Dez anos de política de opressões: o que mudou?

Encontro com Movimentos de Mulheres Presidenta Dilma Rousseff durante Encontro com Movimentos de Mulheres no Palácio da Alvorada. (Brasília – DF, 17/08/2016) Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

O que mudou nos dez anos de Lei Maria da Penha, Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres, Lei 13.165/2015, Estatuto da Igualdade Racial e desenvolvimento econômico?

Por: Eliana Silveira, de São Paulo, SP

A revista Mátria volume um Nº 14 edição de 2016, trata de todos estes temas afirmando que as mulheres obtiveram muitos avanços no campo da política, trabalho, combate à violência e igualdade racial. Será?

Com a lei citada acima, as mulheres têm garantido a reserva de recursos do Fundo Partidário de 5% a 15% para o financiamento de suas candidaturas nas próximas eleições. Isto é um avanço? Esta lei não serve para nada se considerado que os partidos com pouca ou ainda nenhuma representação no Congresso Nacional não têm sequer direito a propaganda eleitoral gratuita e obrigatória na TV e no rádio com tempo igual a dos partidos maiores para expor suas ideias, já que não aceitam o ‘apoio’ financeiro da burguesia porque vão defender o povo pobre. Ainda, não garante que as emissoras de TV e rádio tenham a obrigação de convidar a todos para os debates.

Aqui na cidade de São Paulo, por exemplo, o PSTU e o PSOL não foram convidados para o primeiro debate público televisionado em 22 de agosto e o mais provável é que também não sejam convidados para os próximos, apesar de o PSOL ter como candidata uma mulher, Luíza Erundina, que já foi Prefeita em São Paulo.

Para as candidaturas ao legislativo, será ainda pior. No máximo aparecerá, por dois ou três segundos a foto da candidata, ou do candidato. Luíza Erundina já foi Prefeita em São Paulo pelo PT e, na época, apesar deste partido não ser tão grande, ela teve um tempo na TV muito maior do que terá hoje por estar em um partido bem menor. O fato de ser mulher, muito conhecida principalmente por haver construído um plano habitacional razoável nos marcos do capitalismo, ter tido Paulo Freire como secretário da educação, que, apesar de ressalvas, é muito reivindicado pela esquerda, pouco ou nada importa.

E o que dizer dos dez anos da Lei Maria da Penha? Vejamos o que a própria revista diz: “A Lei Maria da Penha define e tipifica as formas de violência contra as mulheres e ainda trata da criação de serviços especializados. A Lei do feminicídio – Lei nº 13.104, de 09 de março de 2015, tornou o assassinato de mulheres qualificado quando feito por menosprezo à condição de mulher. Existe ainda o Ligue 180. Uma ferramenta que tem demonstrado que as mulheres querem e vão denunciar. O serviço registrou uma média de 179 relatos de agressão por dia. Mais de 32 mil ligações. Mais da metade agressão física. 92 denúncias por dia. Ligue 180 também acumula as funções de acolhimento e orientação da mulher em situação de violência. O serviço também está disponível para brasileira no exterior. São 16 países”.

Parece bom? Segundo a mesma revista: “o número de vítimas de homicídio do sexo feminino cresceu 21% em uma década, entre 2003 e 2013, o que representa 13 mortes por dia no Brasil.. O crescimento da população feminina no período passou de 89,8 para 99,8 milhões. A taxa nacional de homicídio, que em 2003 era de 4,4 por 100 mil mulheres, passa para 4,8 em 2013, crescimento de 8,8% em uma década. O Brasil é o 5º colocado no ranking da violência contra a mulher no mundo, com cerca de 5600 mulheres assassinadas e 500 mil estupradas a cada ano”.

E quando se fala de mulheres negras, a situação é ainda mais desesperadora: “O número de homicídios de mulheres negras foi o que mais cresceu, 54% em dez anos, passando de 1.864, em 2003 para 2.875, em 2013”. Chega-se à  conclusão de que alguma coisa está errada. Se as políticas implementas são uma vitória para as mulheres como a revista afirma, porque o número de homicídios e estupros aumentaram? Por que esta conta não fecha? O que está errado?

E o que dizer da igualdade racial? Mulheres negras têm mais oportunidades de desenvolvimento, estudo e trabalho? Para começar, as mulheres negras e jovens entre 18 e 29 anos são a maioria nos presídios. A maioria não concluiu o ensino fundamental, 4% são analfabetas e 14% apenas completaram o ensino médio. A maioria está presa por tráfico (63%), seguido por roubo e furto (8%0) e homicídio (7%), de acordo com levantamento feito pelo InfoPen e divulgado pelo Ministério da Justiça.

A população penitenciária feminina no Brasil cresceu 567,4% entre 2004 a 2014. Segundo o Ministério da Justiça, entre 2007 e 2012 a criminalidade cresceu 42% entre as mulheres. A estrutura nos estabelecimentos voltados para as mulheres deixa a desejar. Menos da metade possui estrutura para grávidas (34%). Nos estabelecimentos mistos apenas 6% das unidades dispunham de espaço para a custódia de gestantes. A lei garante à criança o direito de ser amamentada pela mãe, ao menos, até os seis meses de idade.

Em relação à taxa de desocupação, as mulheres negras entre 10 e 60 anos lideram o ranking, sendo em 2014, segundo dados do IBGE e IPEA, 2.517.485. Também lideram o ranking de piores postos de trabalho e os mais baixos salários, chegando a ganhar apenas 38% do que um homem branco. Quanto ao acesso à educação no nível superior, estudantes negros e negras, portanto, não só negras, são 26,59% das bolsas em universidades estrangeiras no âmbito do Ciência sem Fronteiras. Se considerarmos que a população brasileira é a segunda maior em número de negros e negras fora da África e que a população feminina hoje é de 52,9%, a porcentagem de bolsistas negras é ínfima.

Aqui no Brasil, nas universidades privadas, onde a qualidade é inferior a das públicas, a população negra é 51,38% dos bolsistas. Porém, além das vagas nas universidades privadas serem insuficientes para atender toda a população, especialmente às mulheres negras, a universidade pública é um patrimônio da população trabalhadora e pobre que está excluída dela.  Cada vaga custa, em média, o equivalente a quatro vezes o valor de uma vaga na universidade pública, que, além de oferecer os melhores cursos, desenvolveram pesquisas. Mas, não é só quando chega à universidade que a educação oferecida às trabalhadoras negras e seus filhos e filhas é ruim, precária e insuficiente. A educação básica no Brasil não tem somente um investimento de menos de 4% do PIB para funcionar. Creches e pré-escolas simplesmente não atendem nem 50% do número de crianças nesta faixa etária. Desta forma, além de não conseguirem trabalhar, as mulheres também não conseguem estudar e aí também as mulheres negras estão na liderança deste trágico ranking.

Trabalho e renda, no Brasil hoje, é ouro que não se tem. O desemprego é de cerca de 12 milhões de pessoas e também é liderado pelas mulheres, sendo 9,6% contra 6% entre os homens. Mulheres negras e jovens também lideram este desastroso índice, 30,8% segundo a OIT.

Então o que tem a comemorar? O que melhorou com tantas leis a favor das mulheres? Por que continuam sendo tão massacradas? Por que continuam morrendo por violência doméstica, feminicídio ou aborto?

São muitas perguntas, algumas respostas.

Falta de investimento, pagamento de 47% do PIB a banqueiros e corruptos. Para o combate à violência, por exemplo, se investe apenas cerca de R$0,26 por mulher no Brasil. Desta forma, não existem Centros de Referência suficientes para atender as vitimas, as poucas delegacias das mulheres não atendem aos finais de semana e à noite, o aborto continua sendo crime, os estupradores e agressores sentem-se seguros por as leis estarem só no papel. A educação não é prioridade e tem menos de 4% do PIB investido. Deste montante, boa parte vai para a compra de vagas nas universidades públicas. Creches e pré-escolas administradas por ONGs também são uma forma do desvio do dinheiro público para iniciativas consideradas sem fins lucrativos, que oferecem um serviço de péssima qualidade e exploram as mulheres que lá trabalham.

Desta forma, chegamos a algumas conclusões. Não basta existirem leis se a prioridade é encher o bolso da burguesia em detrimento da população pobre e trabalhadora. Não basta terem mulheres na política que representam esta burguesia. É preciso construir alternativas das mulheres trabalhadoras para as mulheres trabalhadoras, construir a unidade da esquerda combativa, movimentos de mulheres, LGBTs, negras e negros comprometidos com os trabalhadores, para enfrentar não só a burguesia e representantes, mas também o sistema capitalista que transforma em mercadoria barata e descartável. É preciso construir uma sociedade socialista aonde se possa viver plenamente a humanidade, sem ser explorado. Fundamental se faz livrar dos grilhões do capitalismo que escraviza desde que se constituiu. Tudo isso será possível unificando cada vez mais as lutas e as lutadoras e lutadores entre os trabalhadores.

“Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”. Rosa Luxemburgo

“Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade”. Raul Seixas

“Que nada nos limite. Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância”. Simone de Beauvoir

Foto: Ex-presidenta Dilma Rousseff durante Encontro com Movimentos de Mulheres no Palácio da Alvorada. (Brasília – DF, 17/08/2016) | Por: Roberto Stuckert Filho/PR