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TEORIA

Gás lacrimogênio, pimenta e jasmim: Cairo em Revolução

Aldo Cordeiro Sauda  |

 

Este 25 da Janeiro celebramos os 5 anos do desencadear do processo revolucionário egípcio. O #25jan marca também o inicio da “ocupação dos 18 dias”, outrora conhecida como a “Primeira ocupação da Praça Tahrir”. Foi ela que, no dia 11 de fevereiro de 2011, após 30 anos de governo Hosni Mubarak, derrubou o ditador.

O texto abaixo, escrito pouco mais de um mês após minha chegada à Cairo Revolucionária como jornalista freelance, tem como intuito resgatar um pouco daquele momento de insurreição urbana. O artigo foi redigido no dia seguinte à invasão da embaixada israelense, um dos pontos altos dos conflitos de barricadas do Oriente Médio recente. A tomada da embaixada ocorria em resposta a um bombardeio de Tel Aviv a postos de fronteira do Egito, que em meio ao caos da revolução, havia perdido o controle sobre a demarcação entre os dois países. Tal fato permitiu que grupos jihadistas com maior facilidade para usar o deserto do Sinai (que separa os dois países) tivessem uma base de ataques contra os israelenses. Não por acaso, o colapso temporário do estado egípcio desencadeou seguidas crises com os sionistas em meio a uma revolução que reivindicava a bandeira do boicote a Israel.

Foram nos enfrentamentos de rua do “dia da correção da caminhada revolucionária” – data no titulo da chamada do grande ato organizado pelos grupos da Tahrir que culminou na invasão da embaixada – que pela primeira vez senti o cheiro do gás lacrimogênio usado pelo exercito árabe. Ele passaria, ao lado de furgões militares e delegacias incendiadas, a marcar meu primeiro ano na capital egípcia.

O gás CS, modalidade do gás lacrimogênio usado no Cairo, vinha acompanhado, sempre, de muito gás de pimenta. Gerava uma mistura que chegava a afetar os odores das ruas próximas as barricadas. Elas quase sempre ficavam no bairro de “wist el-balad”, o centro da cidade, em que se concentravam os ministérios do governo. Não era raro nas inúmeras ocupações da Tahrir, os ativistas, ao se enfrentar com os ataque de gás do exercito, se cumprimentar dizendo “Sabah el fol”[i]. A expressão significa, em árabe clássico, “boa madrugada”, mas também pode ser traduzida literalmente do egípcio coloquial ao português como “manhã de jasmim”. Não por acaso, estava sempre presente a ironia de que o cheiro de gás lacrimogênio, nas suas maiores intensidades, estava sempre acompanhada por recuos políticos do governo, queda de ministros, concessões legislativas às exigências do movimento e outras vitórias concretas. Talvez por isto a fuga do embaixador de Israel foi celebrada na vanguarda como um triunfo popular, mesmo que tenha significado um retorno ao Estado de Emergência da época Mubarak.

Na formatação deste artigo, cuja primeira versão foi publicada no portal Caros Amigos, tentei somar ao texto uma serie de vídeos, captados em meu celular, que visualizam um pouco daquele momento. Posto que as imagens não são das melhores, achei que seria justo com o leitor adicionar duas edições de vídeo de autoria de ativistas egípcios. A primeira segue abaixo, a segunda esta no final do texto. ambas, com imagens e sons, sintetizam no sentido mais global aquilo que tento descrever a seguir.

Dia da Correção da Caminhada

Na manhã da sexta-feira do dia 9 de Setembro, batizado pelos egípcios de “dia da correção da caminhada revolucionária”, Cairo, ou ao menos sua região central, foi acordada cedo[ii]. Mesmo que o principal ato do dia, marcado na mundialmente famosa Tahrir, estivesse programado para as 13h, a animação começou bem antes.

Cantando e pulando ao som de marchinhas faraônicas ironizando a junta militar que governa o país, um bloco quase carnavalesco me empurrou às ruas lá pelas 8 da manhã. O cordão, formado por volta de 40 pessoas, desfilava em uma rua inteiramente vazia na qual seus moradores assistiam da janela o grupo pular, dançar e se divertir. Pela primeira vez desde o inicio de agosto, a Tahrir se encontrava livre dos aparatos repressivos do Estado, motivo por si só de júbilo popular.

A tomada pelo governo do mais importante espaço público do Egito ocorreu no primeiro dia de agosto, quando a chamada segunda ocupação da Tahrir começava a se esvaziar. Desde então, a praça esteve cercada tanto pelo Exército quanto pela odiada tropa paramilitar do ministério do Interior, as Forças Centrais de Segurança (FCS).

A segunda ocupação, voltada contra a junta militar e iniciada no começo julho, foi o último ato de massas a ocorrer no centro da cidade. A desmilitarização da praça era uma das principais demandas dos manifestantes, que haviam anunciado que no dia da “correção da caminhada” iriam retornar ao espaço, mesmo que na marra.

Para evitar maiores desgastes e jogar a responsabilidade da segurança na direção do movimento, o governo, além de anunciar que responderia com “dureza” a qualquer desordem social, retirou toda polícia da região central do Cairo na noite anterior. Além dos soldados do exército e da odiada FCS, nem os guardinhas de trânsito sobraram, fazendo com que a população tivesse que assumir, de forma um pouco descoordenada, o controle da caótica circulação de carros na cidade.

Alguns egípcios celebravam a libertação da Tahrir discursando em um palco erguido em frente à praça, outros desfilavam pelas ruas erguendo fotos do ex-ditador egípcio com uma forca em volta de seu pescoço ou segurando cartazes chamando pelo fim da junta militar. Harmonicamente inseridos no cenário, diversos camelôs vendiam camisas, bijuterias, pipoca, milho verde e o famoso café turco. Se não um carnaval, a praça lembrava uma grande festa popular.

Ao meio dia, de outro ponto da cidade, a militância da esquerda organizada já preparavam sua caminhada. Partindo das redondezas do Centro de Estudos Socialistas, entidade ligada ao principal grupo trotskista do país (os Istrokiin Thawriin, ou, em português, Socialistas Revolucionários) andariam por cerca de duas horas até a Tahrir. Entre os pontos de parada estavam a embaixada israelense e da Arábia Saudita. Para proteger seu aliado sionista, o governo egípcio novamente construiu um muro em volta da sede da representação diplomacia.

A construção anterior, algumas semanas antes, havia sido derrubada por militantes contrários ao processo de ‘normalização’ das relações do país árabe com Israel. Inteiramente de concreto e ainda maior e mais alto que antes, a enorme barreira tronou-se símbolo da submissão da politica externa egípcia às exigências de Washington. Após alguns gritos de solidariedade com a Palestina diante da embaixada, logo seguimos em direção à praça.

A marcha do partido, que na saída contava com cerca de 2 mil pessoas, teve em seu ponto de chegada mais de 10 mil. Ela seguia a linha bem humorada que parecia dominar o dia. Uma das características mais marcantes da cultura egípcia é o agudo e muitas vezes profundamente irônico senso de humor da população. Os cantos políticos da esquerda não fugiam a esta regra. Além de capacidade de rimar, as músicas quase sempre possuem engraçadas autocriticas.

No campo das comparações, destoa no Brasil, do “movimento social como um todo”[iii] alusões a expropriações de bancos, derrubadas de governos, e principalmente, resistência armada “as balas e ao fogo do exercito”. À exceção do chamado literal às armas diante dos oficiais do exercito, tudo seguia em ordem na folia egípcia.

Midan Al-Tahrir

Ao me encontrar com diversos companheiros depois daquela passeata, me foi apresentado um leque de opções militantes para o resto do dia; uma caminhada organizada pelo sindicato dos advogados e juízes na porta do Ministério da Justiça reivindicando a independência do judiciário, um ato mais robusto na porta da embaixada de Israel, ou uma manifestação, dirigida pelas torcidas organizadas de futebol, contra a polícia do Ancien Régime na sede do Ministério do Interior.

Curioso para compreender a dinâmica das organizadas egípcias, fui, ao lado de um companheiro do movimento estudantil egípcio, uma alemã de origem árabe e uma cineasta palestina, marchar com os “ultras” (como é conhecida aqui a torcida organizada) no ato anti-repressão.

Os militantes das torcidas compõem talvez o setor mais combativo do movimento de massas egípcio. São jovens, muitos com idade entre 16 e 18 anos e quase todos armados com uma energia revolucionária capaz de inspirar multidões. Em um ritmo não diferente de nossas organizadas, estes rapazes, que não falam inglês, não possuem blackberrys nem twitters, e que não se encaixam esteticamente nas exigências do New York Times nem da CNN, compõem a verdadeira vanguarda do processo revolucionário egípcio.

A ideia de uma revolução de jovens ocidentalizados de classe media se mobilizando pelo twitter para derrubar um governo, além de atraente, é politicamente agradável à cultura de massas. Esta, porém, não é a realidade da revolução egípcia. Este é um pais pobre onde o analfabetismo funcional é regra, não exceção.[iv]

O ato no Ministério do Interior, que se localiza a três quarteirões da Tahrir, batia de frente com a polícia de Mubarak. Um pouco mais tenso, porém não menos bem humorado que o clima da praça, os manifestantes, que picharam toda a fachada do prédio, expressavam o ódio da juventude à polícia egípcia. Sob a sigla de ACAB (All Cops are Bastards – todos policiais são bastardos) os torcedores do time de futebol egípcio Zamalek mantiveram o dia todo uma campanha de agitação impressionante contra a violência policial.

Entre as exigências do grupo, além da óbvia crítica ao processo de transição do regime, estava a demanda para que se soltassem diversos integrantes da organizada, que por participar de ações políticas dentro e fora dos estádios, se encontravam presos e processados em tribunais militares.

A questão destes tribunais, ao lado da lentidão no processo de transição política, foi o tema central da “correção da caminhada”. Desde a queda de Mubarak até o inicio de setembro, quase 12.000 civis estão sendo julgados por tribunais militares no país. Em meio a processos que duram muitas vezes um ou dois dias sem direito à apelação, o índice de condenação nos tribunais, segundo a organização internacional de direitos humanos Human Rights Watch, está acima de 93%.

Entre as acusações que constam contra os condenados está criticar a junta militar em blogs ou facebook, participar de manifestações contra o regime e outros temas de “subversão à ordem politica’. Estima-se que durante os meses posteriores a queda de Mubarak, foram colocados sob jurisdição militar uma quantidade maior de civis que durante toda ditadura do ex-presidente.

Islamistas e a revolução

As atividades na Tahrir, convocadas sob a expectativa de juntar um milhão de pessoas na sexta-feira, aquilo que os egípcios chamavam de “millioneia”, beirou a presença de 100 mil manifestantes. A razão por trás do esvaziamento da “milioneia” estava claro para todos. A Irmandade Muçulmana, principal grupo politico em termos de estrutura organizacional do Egito, boicotou o ato da sexta. Movido principalmente pelo temor ao ascenso do movimento operário, o regime militar tem se aproximado cada vez mais do grupo islâmico. O potencial novo bloco teria por objetivo isolar os setores mais radicalizados da juventude e da classe trabalhadora que seguem nas ruas.

Se a ausência da irmandade por um lado parcialmente esvaziou a praça, por outro ela radicalizou os setores presentes. Além do constante grito de “onde está a irmandade?” ecoar por toda Tahrir, a defesa de um estado laico e democrático foi uma das pautas centrais do dia. Por conta da ausência dos islamistas, o público presente era essencialmente jovem e de esquerda. Isto talvez foi a principal razão pelo caráter festivo e colorido da primeira parte do dia.

Depois de novamente conferir a Tahrir, dirigi-me com um grupo de jovens egípcios recém-formados à embaixada de Israel. Lá, deparei-me, novamente, com milhares de pessoas, que pela segunda vez em menos de três semanas, derrubavam o muro que os separava da representação diplomática.

Armados com martelos, barras de aço e qualquer tipo de apetrecho destrutivo, milhares de egípcios colocavam todas as suas energias para, mais uma vez, tentar expulsar do Cairo o embaixador sionista. Fiel ao espirito do dia, os pedreiros de primeira viagem vibravam e celebravam a cada pedaço derrubado da construção.

O mero fato de literalmente milhares de pessoas trazendo seus martelos de casa para derrubar uma parede no meio da cidade revela por si só o grau de oposição à Israel no Egito. Mais plural do que a Praça Tahrir no quesito idade, o assalto à embaixada novamente contava com a ausência dos militantes islamistas.

Após a queda da barreira, um grupo de jovens conseguiu escalar pelo exterior do prédio uma parte de sua fachada, entrar por uma janela aberta no terceiro andar, e rapidamente ocupar a embaixada. Ainda não está claro como o grupo conseguiu penetrar a segurança do prédio. Provavelmente, a ausência da FCS nas redondezas pegou o governo no contrapé. Possivelmente, o Exército não imaginava que a manifestação seria tão mais radicalizada que na semana retrasada, na qual os egípcios derrubaram o muro de proteção pela primeira vez, porém não tentaram ocupar o prédio. A ausência da mediação da Irmandade Muçulmana no ato pode ser a resposta chave para esta questão.

Uma vez dentro do prédio, os manifestantes novamente repetiram o gesto de arrancar a bandeira de Israel e colocar em seu lugar uma bandeira egípcia. Após a já esperada cena, algo inteiramente único se iniciou. Como confete, inúmeros documentos da embaixada começaram a ser atirados pela janela para um público jubilante.

Em uma espécie de wikileaks popular, as massas começaram a fotografar tudo que descia da janela, que envolviam desde autorizações para entrar no edifício até arquivos marcados com carimbo de “confidencial”. Com documentos sigilosos em suas mãos, a festa corria solta na porta da representação diplomática.

Repressão

Enquanto milhares celebravam a tomada da embaixada, as forças da elite mundial da política começavam a entrar em desespero. Temendo por sua vida, o embaixador, acompanhado por sua família, fugiu do Egito em um avião militar de Israel com uma delegação de por volta de 70 pessoas.

Enquanto seus diplomatas fugiam, o primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu, apelava ao governo americano por ajuda a seu país. Washington, muito provavelmente temendo que a fúria dos egípcios pudesse eventualmente se voltar contra ela, respondeu prontamente aos pedidos de Tel Aviv.

Em um telefonema ao primeiro ministro egípcio, o presidente americano, além de expressar sua indignação frente à ação dos manifestantes, exigiu do governo de Cairo que “honre suas obrigações internacionais e garanta a segurança da embaixada de Israel”.

A ordem para proteger a embaixada, vindo de Barak Obama, foi cumprida à risca pelas FCS e a polícia do Exército. Tanques, blindados, soldados armados com fuzis, milhares de homens da FCS e muita, muita bomba de gás lacrimogênio foram atirados contra os manifestantes que se encontravam no ato.

Não que os outrora alegres manifestantes da “correção da caminhada” não estivessem cientes de que seu carnaval terminaria em guerra. Todos esperavam que lá pela madrugada, alguns milhares de soldados da FCS desocupariam a Tahrir de seus foliões e retomariam a militarização da praça.

Muitos jovens, inclusive, ficaram até mais tarde no local esperando o confronto apenas para marcar posição frente a junta. A remilitarização da praça, porém, acabou não ocorrendo. Literalmente todos os policiais do Cairo se encontravam na frente e redondezas da embaixada israelense cumprindo as ordens de Obama. Não por acaso, os jovens que antes se encontravam na Tahrir logo se deslocaram para a cena do confronto.

A única imagem possível de sintetizar as cenas que tomaram os quarteirões, e mais tarde, o bairro todo na qual a embaixada de Israel se encontra, é de Armagedom. Fogo, fumaça, sirenes, pedras voando de todos os lados, explosões, coquetéis molotov, ônibus e furgões da polícia em chamas, tanques abandonados, rajadas de AK 47 para o ar e o barulho constante do choque de metais compunham o todo do cenário.

Enquanto o exercito e a CFS se utilizavam de uma quantidade incalculável de bombas de gás contra os manifestantes, milhares de jovens, correndo com coquiteis molotov em suas mãos, atacavam os representantes da ordem. Eles não tinham mais de 18 anos, porém agiam com uma dedicação e coragem que superava qualquer parâmetro de maturidade.

Um companheiro recém-formado em engenharia da computação que me acompanhava na porta da embaixada, afirmava sem crer no que via: “é impossível, eles são de força descomunal”. A quantidade de gás utilizada pela polícia e o exercito, segundo Saleh, que participou de todas as batalhas na Praça Tahrir durante a queda de Mubarak, foi a maior da historia dos confrontos políticos no Egito.

Nem mesmo no dia 28 de janeiro, o dia mais violento da revolução, foi utilizado tanto gás. “Não sei, talvez seja um produto novo”, afirmava o engenheiro, “nunca vi nada igual”. Enquanto tentávamos, ao lado de outros 3 companheiros, nos localizar no meio da guerra, mais de 50 ambulâncias, estacionadas próxima a embaixada, socorriam os feridos. O vai e vem das ambulâncias, os únicos veículos que se locomoviam livremente pelo bairro, somavam ao caos do momento.

Ninguém sabia, exatamente, o que acontecia. Visualmente, colunas de fumaça negra, vindo de diversas regiões próximas à embaixada, serviam como principal indicador da expansão e radicalização dos confrontos.

Durante a batalha que consumia as ruas, tentou-se incendiar a delegacia de polícia, a embaixada e a sede do governo local. Os prédios acabaram não sendo destruídos, mas inúmeras vans e caminhões da polícia foram. A linha de frente dos embates, quase inatingível devido à quantidade de gás e fumaça no ar, tinha como seu chão um mar de pedras antes atiradas na polícia.

Em meio aos confrontos, a quantidade de pessoas derrubadas ao chão devido ao gás superava as dezenas. Inúmeras motos que ficavam na linha de frente socorriam os caídos, rapidamente os levando para as ambulâncias que se encontravam nas redondezas. Enviadas pelo ministério da Saúde, foram poucos aqueles que não as utilizaram.

Enquanto milhares atiravam pedras contra a polícia, os jovens das torcidas organizadas vinham em um embalo impressionante por trás da multidão, atirando seus coquetéis molotov nas forças de segurança. Quando a polícia encontrava-se cercada ou na necessidade de recuar, rajadas de fuzil eram disparadas para o alto. O próprio Exército, ao abandonar algumas posições em meio a violência, chegou até mesmo a deixar para trás seus blindados.

Em meio às cenas de caos, noticias ao vivo vindas do twitter informavam que a junta havia acabado de reinstaurar o estado de emergência da era Mubarak. Ao amanhecer do dia seguinte, a imprensa nacional e internacional anunciava o saldo final da batalha: quatro mortos e mais de mil feridos.

Internacionalismo

A tradição das relações internacionais é que elas estejam sempre afastadas dos anseios populares. Dentro deste contexto, é difícil encontrar um paralelo histórico no Oriente Médio para os eventos da “correção da caminhada”. Nem mesmo a tomada da embaixada americana por jovens iranianos, em 1979, é comparável ao que ocorreu no Cairo.

Encabeçada pela junta militar e coordenada pelo presidente Obama, as forças da contrarrevolução hoje se escondem por detrás das leis de emergência de Mubarak. Frente à clara radicalização do processo revolucionário, a contrarrevolução também vem se endurecendo.

Após os eventos da sexta-feira, o ministério do interior anunciou que seus homens estão autorizados a utilizar armamento letal contra futuros atos dirigidos as instalações do ministério. No domingo, o canal de televisão Al Jazeera foi fechado pelas forças do Exército. Mesmo frente a tais incidentes, o governo norte-americano, até então interessadíssimo em comentar a política local, em momento algum se manifestou sobre a censura.

O importante, porém, é que apesar dos ataques, o povo egípcio, entrando em choque com os desejos e esforços do seu governo, conseguiu, sozinho, expulsar o embaixador de Israel. Mesmo que o governo Netanyahu tenha declarado que enviará de volta seu diplomata assim que as condições de segurança permitiram, um novo capítulo foi aberto na historia das relações internacionais do Egito.

 


 

[i] Além da insurreição, “Sabah el Foul” também é utilizado pela juventude para se referir ao cheiro da fumaça do hashish.

[ii] No mundo islâmico, a sexta-feira ocupa o espaço reservado, nas sociedades cristãs, pelo domingo. É na sexta-feira, portanto, que se descansa do trabalho.

[iii] A revolução segundo Marx, seria feita pelo “movimento social como um todo” no Reino Unido, por necessidade de unidade entre camponeses anti-imperialistas na Irlanda com operários britânicos no Reino Unido, que dominava colonialmente a Irlanda.

[iv] A massa da juventude não usa twitter. Esta não é uma “revolução do Facebook”. Isto não é negar a importância das mídias digitais, pelo contrario, as redes do twitter foram essenciais para a revolução, tão essenciais quantos os e-mails, as mensagens de texto, o telefone celular, e sim, os carros de som, as faixas de rua, os panfletos e diversos outros instrumentos de luta existentes desde a revolução francesa.