(Faltam dois dias para o referendo da austeridade)
Durante o um ano, entre 2011 e 2012, devo ter ido, ao menos uma vez por semana, a belos atos de massas na praça Tahrir. A ideia de acompanhar o dia de hoje na Syntagma, portanto, carregou elementos gostosos de déjà vu. A paisagem e a cultura da Grécia também ajudaram. Além de sua geografia, com morros e colinas levemente amareladas, encobertas por uma rala vegetação verde e muitas árvores de oliveira, a Grécia se une ao mundo árabe por suas semelhanças culinárias, artísticas e um enlace histórico que se remete ao surgimento da cultura clássica. Não por acaso, ao longo de boa parte do século XX, os gregos foram incluídos pelo Departamento de Estado norte-americano como parte do “Grande Oriente Médio”. Mas não nos confundimos; a Grécia de hoje é um país europeu.
Tão europeu que os atos pelo “sim” e pelo “não” ocorreram praticamente lado a lado, sem nenhuma confusão digna de se fazer noticia. Eu mesmo, ao voltar para casa da Syntagma com um enorme adesivo escrito “OXI” no peito, fui parar no meio dos apoiadores do “sim” que se deslocavam por ali. Trocar um “joia” com outro rapaz que passava ao meu lado com um “não” colado na roupa foi o único evento político que ocorreu ao longo daquela caminhada. No Cairo, quando diferentes grupos políticos por acaso se esbarravam na mesma rua, era bom sair correndo. Afinal, não rara eram as brigas que terminavam em linchamentos.
Mas se Grécia e Egito se afastam pelo grau de dramaticidade de suas crises, eles se unem pela força e similaridade de seus atores. No Cairo, toda uma geração, entre os 15 e os 30 anos, passou a ser popularmente designada no inicio daquela primavera de “Shabbab Al-Thawra” – os jovens da revolução. O cenário de hoje em Atenas não foi muito diferente. Não seria um exagero afirmar que a média de idade no ato do “não” estava abaixo dos 30 anos. Sabendo que será ela que pagará os custos a longo prazo pela austeridade, a juventude grega decidiu ir em peso às ruas.
Enquanto me chocava com o quão novos eram aqueles ativistas que me cercavam, as pesquisas de opinião reforçavam minha tese. Segundo um instituto de pesquisa, entre aqueles com 18 a 24 anos, incríveis 71% defendem o “não” e apenas 20% estão pelo “sim”. Já entre os maiores de 65, apenas 26% estão com o “não” e 56% com o “sim”. Como de se esperar, uma escada linear quase perfeita completa a separação etária entre os dois grupos. No sentido mais literal possível, a crise grega é uma na qual o novo luta para se emancipar enquanto o velho resiste em desaparecer.
De praça em praça
Uma desvantagem para os gregos é que a Syntagma, quando comparada à Tahrir, possui um péssimo desenho. Ela se divide no meio por uma enorme escadaria que na prática fatia a praça em duas. A primeira, escada abaixo, se encontra em um espaço amplo e verde, já a segunda, escada acima, é estreita e atravessada por uma avenida.
Posto que a proximidade da praça ao parlamento é aquilo que lhe da um peso estratégico particular, a parte “legislativa” da praça é ao mesmo tempo muito mais importante e muito menor que o resto de seu corpo. O palco de hoje, por exemplo, precisou ser reproduzido por telões para a turma de baixo. Além do mais, de uma perspectiva puramente estética, uma praça topograficamente plana dá uma sensação muito maior da ação das multidões.
Nada disto, porem, tirou o brilho da festa. O dia de hoje, na sua essência, teve como objetivo unir a nata da arte e da musica grega para dar um “não” à austeridade. A própria fala de Tsipras, a grande estrela da noite, foi neste sentido em termos de forma e conteúdo. Não houve grandes analises de conjuntura, novas propostas políticas ou qualquer outro fato de destaque. O primeiro-ministro apenas repetiu a mantra, que aparenta cada vez mais distante da realidade, de que tudo retornará ao normal após uma possível vitória do “não”. Voltando seu discurso aos quase 10% de indecisos que definirão as eleições, o chefe do Syriza reiterou, como sempre, que a Grécia segue e seguirá firme e forte no Euro.
A fala foi curta e rápida, interrompida apenas por explosões de aplausos e gritos pelo “oxi”. Assim que Tsipras terminou, os artistas retomaram o palco, mantendo a militância animada com musicas da esquerda grega. Não vou me arriscar, por aqui, a estimar o publico de hoje. Qualquer numero que viria a afirmar seria um chute. Posso dizer que a praça estava para lá de lotada, cheia de cores vibrantes e com espirito de vitória. Muitos falavam que o ato de hoje irá marcar uma reversão nos sentimentos da opinião publica, colocando pela primeira vez na semana o “não” na ofensiva. A resposta para isto, porem, saberemos apenas no domingo anoite.
Até lá, lhes seguirei trazendo noticias!
Aldo Cordeiro Sauda
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