O jornal Financial Times de 29 de junho vaticinou de forma catastrofista em seu editorial: “Tsipras leva a Grécia para a beira do precipício”. Apesar desse tom ameaçador e chantagista, no corpo do texto o conservador porta-voz da banca internacional era obrigado a reconhecer que: “muito da culpa por esta lamentável situação deve ser posta em Atenas. Mas, os credores não escapam também sem mácula. A sua proposta deveria ter sido aceitável. Ela foi, entretanto, não generosa, omitindo até mesmo uma promessa contingente do alívio extremamente necessário da dívida apesar do clamor do FMI”.
A intransigência dos credores se explica se lermos outro porta-voz dos interesses financeiros, desta vez do lado estadunidense do Atlântico, o Wall Street Journal, desse mesmo dia, que afirma em seu editorial que: “atender as demandas do Syriza poderia espalhar o contágio para a Espanha, Portugal e outros países que poderiam pensar que eles também podem evitar a reforma e ainda serem resgatados”. O efeito da decisão pelo “Não” no referendo grego tem, assim, uma transcendente relevância internacional cujos efeitos vão ter impacto político e econômico em toda a Europa.
O sistema da dívida pública não visa o término do seu pagamento, mas, ao contrário, a sua eternização por meio de um contínuo refinanciamento que só aumenta o volume principal e transfere, por meio de juros, a riqueza nacional para o setor financeiro. Essa hipertrofia financeira, que como uma metástase, vem corroendo a economia mundial é o que está em causa, como um clamor global contra o domínio da bancocracia.
Desde o século XIX que Karl Marx já havia identificado essa lógica perversa. Afirmou, em seu texto de 1852, “A luta de classes na França”, que:
o incremento da dívida pública interessava diretamente a fração burguesa que governava e legislava através das Câmaras. O déficit do Estado era precisamente o verdadeiro objetivo de suas especulações e a fonte principal do seu enriquecimento. Cada ano um novo déficit. Cada quatro ou cinco anos um novo empréstimo. E cada novo empréstimo brindava à aristocracia financeira uma nova ocasião para roubar a um Estado mantido artificialmente à beira da falência; este não tinha outro remédio que contratar com os banqueiros nas condições mais desfarováveis.
A dívida, portanto, não é para ser paga, mas para sugar continuamente os frutos do trabalho e drená-los para a voragem da acumulação irracional e predatória que está levando a humanidade para uma catástrofe humana e sócio-ambiental.
Ao seguir o caminho da Islândia e submeter ao referendo popular a própria legitimidade da escravidão da dívida, a Grécia está abrindo uma porta para uma nova alternativa anti-sistêmica, que reveja o modelo financeirizado da economia mundial. Afinal, a própria Alemanha teve sua dívida cancelada em grande parte, após a Segunda Guerra Mundial. É de um grande simbolismo que o berço da civilização ocidental esteja sendo hoje o ponto de referência para o questionamento do sistema da dívida e da predação capitalista. Onde surgiu o ideal de cidade democrática em oposição ao poder real, onde a política foi laicizada pela primeira vez, emerge agora a voz de negação do poder absolutista do capital.
O filo-helenismo que entusiasmou a Europa como a grande causa romântica do século XIX é na atualidade o internacionalismo e a solidariedade dos povos do século XXI. Hoje, somo todos gregos.
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