno do Impeachment de Dilma no parlamento e no conjunto da população brasileira. Foi como dormir com a Cobra e acordar picado.

2. Que não é uma conta aritmética simples: o PT podia ter feito algo pela Democratização da Mídia no país, e por não tê-lo objetivamente feito, recebeu a traição da base aliada reacionária e o golpe fatal do Impeachment de Dilma. Não. Não podemos nos dar ao luxo de diluir uma questão política complexa ao campo da comunicação, apenas. Apesar disso, com certeza, não seremos vacilantes em afirmar o papel CENTRAL que a mídia golpista teve ao literalmente convocar a população para os atos Fora Dilma, que por sua campanha permanente anti-governo alcançaram, sim, parâmetros multitudinários, e por veicular diariamente narrativas que naturalizavam as posições pró-impeachment, facilitando sua legitimidade e aceitação. O Golpe é Civil, Jurídico, Palaciano e Midiático.

3. Que apesar de iniciativas de mídia “alternativa”, que veiculam “contra-informação” (como o Brasil de Fato, o Brasil 247, o Diário do Centro do Mundo, o Sul 21, entre outras ligadas umbilicalmente a quadros pensantes do Petismo) e que são parte do projeto de Poder pensado por Lula para a questão da comunicação no país, pouco isso foi efetivo estruturalmente contra o poder centralizado dos grandes oligopólios. Claro, para que se derrube uma grande mídia é preciso colocar outra(s) no lugar. O que faltou foi atacar os interesses das principais famílias que praticam a hegemonia da narrativa social no jornalismo do Brasil: Marinho (Globo), Saad (Band), Macedo (Record), Civita (Abril) além das que citei há pouco.

4. Que apesar de termos razoáveis leis no que concerne a regulamentação da mídia no Brasil, e considerando a situação prática que analisamos acima, que obviamente indica muita luta para nós; é, em minha concepção, dever de todas as organizações de esquerda (das marxistas, trotskystas, anarquistas, stalinistas, até as mais centristas ou reformistas) superarem as então intransponíveis barreiras do sectarismo e abraçar a luta pela democratização da comunicação como um eixo – na organização e na sociedade. E quando eu digo eixo, é comprar a luta já histórica que tem o FNDC, a Intervozes e a ENECOS, que vez que outra se juntam em campanhas por todo o Brasil no tema da chamada DemoCom. Além de construir blogs importantes de opinião como o Esquerda Online, que até certo ponto é um canal de exposição e de diálogo entre a vanguarda e que postula-se mais como uma disputa de direção política de processos de luta do que propriamente situar-se em uma disputa de narrativas sociais, é preciso, além de apoiar projetos de mídia independente,
como já é feito por vocês com a que eu trabalho, o Correria, impulsionar com o movimento de comunicação a PLIP da Mídia Democrática. Ela é fruto de um debate de muitos anos, uma das ações do 1º CONFECOM (Conferência Nacional de Comunicação) que reuniu dezenas
de movimentos em 2009 e aprovou mais de 600 resoluções. Como é um projeto de lei de iniciativa popular, o que falta é reunir assinaturas pelo Brasil. O Campo político da esquerda precisa se dar conta que gritar na rua “O Povo não é Bobo, Abaixo a Rede Globo” não vai mudar nada na sociedade, e que só se engajando com os movimentos de comunicação na aplicação dessa lei, que se inspira na Lei de Medios argetina, é que poderemos, enfim, dormir mais tranquilos.

Por fim, não gostaria que achassem que este texto é um ataque simples e odioso ao PT, apesar de ele, efetivamente, contrapôr-se estruturalmente ao seu modelo de gestão. Este texto faz parte de uma perspectiva crítica, baseada no Materialismo Histórico, onde se apontam fatos objetivos e estruturantes para poder tecer considerações finais. Jamais teria chegado a tais conclusões sem a ajuda de camaradas da ENECOS e da Intervozes, aos quais me inspiro e dedico este texto, ao mesmo tempo que dedico a todos os comunicadores e comunicadoras alternativos/as, independentes, aos jornalistas pé-no-barro, que vivem os desafios de não terem rendido-se (por querer ou não) para o corporativismo da mídia tradicional, burguesa, elitista, sexista, racista, misógina, lgbtfóbica, heteronormativa,sonegadora e golpista.

*Lucas Pitta Klein é ativista pela Democratização dos Meios de Comunicação, comunicador alternativo do Correria na TVT – Tv dos Trabalhadores, militante da ENECOS – Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social e graduando em Publicidade e Propaganda
na UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.