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EDITORIAL

O que Dilma não disse?

Plenário do Senado Federal durante sessão deliberativa extraordinária para votar a Denúncia 1/2016, que trata do julgamento do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff por suposto crime de responsabilidade. Em foco, a presidente afastada Dilma Rousseff. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Dilma fez um contundente discurso no Senado. Nomeou o impeachment de “golpe parlamentar”. Acusou o governo Temer de “usurpador” e “ilegítimo”. Denunciou a PEC 241 que visa congelar os gastos com saúde e educação por 20 anos e alertou sobre os planos de Temer para retirar direitos trabalhistas e previdenciários. Dilma enfatizou também o caráter fraudulento da sustentação jurídica do impeachment, as chamadas pedaladas fiscais.

De fato, esse impeachment consiste numa manobra parlamentar reacionária para impor um novo governo da direita tradicional no país. O governo Temer, sustentado pela elite política e econômica, acentua uma situação política desfavorável aos trabalhadores. Nesse momento, Temer tem mais capacidade para aplicar as contrarreformas requeridas pela classe dominante.

Por isso, é preciso se opor a esse impeachment. Perguntamos: qual legitimidade tem esse Congresso de corruptos e reacionários para depor uma presidente da República eleita pelo voto?

Por que o povo não vai às ruas em defesa de Dilma?
Dilma Rousseff falou algumas verdades, mas não todas, e nem as principais.

A narrativa do ‘golpe’ construída pelo PT afirma que o impeachment é uma reação das elites para derrubar um governo do povo. Um golpe para destruir “as conquistas sociais” alcançadas nos governos Lula e Dilma. Sendo assim, caberia aos trabalhadores defender o governo Dilma da volta da direita.

A questão, porém, é que o povo faltou ao encontro marcado pelo PT. Nesta melancólica segunda-feira (29), a classe trabalhadora brasileira ficou em casa, não saiu às ruas para barrar o impeachment. Não se tem notícia de nenhuma greve, de nenhuma manifestação massiva em apoio a Dilma. O povo brasileiro acompanha silenciosamente o desfecho do impeachment.

A pergunta que fica é: por que os trabalhadores não saíram em defesa de um governo que, segundo o discurso petista, era feito para eles? A resposta está precisamente naquilo que Dilma não disse no pronunciamento hoje.

Verdades escondidas
Em discurso, Dilma não explicou porque depois da reeleição, atendendo aos interesses dos banqueiros, aplicou um duríssimo ajuste que cortou dezenas de bilhões de reais da saúde, educação, moradia popular e demais áreas sociais.

A presidenta não falou sobre a retirada direitos trabalhistas, por meio da redução dos benefícios do PIS e do seguro desemprego, que ocorreu meses depois dela ter dito que não mexeria em direitos “nem que a vaca tussa”. Tampouco disse o motivo da aplicação de uma política econômica que resultou num desemprego de mais 11 milhões de pessoas e na acentuada queda do salário médio do trabalhador.

Dilma também não disse a razão pela qual o PT manteve alianças com os variados tipos de partidos conservadores e fisiológicos em seus 13 anos de governo. Ela não falou nada sobre a íntima e promíscua relação da direção petista com grandes empreiteiros, banqueiros, pecuaristas, lobistas e velhos oligarcas desse país.

A presidenta também perdeu a oportunidade de explicar o motivo que levou o PT a se coligar com os golpistas do PSDB, do PMDB e do DEM em mais de 1600 cidades nas atuais eleições municipais.

Mas, Dilma não poderia falar essas verdades sem expor o verdadeiro crime dos governos do PT: ter vendido o sonho da transformação social em troca da mais inescrupulosa conciliação com os ricos, poderosos e corruptos desse país. Por isso, o povo deu os ombros ao governo Dilma no momento de sua queda final.

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado