(Falta só um dia para o referendo da austeridade)
Posto que a legislação grega proíbe atividades de campanha ou divulgações de pesquisas de opinião 24 horas antes de qualquer referendo, tirei o dia de hoje para conversar com algumas militantes socialistas gregas. Por meio de um amigo, ativista da combativa Corriente Roja (uma organização marxista espanhola) cheguei à Agatha, Tespina e Mariam, três jovens recém-formadas que militam no Antarsya.
Partido de correntes que integra a oposição de esquerda ao governo, minha primeira curiosidade, como bom trotskista, era descobrir a qual de suas tendências internas elas pertenciam. Após ouvir uma sigla indecifrável em grego, Tespina reagiu à minha cara de indagação respondendo sinteticamente “estamos com Louis Althusser”. Pelo menos para mim, é inimaginável alguém se definir politicamente no Brasil desta forma. A longa tradição do marxismo grego e do próprio Partido Comunista, portanto, talvez faça com que a ideia de que partidos políticos estejam diretamente associados a movimentos ideológicos seja algo comum por aqui.
Mais que qualquer outro lugar da Europa, o Althusserianismo segue firme e forte em Atenas. Isto possivelmente se explica pelo peso ideológico do grego Nicos Poulantzas, o mais brilhante dos discípulos do filosofo francês, sobre a esquerda de seu país de origem. Exemplo disto é o instituto de pesquisa do Syriza, que o homenageia adotando seu nome. Assim como minhas amigas do Antarsya, Tsipras e seu círculo mais próximo também reivindicam o legado de Poulantzas. “Mas somos poulantzianas de sua primeira fase”, alertou-me Tespina, “rejeitamos a virada eurocomunista dada por ele no final de sua vida”.
O peso do eurocomunismo, melhor caracterizado com uma espécie de reformismo pós-stalinista tipicamente europeu, talvez nos ajude a entender as constantes vacilações do Syriza, assim como sua aparente fé em reformas no arranjo institucional da União Europeia.
Tática e estratégia
Nenhuma daquelas mulheres que bebiam comigo tinha simpatia pelo primeiro-ministro. Ao contrário do KKE, elas reivindicavam construir a campanha do “oxi”, porém, “não para que possamos negociar em melhores condições, como quer Tsipras, mas porque coisas importantes podem surgir a partir desta mobilização” afirmava Mariam.
A linha política moderada adotada por Tsipras, eleitoralmente, faz sentido. Necessitando de 50% dos votos mais um, e com o país dividido ao meio, serão os eleitores indecisos, sempre tendentes ao centro, que definirão quem irá ganhar a disputa. Mas o problema aparenta ser que a tática de Tspiras se confunde com sua estratégia. O primeiro-ministro, muito possivelmente, acredita na viabilidade de recuperar a economia grega com base em um acordo “menos pior” com a troika. Além de provavelmente impossível, a ideia de que cabe aos comunistas, ou, neste caso, aos eurocomunistas, salvar o capital grego coloca em xeque seu projeto político. Afinal, todo este trabalho foi feito para garantir, em ultima instância, a saúde dos empresários que hoje lutam pelo “sim”?
Ao mesmo tempo em que rejeitavam a direção majoritária do partido governante, ressalvas eram feitas na mesa sobre a ala esquerda do Syriza. “É exatamente por serem bons que a esquerda do partido praticamente não existe no governo”, dizia Tespina. A compreensão geral era que cabe à ala esquerda aplaudir e legitimar o governo, enquanto a mesma é podada e perseguida internamente pela direção majoritária. À exceção de Panayotis Lafazanis, o marxista radical que ocupa o cargo de ministro da indústria, energia e meio-ambiente, a afirmação não me parece ser um exagero.
As ativistas, inclusive, responsabilizavam diretamente a direção majoritária do Syriza pela força do “sim” nas ruas do país. Não que rechaçassem Tsipras por convocar o referendo, porém, o timing estava errado. Ao invés de ter aceito as vergonhosas condições impostas pela Troika logo após sua eleição, o Syriza deveria ter naquele momento se utilizado do entusiasmo pelo novo governo para tomar a ofensiva contra Merkel.
Apesar de não possuir parlamentares, o Antarsya, partido daquelas jovens, têm forte representação nas lutas cotidianas da esquerda socialista. Entre os estudantes, por exemplo, ele é maior que o próprio Syriza. Tendo mais margem de manobra frente à proibição de manifestações por não estar no legislativo, o partido organizou hoje um escracho em frente a um canal de televisão de direita, que vem fazendo campanha loucamente pelo “sim”. Direcionado por Agatha, Tespina e Mariam, que gentilmente me deram as coordenadas do local, despedi-me de meus contatos e fui direto ao evento, que ocorria do outro lado da cidade. Ato pequeno com não mais de 300 pessoas, seu valor simbólico, porém, era grande. A postura da imprensa nacional e europeia frente ao referendo tem sido lastimável.
Blocos e fissuras
É impossível negar, por exemplo, que a manchete do The Guardian de hoje, que afirmava que o ministro das finanças, Yanis Varoufakis, “Acusava a Europa de terrorismo”, não foi escrita com má fé. Afinal, como dizia a própria matéria, Varoufakis se referia não a um continente, mas a duas instituições de legitimidade democrática para lá de questionável: o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia. Pior de todas, porém, foi a capa do também britânico Financial Times. O jornal afirmava que o governo grego, logo após o referendo, pretendia expropriar “30% das contas bancárias com deposito de mais de 8.000 euros”. Sem nenhuma fonte documental concreta para tamanha afirmação, não estaria o FT abertamente tentando aterrorizar os gregos a votarem no “sim”?
Enquanto a imprensa age em bloco contra o governo, fissuras internas na Troika parecem estar emergindo. Assistindo de fora a guerra não declarada entre Alemanha e Grécia, Washington aparenta preocupação. Obama tem pessoalmente pressionado Merkel a ceder, buscando garantir assim a paz social no velho continente.
Apenas isto explica a postura do FMI, a única instituição da Troika sobre a qual os EUA tem influência, ter girado em direção à defesa de algum tipo de reestruturação da divida grega. Anteontem, o próprio Fundo Monetário Internacional, contra a vontade de seus co-dirigentes europeus, publicou um documento interno afirmado que a divida da Grécia é impagável e irá afundar eternamente o país em recessão.
Tsipras não deixou de aproveitar a bola levantada pelo FMI. No próprio ato de ontem na praça Syntagma afirmou que seu argumento a favor da restruturação da divida possuía até mesmo o aval técnico da instituição. A solução estaria sendo barrada, portanto, apenas pelo ultraconservadorismo alemão. Na busca pelo voto indeciso, até o Fundo Monetário Internacional tornou-se aliado do eurocomunismo grego.
Amanha, finalmente, tudo se decidirá. Para tanto, sugiro a vocês que acompanhem não meu diário pelo blog, mas meu facebook, cuja dinamicidade permite um melhor acompanhamento da apuração dos votos. O link dele está aqui: https://www.facebook.com/aldo.sauda
Até amanha então, em que, espero eu, nos veremos na celebração vitoriosa do “OXI” na Syntagma!
Aldo Cordeiro Sauda
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