Henrique Canary, colunista do Esquerda Online
Há pouco mais de três anos, milhões de jovens, trabalhadores, estudantes e desempregados saíram às ruas. As manifestações multitudinárias de junho de 2013 foram uma resposta tão caótica quanto contundente ao esgotamento de um ciclo político, social e econômico no país. Este ciclo, iniciado em 2003, se baseava em três pilares fundamentais: um importante crescimento econômico, que financiava as políticas compensatórias; a paz social na base da pirâmide; e a aceitação, por parte da burguesia e do imperialismo, de um governo de conciliação de classes. Junho de 2013 fez tudo isso ruir.
A economia brasileira entrou na rota da crise mundial, sendo duramente afetada pela diminuição do crescimento chinês, pela recessão europeia e pela política de juros do governo norte-americano. Abriu-se uma nova situação na economia, muito mais difícil, que foi escondida da população até o final de 2014, quer dizer, até a reeleição de Dilma Roussef.
Os movimentos sociais voltaram com toda a força às ruas. Não apenas os tradicionais, sindicatos e movimentos estudantis, mas sobretudo os novos: movimentos contra a opressão, antiproibicionistas, por transporte, por moradia, democráticos, ecológicos, indígenas e muitos outros. A base da pirâmide voltou a se agitar.
No terreno político, a grande burguesia entendeu que era hora de construir uma alternativa ao governo petista. Não porque a fidelidade do PT ao grande capital fosse menor do que no início do primeiro mandato de Lula, mas principalmente porque se tornou evidente que a hegemonia petista nos movimentos sociais estava totalmente questionada pelo ascenso de novos sujeitos sociais e políticos.
A burguesia montou seu operativo: sequestrou a pauta dos atos, acrescentando às demandas de cunho social a bandeira genérica de luta contra a corrupção; depois, sequestrou os próprios atos, com ações violentas da direita fascista que expulsaram a esquerda radical das mobilizações; esvaziou os protestos com seus provocadores e com a violência policial. Depois disso tudo, não foi difícil montar um grandioso esquema eleitoral em torno a Aécio Neves, para tirar o PT do governo e recolocar o PSDB ou outro partido burguês tradicional no comando do Estado. Mas o operativo não deu certo. Dilma venceu as eleições por uma pequena margem, e a maior parte da burguesia resolveu lhe dar mais um tempo.
Dilma se esforçou. Nomeou Joaquim Levy para a economia e acenou com um plano de ajustes que, no primeiro momento, acalmou o grande empresariado e lhe permitiu respirar um pouco.
Mas a crise econômica e social só se agravou, trazendo consigo a crise política. Ao final, a maior parte da burguesia entendeu que Dilma era incapaz de implementar o duro ajuste que o mercado exigia. O PT havia perdido enraizamento social e o estelionato eleitoral de 2014 havia desmoralizado a imagem da presidenta, o que se expressou no derretimento de sua base política no congresso. Dilma não servia mais. Era preciso um golpe. Não de força, mas de astúcia, de manobras e de mentiras. Um golpe parlamentar. Foi o que se consumou ontem no Senado.
Paralelo a tudo isso, está o fato de que a oposição de esquerda ao governo do PT não conseguiu se apresentar como alternativa ao conjunto dos oprimidos e explorados que saíram às ruas em junho de 2013. Porque se dividiu. Porque não apresentou um projeto de país. Porque apostou todas as fichas em conseguir alguns mandatos a mais nas próximas eleições. Porque se acomodou aos aparatos sindicais e desaprendeu a lidar com o imprevisto. Porque menosprezou o perigo da direita. Porque se agarrou novamente ao petismo quando este já se afogava em sua própria lama. Junho de 2013 deu uma chance à esquerda socialista, mas não soubemos aproveitá-la. É preciso que admitamos este fato com toda a humildade.
O impeachment foi um verdadeiro show de horrores, exige repúdio e resistência. E não é possível contar com o PT nessa luta. A oposição implacável a que Dilma e algumas figuras do PT se referiram ontem é estritamente parlamentar. Ou seja, é insuficiente.
Mas a derrota definitiva do governo do PT pode significar também uma segunda chance para a esquerda socialista. Para que essa segunda chance possa ser aproveitada, é preciso tirar conclusões. A história parece ter dado seu veredito final sobre a ingênua ideia de que seria possível governar sem a mobilização direta dos trabalhadores, sem enfrentar o capital, em diálogo com a Fiesp e a Firjan. A estratégia eleitoral do PT, de ascensão pacífica ao poder, tão alardeada como sendo a única possível, se demonstrou a mais inviável de todas.
É preciso superar pela esquerda o projeto petista, não reeditá-lo com uma nova máscara. Podemos fazê-lo. As ruas estão aí. As bandeiras estão aí. Agarremos esta segunda chance.
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